Postado em 02/09/2003
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Estaleiros tentam voltar à tona, agora com apoio da Petrobras
ALBERTO MAWAKDIYE
Lentamente, o Brasil começa a reativar sua combalida indústria de construção naval. A decisão da Petrobras de produzir no país pelo menos parte das novas plataformas de petróleo e o grosso dos navios de apoio marítimo pode trazer à tona um segmento que muitos brasileiros julgavam irremediavelmente naufragado, mas que parece recusar-se a morrer. Afinal, é a terceira vez que a indústria de construção naval tenta renascer das próprias cinzas desde que, no século 19, a República pôs a pique o sonho de dom Pedro II de dotar o Brasil de uma poderosa navegação de cabotagem, ao liberar os portos para navios estrangeiros – o primeiro embate entre proteção estatal e livre mercado, o qual se repetiria ao longo do século 20, com surtos de euforia e depressão.
Desde os anos 1970 não se via tanta agitação em torno dos estaleiros fluminenses – o estado do Rio de Janeiro concentra 90% da indústria de construção naval brasileira. Naquele período de prosperidade do setor, que então contava com proteção estatal, o país só perdia para o Japão em número de navios lançados ao mar e sustentava uma cadeia produtiva que empregava mais de 150 mil trabalhadores. Apesar da crise econômica na década de 1980, a situação só se agravou depois que o governo decidiu novamente abrir os portos a companhias de navegação estrangeiras, desta vez apenas para o comércio transoceânico, de modo a aumentar a eficiência nas exportações. Essa medida, adotada em 1990, eliminou a virtual reserva de mercado que sustentava o setor, levando-o outra vez à bancarrota. É dessa época a falência da estatal Lloyd Brasileiro, que afundou com tantas dívidas que não surgiria um único interessado em sua privatização. A nova tentativa de recuperação, por meio da Petrobras – baseada também numa espécie de proteção estatal, mas com tonalidades de livre mercado –, parece ao menos levar em conta algumas lições da história, pois dá mostras de ser mais realista.
O entusiasmo no meio naval fluminense é, portanto, justificável. Até porque o programa da Petrobras é tão amplo e prevê a construção de tantas embarcações – nada menos do que a maior parte de duas plataformas de petróleo e 22 navios de apoio e transporte, apenas num primeiro momento – que ninguém ficará sem trabalho. Praticamente todos os grandes estaleiros reabriram suas portas à espera de encomendas, alguns deles depois de dez anos praticamente lacrados. O mais simples navio de apoio, o chamado offshore, custa entre US$ 15 milhões e US$ 22 milhões.
Auto-suficiência
A Petrobras colhe os frutos da política de abertura do mercado de prospecção do petróleo para empresas estrangeiras, medida bastante criticada quando foi adotada na década passada, mas que, é preciso reconhecer, trouxe resultados acima do esperado. Dos modestos 165 mil barris diários da década de 1970, o país passou a uma produção de nada menos do que 1,6 milhão de barris por dia, o que o colocou no caminho da auto-suficiência – o Brasil tem de importar hoje o equivalente a somente 245 mil barris por dia. Apenas a anglo-holandesa Shell investiu US$ 300 milhões em exploração e produção de petróleo e acaba de instalar uma plataforma flutuante capaz de extrair mais de 70 mil barris por dia, que irão se somar ao total de outros três grandes poços da empresa na costa brasileira.
Nesse ritmo, é possível que já em 2006 o Brasil deixe de importar petróleo e comece mesmo a exportar pequenos excedentes. Detalhe: pelo menos por enquanto, toda a produção brasileira é retirada do mar, e quanto mais áreas de exploração são descobertas, mais plataformas e navios de apoio são necessários. É esse espaço que a indústria de construção naval está tentando ocupar, sob o olhar benevolente da Petrobras e de sua subsidiária na área de transportes, a Transpetro.
Atentas a esse filão, empresas de Cingapura – cidade-estado encravada no sul da península Malaia –, voltadas tradicionalmente para o reparo de navios, são as responsáveis diretas pela reabertura dos estaleiros no Brasil, em alguns casos assumindo dívidas enormes com a União ou com trabalhadores que não foram pagas até hoje – uma questão que está longe de ser resolvida. Velhos estaleiros com nomes brasileiríssimos, como o Mauá, tornaram-se entidades como Mauá Jurong. A Jurong comprou também o Emaq, o centenário estaleiro da ilha do Governador, rebatizado agora como Eisa. O outrora referencial estaleiro Verolme hoje se chama Brasfels, uma vez que boa parte das ações da empresa foi adquirida pela cingapuriana Fels, que se tornou sócia majoritária em um negócio com a paulista Setal.
Os outros três grandes estaleiros do país também têm novos nomes e acionistas, mas aparentemente sem tanta presença estrangeira. O velho Ishibrás, talvez o mais conhecido de todos, tornou-se Sermetal. O Caneco virou Rio Nave, e só o Promar continua com o mesmo nome, apesar da parceria com a norueguesa Aker. E não são apenas os principais estaleiros que estão renascendo. Pequenas empresas fluminenses de reforma de barcos, indústrias de componentes como âncoras e amarras e mesmo as menos potentes companhias de construção naval de Itajaí (SC), do Ceará e da Amazônia (no último caso, voltadas para a navegação fluvial) estão equipando-se para aproveitar o momento, ainda que por meio da terceirização.
Reativação
"Já não há como negar: os estaleiros brasileiros estão de volta à ativa", diz Luís Chaves, presidente do Fórum Intersindical da Indústria Naval do Rio de Janeiro, que congrega representantes do governo fluminense, sindicatos de trabalhadores, estaleiros e armadores, e está coordenando o processo de retomada. "A indústria naval praticamente sumiu do horizonte econômico brasileiro nos últimos dez anos. Hoje, só de mão-de-obra direta, já contamos com 10 mil trabalhadores". Há dois anos, esse número era de apenas 2 mil, uma diminuta parcela dos 40 mil dos anos 1970.
E o trabalho já começou. A Petrobras deve finalizar em breve os processos de licitação para a construção das plataformas P-51 e P-52, ambas planejadas para operar na bacia de Campos, na costa do Rio de Janeiro, onde está quase toda a reserva conhecida de petróleo brasileiro, em um negócio que supera US$ 1 bilhão, dos quais pelo menos 60% ficarão no país. A construção das 22 embarcações de apoio – que substituirão navios já obsoletos – está mais adiantada. A licitação para quatro barcos já foi feita, cabendo a encomenda ao Eisa, um trabalho de US$ 228 milhões. "Esses navios vão nos devolver o fôlego financeiro de que tanto precisávamos", diz Ildefonso Cortes, assessor da diretoria do estaleiro.
Afora essas embarcações destinadas à recomposição da frota, a Petrobras também está encomendando barcos novos. Dois navios offshore já foram entregues no primeiro semestre pela Brasfels, numa cerimônia que contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A solenidade marcou também a reabertura oficial do estaleiro, que permaneceu fechado durante toda a década de 1990. Lula, aliás, parece tão entusiasmado com todo esse processo que, em junho, prometeu incentivar os estaleiros mediante a retomada da indústria pesqueira brasileira, vista como estratégica por seu governo. A União tem planos de financiar a construção de pelo menos uma centena de modernos barcos de pesca nos próximos anos.
Boi de piranha
Diga-se no entanto que, se a estratégia adotada pelo Brasil na parceria petróleo-indústria naval surpreende pelo aguçado senso de oportunidade – talvez não vá existir outro momento na história brasileira no qual esses dois setores precisem tanto um do outro –, o negócio para a Petrobras talvez não seja tão bom quanto parece. Há mesmo quem comente que a empresa está entrando como "boi de piranha" nessa história, pois ultimamente vinha dando preferência à aquisição de plataformas e navios de apoio no exterior – boa parte das atuais 96 plataformas foram construídas por companhias estrangeiras, assim como 48 dos 110 barcos de apoio –, e só mudou de idéia devido a pressões mais ou menos abertas das autoridades federais e fluminenses e ao lobby dos estaleiros.
As plataformas P-51 e P-52, por exemplo, seriam construídas em Cingapura, e a Petrobras só voltou atrás depois de uma grita que incluiu o próprio presidente da República. Na verdade, a empresa passou os últimos 15 anos sem construir uma única embarcação no Brasil, o que não foi bom para a economia como um todo. Cálculos do governo fluminense dão conta de que entre 1997 e 1998, quando a Petrobras fez a última grande encomenda de plataformas e navios a estaleiros norte-americanos, portugueses e cingapurianos, o país exportou algo em torno de 35 mil postos de trabalho.
Mas não se tratou de falta de patriotismo da empresa, que é de economia mista e tem de fechar as contas no final do ano. E, à época, a indústria de construção naval brasileira estava quase em estado de hibernação. Os estaleiros do planeta, ademais, costumam brigar a tiros de canhão por encomendas, flexibilizando enormemente as condições de pagamento e antecipando prazos de entrega, facilidades que os nacionais não podem oferecer.
Custos
A Petrobras terá de conformar-se, certamente, com maiores custos de produção, uma vez que o setor naval brasileiro está recomeçando praticamente do zero e a escala de produção será pequena por muito tempo. Tampouco deverá haver um esforço desmedido para redução de prazos, o que poderá gerar pressões. O consultor de transportes Josef Barat adverte: "Se os estaleiros nacionais não conseguirem tornar-se competitivos, a empresa talvez seja forçada a rever seus planos, pois não se sentirá em condições de levar nas costas um setor ineficiente, já que trabalha dentro do regime de economia de mercado".
Pelo menos no que se refere à qualidade, não deverão ocorrer problemas. "A construção de navios é uma tecnologia completamente dominada pelo país", garante Jairson de Lima, diretor da Divisão de Tecnologia de Transportes do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). "O Brasil já produziu dezenas de plataformas de petróleo, petroleiros, graneleiros e até submarinos. Temos uma tradição em construção naval que remonta ao século 19, aos tempos do velho Arsenal de Marinha."
Atualmente, talvez o principal ponto fraco da indústria naval brasileira sejam os projetos de embarcações. Sem demanda, os escritórios de arquitetura naval praticamente sumiram do mapa de 1990 para cá. Hoje, o país tem de importar projetos. Os poucos barcos feitos aqui entre 1990 e 2000 foram, na maioria, desenhados por alemães e suecos, e a própria Petrobras teve de recorrer a profissionais europeus e asiáticos para projetar os barcos que construirá no país.
Navega Brasil
Obviamente, nem tudo foram pressões contra a Petrobras. A União, por exemplo, acenou com um mimo nada desprezível. O Ministério dos Transportes destinou parte da verba do Programa Navega Brasil, criado no final do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), para a construção dessas novas embarcações, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ou seja, a Petrobras não precisará arcar diretamente com a despesa num primeiro momento. Considerado a salvação do setor, esse programa passou a utilizar a maior parte das verbas do já antigo Fundo de Marinha Mercante (FMM), constituído com impostos de utilização portuária e criado ainda nos anos 1950 pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1956-61), para a recomposição da frota, que se viu combalida com a abertura dos portos de cabotagem a armadores estrangeiros no período posterior à 2ª Guerra Mundial, após vários anos em que vigorou o protecionismo do governo Getúlio Vargas (1930-45).
Desde 2000, o FMM arrecadou para investimentos em estaleiros e companhias de navegação brasileiras algo em torno de R$ 600 milhões por ano. "É ilusão acreditar que sem investimentos públicos será possível reerguer nossa indústria naval", afirma Jorge Pasin, gerente da Área de Planejamento do BNDES. "Os players asiáticos, como a Coréia do Sul, por exemplo, são altamente subsidiados, e não há país no mundo onde o setor não receba alguma ajuda do Estado."
O governo fluminense também contribuiu, isentando em quase 20% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os equipamentos navais e petrolíferos que forem fabricados no Brasil. O estado do Rio de Janeiro, aliás, tem tanta fé na articulação entre petróleo e indústria naval que criou a Secretaria de Energia, Indústria Naval e Petróleo apenas para gerir o setor. Ou seja, a engenharia logística e financeira para a retomada da indústria naval já está completamente montada.
Reequipagem
A idéia do Fórum Intersindical é, a partir do impulso proporcionado pela Petrobras, permitir aos estaleiros se reequiparem e estimularem a remontagem da cadeia produtiva. O setor está tão desestruturado que atualmente o Brasil não conta sequer com uma fábrica de motores diesel de grande porte para navios – hoje, eles têm de ser importados, quando nos anos 1980 eram produzidos no país por nada menos do que três indústrias. O passo seguinte para os estaleiros seria entrar no disputado mercado de navios mercantes convencionais e, subsidiariamente, no de reparos. Afinal, a demanda da Petrobras, apesar de substancial, tem hora para acabar – a previsão é de que não dure mais de dez anos.
A vantagem do Brasil é que essa cadeia produtiva, apesar de desarticulada, já existe em estado embrionário. E como, de algumas décadas para cá, o país tornou-se uma das dez maiores potências industriais do mundo, as empresas têm condições de fabricar, com simples conversões das linhas de montagem, boa parte dos componentes necessários para a construção de um navio. Além disso, o que não for possível produzir, principalmente por questões de escala ou falta de domínio tecnológico, poderá ser comprado no exterior.
"Não há a menor necessidade de fazermos tudo aqui, como foi tentado, de forma um tanto desastrada, nos anos 1960 e 1970", analisa Carlos Umeda, pesquisador e arquiteto naval do IPT. "A oferta de componentes no mercado mundial é hoje tão grande que podemos comprar literalmente o que quisermos sem pagar muito. Só devemos fabricar o que for realmente estratégico para a cadeia produtiva."
Multinacionais
Mesmo multinacionais de renome implantadas aqui podem entrar no jogo – muitas delas já participam do que restou da cadeia produtiva da indústria naval, embora com olhos mais voltados para a exportação. A lendária fábrica britânica Rolls-Royce produz motores de barco de pequeno porte no Rio de Janeiro. A International, subsidiária da Akso Nobel, fabrica tintas para navegação – ambas, por sinal, já estão fornecendo artigos para a Brasfels. Quanto ao aço, o Brasil está tão bem servido em termos de qualidade e variedade que os próprios norte-americanos já não escondem a preocupação com a concorrência dos produtos nacionais – praticamente fecharam o mercado para o aço brasileiro no ano passado. As usinas só esperam um aceno dos estaleiros para começar a produzir em grande escala.
Há também nichos de excelência em lugares absolutamente inesperados. No pólo canavieiro de Ribeirão Preto (SP), empresas que se iniciaram na área de equipamentos de controle de caldeiras conseguiram um nível de qualidade tal que acabaram penetrando no altamente restrito mercado oferecido pela marinha de guerra norte-americana. A Smar, da cidade de Sertãozinho, no interior de São Paulo, por exemplo, montou todo o sistema de controle de caldeiras do porta-aviões John F. Kennedy, o maior navio não-nuclear da frota dos Estados Unidos. Outras empresas daquela cidade, como a ASC e a Fertron, também vendem equipamentos para estaleiros do exterior. "O país não carece de tecnologia, o que falta é um mercado que nos dê escala de produção e espaço para novos investimentos", diz Pedro Biondo, gerente de marketing da Smar.
Concorrência
É preciso considerar também os obstáculos que os estaleiros nacionais enfrentarão para penetrar no mercado marítimo mercantil. Dificilmente eles terão condições de competir com os sul-coreanos, japoneses e chineses, que hoje respondem por cerca de 80% da produção mundial de navios. No Brasil, esse mercado é bastante restrito, uma vez que são pouquíssimas as companhias nacionais de porte, devido ao fato de o país ter deixado de controlar seu transporte marítimo transoceânico, após a liberação dos portos nos anos 1990. Hoje, empresas estrangeiras são responsáveis por 98% do comércio marítimo internacional brasileiro – índice que não passava de 48% nos anos 1970.
"É uma situação difícil de se reverter", admite Cláudio Décourt, presidente do Sindicato Nacional dos Armadores (Syndarma). "Muitas companhias estrangeiras trabalham com bandeiras de conveniência, por exemplo da Libéria ou do Panamá, e não têm despesas trabalhistas. Não podemos concorrer com elas em termos de fretes." A questão de escala seria outro fator impeditivo. São raras as empresas do país que possuem mais de seis navios, enquanto apenas a dinamarquesa Maersk, muito presente na costa brasileira, tem mais de 250. Como conseqüência, o Brasil desembolsa para companhias de navegação estrangeiras algo em torno de 6% da receita obtida com o comércio internacional. Foram US$ 6 bilhões no ano passado.
Essa situação cria algumas distorções bizarras. Como o Brasil, que responde por menos de 1% do comércio internacional, está fora das grandes rotas – mais de dois terços do comércio marítimo mundial ocorrem entre a América do Norte e a Europa e na bacia do Pacífico –, as companhias se dão ao luxo de escolher onde investir. Uma viagem para os Estados Unidos ou a Europa tem frete menor do que para a América Central, pela simples lei da oferta e da procura.
"Perdi uma concorrência no Chile apenas porque não poderia bancar o preço do frete", conta Humberto Barbatto, da empresa Cerâmica Santa Terezinha, de Pedreira (SP), que fabrica isoladores para redes elétricas de alta-tensão. Ele diz que esse problema é muito comum: costuma pagar por volta de US$ 900 para transportar um contêiner de 20 pés para Inglaterra ou Espanha, US$ 1.250 para Miami ou Jacksonville (EUA) e US$ 2 mil para a Costa Rica, no coração da América Central. Para a Nicarágua, país vizinho à Costa Rica, o preço sobe para US$ 3.400.
Cabotagem
O mercado de cabotagem tampouco oferece muito espaço para a indústria naval, pelo menos por enquanto. Principal meio de transporte no Brasil depois da ferrovia até os anos 1950, essa modalidade entrou em decadência com o predomínio das rodovias após o governo JK, e hoje responde por apenas 0,2% do movimento interno de cargas brasileiras – foram 1,2 milhão de toneladas em 2000 para a cabotagem e 517 milhões de toneladas para os caminhões. São oito as companhias que operam no sistema, principalmente com graneleiros e porta-contêineres, atendendo a 33 portos relativamente mal equipados distribuídos pela costa brasileira, e a maioria delas trabalha com navios fabricados no Brasil, nem sempre modernos.
De qualquer modo, é um mercado que vem crescendo à ordem de 30% ao ano, principalmente por conta do preço dos fretes praticados por companhias transportadoras de outras modalidades, que chega, em alguns casos, a ser o dobro do da cabotagem. O fato de essas empresas estarem protegidas da concorrência estrangeira pela legislação está fazendo com que algumas invistam na expansão do atendimento. A Norsul, por exemplo, encomendou um conjunto de barcaças e rebocador para transportar toras de madeira e bobinas de aço entre os portos brasileiros. E a Aliança, uma das maiores e mais tradicionais do país e hoje associada à multinacional Hamburg Süd, planeja investir em alguns porta-contêineres para dar conta do aumento do número de pedidos. A quantidade de unidades transportadas pela companhia cresceu de 75 mil contêineres em 1998 para 180 mil em 2001. "É um setor que tem ainda muito para crescer no Brasil", aposta Arsênio Nóbrega, conselheiro do grupo.
Pode estar na cabotagem, portanto, uma saída estratégica para a indústria de construção naval brasileira tornar-se auto-sustentável. Porém, o desenvolvimento da modalidade dependerá menos do interesse das companhias de navegação em ampliar a oferta do que de investimentos públicos e privados nos portos – o que até agora está fora da agenda do governo, embora o BNDES já tenha um programa para o setor. "O problema é que a cabotagem está à margem da logística de transporte do país", analisa José Cândido Senna, diretor da área internacional da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp). "Ela precisaria não só tornar-se uma real opção às rodovias, mas também se articular melhor com os portos de longo percurso, como o de Santos (SP). Os portos de cabotagem só se desenvolverão de fato quando servirem de alimentadores dos de exportação."
Para tanto, segundo Senna – que tem discutido o assunto pelo país afora em nome da federação que representa –, também seria necessário multiplicar o número de navios na cabotagem. Eis aí uma proposta que tem tudo para agradar aos renascidos estaleiros do país e trazer competitividade à indústria de construção naval brasileira.