Postado em 16/12/2003
ABRAM SZAJMAN
(Presidente da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo
e dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac)
Esta edição de Problemas Brasileiros, ao comemorar a seu modo os 450 anos da cidade de São Paulo, nos desperta sentimentos múltiplos, um misto de admiração, gratidão e saudade. Admiração porque vimos uma cidade se transformar em metrópole, em um surto de desenvolvimento sem comparativo no país. Gratidão porque, como descendentes de imigrantes, muito devemos a este pedaço de Brasil, que nos acolheu de braços abertos, sem discriminação de nenhuma espécie. E saudade porque aqui vivemos nossos primeiros anos de trabalho, em eras mais tranqüilas, mas não menos desafiantes.
Esses sentimentos nos trazem à memória a cidade de outra época, em especial as ruas estreitas e movimentadas do bairro do Bom Retiro, considerado, aliás, por pesquisadores como um dos locais ideais para estudos sociológicos sobre a convivência pacífica entre comunidades étnicas de diferentes origens. Com efeito, essa região, favorecida pela proximidade da estrada de ferro construída pelos ingleses, recebeu inicialmente imigrantes italianos, seguidos depois por sírio-libaneses, judeus, coreanos e, mais recentemente, bolivianos e peruanos. Uma verdadeira porta de entrada para pequenos empresários dispostos a tentar uma nova vida na cidade que se mostrava aberta para o mundo.
Originalmente uma área de refúgio com suas chácaras – uma delas chamada de Bom Retiro –, a pouco mais de mil metros da Praça da Sé, esse bairro teve papel importante na história do comércio paulistano. Ao oferecer um extenso leque de opções de consumo aos trabalhadores das fazendas e à população de baixa renda do interior, abriu caminho para o desenvolvimento comercial do estado, bem como para a instalação de pequenas unidades industriais.
A Estação da Luz, destino final de milhares de imigrantes, exerceu papel fundamental nessa história de crescimento econômico. Monumento de engenharia financiado pela riqueza do café, durante muito tempo dominou, com sua torre e majestade, a paisagem paulistana. Parcialmente destruída por um incêndio em 1946, passou por um processo de reconstrução e ampliação, que lhe deu nova vida após a tragédia. Uma prova de que a cidade, como se dizia já naquela época, não podia parar. Hoje vemos com satisfação, como também está registrado nestas páginas, um movimento de restauração da velha estação, que promete trazer de volta o brilho e a luz que lhe deram nome e fama.
Além desses sentimentos, porém, esta edição da revista nos emite fortes sinais de alerta. A grande cidade, que hoje ocupa uma área nunca imaginada por seus fundadores, superou quaisquer prognósticos de crescimento, mas o gigantismo ampliou igualmente a distância entre ricos e pobres. Como bem lembra a reportagem, os muros que protegiam a pequena vila dos inimigos hoje adquiriram formato mais simbólico, embora não menos áspero, e dificultam o acesso de uma massa de habitantes a condições de vida mais favoráveis.
A própria região central, hoje objeto de movimentos de restauro, reforma e revitalização, abriga exemplos vivos de abandono social, como cortiços, moradores de rua, ambulantes ilegais, pedintes e menores que disputam pontos estratégicos nos cruzamentos e áreas de maior circulação. Desafios que se somam à triste realidade dos bairros distantes, que somente não estão em piores condições porque existem louváveis iniciativas de organizações voluntárias que, em parceria ou não com órgãos governamentais, propiciam um pouco mais de dignidade a um número crescente de pessoas carentes.
Aos 450 anos, a capital paulista pode orgulhar-se de ter sido um modelo de pujança comercial e industrial para o país, mas nos próximos aniversários o que todos esperamos que aconteça neste gigantesco laboratório é um avanço na área das conquistas sociais, decorrente basicamente de maior oferta de empregos, ampliação de oportunidades e desenvolvimento sustentado. Somente assim as barreiras que separam ricos e pobres poderão ser pelo menos reduzidas e dessa forma possamos encontrar motivos mais reais para comemoração.
![]() | |