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Terceira Idade
Uma nova cidadania

Postado em 01/10/2003

O aumento de longevidade da população coloca em discussão no Brasil os cuidados com a preparação do envelhecimento

Na década de 1960 - marcada pelo forte ativismo político em busca dos direitos civis e da liberdade individual -, a figura de um homem de 60 anos equivalia a alguém dado como definitivamente encostado, fora da sociedade. Passados quarenta anos, aquela geração de então jovens contestadores não torce o nariz quando assiste a Mick Jagger, no auge de suas seis décadas de vida, pulando durante duas horas à frente dos Rolling Stones para uma platéia de garotos mundo afora.
Neste espaço de tempo - período suficiente para o homem pisar na Lua, enviar sondas a Marte e Plutão, fazer a revolução das comunicações e forjar o computador pessoal - a ciência adicionou ao homem mais alguns valiosos anos de vida. Em alguns países, como o Japão, há uma população de homens e mulheres centenários.
Com a descoberta de novos remédios, a construção de poderosos equipamentos capazes de detectar ainda no início perigosas doenças no organismo e os cuidados com o saneamento básico (rede de esgotos e água tratada), a humanidade passou a presenciar o aumento médio de seus anos de vida e, conseqüentemente, a quebra de vários tabus.
Por exemplo: o escritor francês Honoré de Balzac, que morreu aos 51 anos de idade e imortalizou a idéia de velhice para a mulher de 30 anos, jamais poderia imaginar que crianças fossem geradas por mães com mais de 50 anos. Na França do autor de A Mulher de Trinta Anos e da Comédia Humana, a média de vida da população era inferior aos 50 anos, os esgotos eram a céu aberto e quaisquer epidemias devastavam milhares de vidas - sem distinguir entre ricos e pobres.
Para se ter uma idéia, no Brasil - um país do Terceiro Mundo, mesmo em metrópoles como São Paulo e Rio - a média de vida da população (em algumas regiões) é de 63 anos.
Todas as novas conquistas trazem também outras questões. E o aumento de longevidade da população tem gerado vários tipos de problema. Na área da saúde, doenças como Alzheimer e Parkinson tornaram-se mais frequentes. Na área social e econômica, os governos se empenham em equilibrar a previdência e gerar uma legislação mais de acordo com os novos paradigmas. Não tem sido nada fácil, a começar pela necessidade de se alterarem conceitos e posturas. No momento, por exemplo, deputados e senadores discutem a reforma da Previdência, com muitas alterações para os futuros idosos. O Congresso Nacional recentemente aprovou o estatuto do idoso que representa uma importante conquista de política social nessa área.

Um país de ex-jovens
De outro lado o Brasil também mudou - e muito. O Brasil não é mais um país de jovens. De fato, não é. Questões culturais acerca do modo como estamos acostumados a olhar as pessoas de terceira idade também fazem parte da discussão. Pelo fato de que a sociedade deve se preparar de imediato para lidar com a perspectiva de que, ainda neste século, grande parte da população não será constituída de jovens, mas de pessoas com mais de 60 anos. Um bom começo é observar o que se realiza nessa área.
Para isso há um bom motivo. O trabalho social com idosos no Brasil comemora em 2003 uma data importante: há quarenta anos, o Sesc São Paulo iniciava pioneiramente na América Latina um processo de mudança de mentalidade a respeito desse segmento etário.
No distante ano de 1963, a questão ainda não atraía a atenção das autoridades, da sociedade e tampouco da mídia. Todos os slogans cantavam um país jovem e a exaltação à juventude não comportava sequer uma nesga de dúvida de que todos, de maneira inexorável, chegariam à velhice. "O trabalho com a terceira idade da época se resumia a uma ação assistencialista", informa José Carlos Ferrigno, técnico da Gerência de Estudos da Terceira Idade (GETI), do Sesc São Paulo. "E vinha da parte de alguma sociedade de beneficência, irmandades religiosas ou alguns poucos sindicatos que tinham uma associação de aposentados."
A ação diferenciada de abordagem do trabalho com esse público de imediato mostrou ser algo inovador. "O Sesc partiu para a busca de uma integração social, da formação de novos vínculos de amizade para pessoas que, ao se aposentarem ou verem seus filhos emancipados, acabavam por se isolar e ter uma existência muito solitária", lembra Ferrigno. Foi em meio a esse contexto que se criou à época o primeiro grupo de convivência para terceira idade no Sesc Carmo, em São Paulo.
Ficaria cada vez mais evidente, no entanto, que, além da formação de vínculos de amizade, também era importante para os idosos uma oportunidade de atualização de conhecimentos. "Principalmente porque vivemos em uma sociedade de rápidas transformações", explica Ferrigno. Foram instituídas, então, escolas abertas da terceira idade. Nos cursos são oferecidos conteúdos da atualidade - questões referentes ao envelhecimento, política, aspectos sociais, problemas sociais, um pouco de tudo, nasoficinas é possível se ter a oportunidade do desenvolvimento de novas habilidades. Expressão artística, música, teatro, dança, artes plásticas etc. Tais oficinas incentivam a criatividade do idoso e o coloca na posição de produtor cultural. As escolas abertas vieram a influenciar o surgimento, nos anos de 1980, das faculdades abertas da terceira idade. Um trabalho que começou com a PUC de São Paulo e de Campinas e hoje se espalha por todo o Brasil.
A chance de mudança da condição do idoso acabou por resvalar num ponto hoje considerado nevrálgico. A pessoa de idade mostrava forte resistência diante de novas oportunidades, porque a sociedade criara há muito o estereótipo de que aquele era o momento de se pendurarem de vez as chuteiras - e jamais de aprender algo diferente para se iniciar uma nova habilidade. Ainda hoje é uma mentalidade vista como uma barreira. "A própria gerontologia legitimava esse pensamento", revela Rui Martins de Godoy, gerente de Estudos e Programas da Terceira Idade do Sesc de São Paulo. "Trabalhava-se com uma teoria chamada de desengajamento, um raciocínio segundo o qual seria 'natural' esse progressivo afastamento do ser humano das suas funções sociais a partir de uma determinada idade."

Reflexão e velhice
A PUC de São Paulo iniciou seu trabalho com a terceira idade a partir de sua própria realidade. Alguns de seus professores e funcionários passaram a discutir o processo de envelhecimento e a própria velhice. Hoje a instituição tem uma contribuição importante por conta da faculdade aberta à terceira idade e por seu Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento (Nepe), cujo objetivo é trazer o idoso para o espaço da reflexão. "Acreditamos na responsabilidade social da universidade, e como tal é nosso dever tentar responder aos desafios da longevidade", explica a jornalista Beltrina Corte, uma das pesquisadoras do Nepe e docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC. "É preciso desmistificar mitos e preconceitos relativos ao processo de envelhecimento e da velhice propriamente dita. Tudo isso para que se mude o cenário do envelhecimento de nosso País e para que se possa pensar sobre novos arranjos que as pessoas idosas possam vir a desenvolver." Beltrina explica que o trabalho do núcleo é contextualizar a pessoa de terceira idade como sendo um ser biopsicocultural, ou seja, um indivíduo que, como qualquer outro, é formado por aspectos biológicos, psicológico/emocionais e culturais. "Entendemos o envelhecimento como um evento complexo, portanto, não é apenas biológico, não é só social, não é só cultural, não é só filosófico", esclarece a antropóloga Elisabeth Mercadante, também pesquisadora do Nepe e docente do Departamento de Gerontologia. "O velho está na sociedade e, portanto, deve ser analisado através de diversos olhares que desenvolvem o diálogo. Daí trabalharmos com temas diversos ao promovermos eventos sobre atividade física, instituições asilares, estresse, distúrbios do sono, serviços voluntários, menopausa, aposentadoria, sexualidade, memória, Internet, experiência vivida e diversos outros."

Novos enfoques
Neste contexto ter uma vida mais participativa passou a ser um dos desafios. "Existe em alguns idosos o desconhecimento de suas potencialidades", pondera Sandra Regina Gomes, assessora do segmento idoso da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) da cidade de São Paulo. "Muitos não acreditam que podem continuar com suas habilidades, sonhos e projetos de vida. Isso é um dado cultural, e para você romper com isso no sentido de mudar o paradigma leva um tempo." O trabalho da SAS com os idosos mobiliza duas principais frentes: os núcleos de convivência, com a realização de cursos e oficinas; e outra que revela um caráter mais dramático das diversas situações pelas quais pode passar o idoso no Brasil: a reintegração à sociedade do morador de rua de terceira idade. "São dois tipos de idoso", começa a enumerar Sandra. "Um é aquele que perdeu tudo - casa, emprego, família - e que, além disso, pode sofrer com uma dependência química, como o álcool, por exemplo. Esse indivíduo é chamado idoso em situação de risco, de maior vulnerabilidade. Ele está na rua ou indo de albergue em albergue sem nenhuma orientação específica." Segundo a especialista, neste caso o papel da Secretaria é, primeiramente, oferecer acolhida. Das 5.300 pessoas em situação de rua hoje na cidade de São Paulo - segundo pesquisa realizada pela Fipe em 2000 -, oitocentas são idosas. Uma população equivalente a 15% do total. "É um número importante", reconhece Sandra. "Agora, é preciso esclarecer que isso não retrata a pessoa de terceira idade da cidade de São Paulo. O que se sabe é que o maior número de idosos da capital pode ser avaliado pelos que freqüentam o Sesc, por exemplo. O que nos joga no segundo tipo, aquele idoso independente, que mora sozinho e que pode ser de classe-média baixa ou não."
As ações concentram-se dentro dos albergues, abrigos e moradias provisórias, na medida em que o idoso morador de rua recupera a auto-estima e busca novas formas de recomeçar sua vida. "Ele é recolhido da rua, vai para o albergue, onde há o espaço de atenção ao idoso; após um tempo nesse albergue, ele segue para um abrigo, quando há um acompanhamento psicológico; em seguida, ele parte para as moradias provisórias", explica Sandra Gomes, que também é fonoaudióloga especializada em doenças como Alzheimer e Parkinson e mestranda em Gerontologia na PUC/SP. Segundo pesquisas realizadas pela SAS, nos albergues e abrigos, o motivo mais forte pela situação de rua de um idoso é seu rompimento com vínculos familiares. Muitas vezes causado pela ignorância acerca das questões da velhice. "A família desconhece aquela pessoa que passou por um processo de envelhecimento. Por isso trabalhos de divulgação de assuntos relacionados ao tema são tão importantes", atesta Sandra Gomes.

Onde tudo começou - O Sesc Carmo foi o berço do trabalho social com idosos
Os técnicos do Sesc Carmo, na época, perceberam que os comerciários da região que costumavam almoçar no restaurante da unidade mantinham o hábito mesmo depois de se aposentarem. Porém, depois do almoço, em vez de voltarem para seus afazeres, permaneciam lá, com tempo de sobra e sem ter como preenchê-lo. "Foi quando o assistente social que trabalhava na unidade, chamado Carlos Malatesta, junto com membros da equipe de programação, convidou esses idosos a formarem um grupo." Outros idosos que se afiliaram ao grupo foram convidados nas filas de recebimento de pensões de aposentados em um posto localizado nas imediações.

Co-educação - Congresso lança o projeto social de relacionamento entre idosos e jovens
De 21 a 24 de outubro, o Sesc São Paulo, na unidade Vila Mariana, promove o Congresso Internacional de Co-educação de Gerações. Conferências, painéis, oficinas e relatos de experiências discutem a interação entre as faixas etárias. O objetivo maior, além do combate ao preconceito etário, é o desenvolvimento cultural de idosos e jovens através de um processo de educação recíproca. "Neste ano o Sesc lança oficialmente um novo programa chamado Sesc Gerações", explica Danilo
Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. "O evento nasceu da idéia de se criar um espaço de discussão e reflexão sobre o distanciamento entre as gerações, fenômeno da sociedade contemporânea." A idéia do congresso é reunir educadores, psicólogos, terapeutas, sociólogos, trabalhadores de instituições culturais, professores de um modo geral etc. para debaterem o tema. O evento contará com a presença de professores da Espanha, França e Brasil, profissionais que transmitirão informações sobre a qualidade do relacionamento intergeracional em seus países. Outro objetivo importante é incentivar esse trabalho em instituições culturais como o Sesc e em outros espaços sociais. Há muitos anos o Sesc realiza atividades intergeracionais em seu cotidiano, até porque os espaços físicos de suas unidades são comuns a todas as faixas etárias. Isso pode ser visto em aulas de ginástica, nos passeios dos Clubes da Caminhada e em demais programas permanentes da instituição. O diferencial trazido pelo congresso e pelo programa Sesc Gerações é a preocupação de se colocar um outro olhar sobre essas atividades no sentido de extrair delas o máximo possível. O objetivo principal do novo programa é incentivar o processo de co-educação. As pesquisas na área ainda são poucas, mas têm mostrado que interessa ao idoso a convivência com o jovem e que interessa também ao jovem a convivência com as outras gerações.

Avós e netos

O psicólogo social da USP Paulo de Salles Oliveira, autor do livro Vidas compartilhadas - cultura e co-educação de gerações na vida cotidiana, obra na qual aborda justamente a potencialidade dessa relação, atesta: "Toda a minha experiência de trabalhar o tema da co-educação de gerações vem desse contexto: pessoas pobres que moram na periferia e crianças cuidadas pelos avós. Eu estava interessado em estudar, primeiro, como essas pessoas mesmo desqualificadas pela sociedade produzem uma cultura original no seu cotidiano, com muitas coisas a nos ensinar e muitas coisas que se colocam como contraponto à sociedade de consumo". Paulo de Salles explica que seu trabalho tenta, de um lado, trazer a discussão para o âmbito cultural, uma revalorização desses personagens - netos, filhos e avós - que muito teriam a nos ensinar e a ensinar uns aos outros. "Costuma-se dizer que as pessoas chegam numa certa idade e não mudam mais. E a pesquisa tenta desmentir isso: os velhos mudam sim, inclusive a mudança é de tal forma radical que eles passam a ter, por exemplo, novos projetos de vida."

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