Postado em 23/09/2004
A braveza do ator nos filmes de Hollywood, no entanto, não condiz com a filosofia e o espírito que essas lutas transmitem aos praticantes. Na verdade, as "artes da guerra" privilegiam, acima de tudo, o equilíbrio entre o corpo e o espírito. O elemento violência não faz parte do vocabulário das lutas orientais. Assim, a maioria dos iniciantes busca a paz e a harmonia por meio de exercícios que além de revigorar os músculos, descansam a mente. Autodefesa, sugestão médica ou mesmo a influência de Bruce Lee são alguns dos motivos que levam as pessoas a iniciar a prática de uma arte marcial e o melhor, não há limite de idade.
O judô é uma das artes mais praticadas em todo o Brasil. Trazido do Japão em 1882, logo se popularizou tornando-se um esporte em que os atletas brasileiros costumam se destacar nas competições internacionais. "A principal característica do judô é o contato", explica Douglas Vieira, mestre e professor do Sesc Consolação. "Seus principais golpes são o arremesso, a projeção do adversário e a pegada. É diferente do karatê, que privilegia socos e pontapés." Há 32 anos, Douglas dedica boa parte do tempo ao esporte. "Comecei a dar aulas há 17 anos, quando ainda era estudante de Educação Física e posso garantir que a atividade proporciona uma condição motora que desenvolve todas as habilidades básicas, como saltar, cair, rolar e o equilíbrio. Além disso, sua prática constante aumenta o grau de sociabilização dos praticantes, diminuindo a timidez, por exemplo. O judô, em suma, é um esporte completo."
Dos interessados que procuram as aulas de Douglas no Sesc, alguns buscam treinamento para competição, outros pretendem desenvolver práticas de defesa pessoal, mas a maioria busca o treino apenas para entrar em contato com uma atividade física saudável.
De Filho para Pai
Atendendo aos apelos do filho, que insistia a quatro ventos para que o levasse no curso de judô, José Mauro Bonato, 42 anos, após tanta renitência, realizou o desejo do garoto. E foi além. De tanto assistir às performances do filhão, decidiu largar a preguiça de lado e enfrentar o quimono. "O judô trouxe vários aspectos positivos para minha vida: primeiro o condicionamento físico, que melhorou sensivelmente. E, depois, há também o prazer de vir fazer as aulas junto com os amigos que conheci", atesta o pai-judoca.
Ao lado da parte física, José Mauro ressalta o lado espiritual: "A filosofia do judô é muito importante. Aprende-se a ter respeito pelas pessoas, pelo dojô (local da prática), pelos professores. Na verdade, nós não nos consideramos adversários".
Os irmãos Rafael e Rodolfo Cardinalli, 12 e 10 anos respectivamente, concordam com o pai do colega. A pedido da família escolheram um esporte para praticar. Bem, meninos, mas por que o judô? "Porque a gente aprende a cair direito", responde Rodolfo sem pestanejar. Como assim, "a cair direito"? "Deixa eu explicar. Você é muito burro, Rodolfo", intromete-se Rafael que, respirando pausadamente, dispara: "O judô é muito importante porque exercita o corpo e desenvolve a agilidade".
Em seis meses de curso, os irmãos enumeram as técnicas e nuanças da arte oriental. "O mais legal foi ter aprendido as quedas e a bater o braço", iniciam a explicação falando ao mesmo tempo. Esperem um pouco. Um de cada vez. Com a palavra, Rodolfo: "Cada vez que nós caímos, temos que bater com o braço no chão para não quebrar a coluna", ensina com ar professoral. Rafael completa: "Tem outros exercícios legais como rolar de um lado para outro deitado no chão".
Eles explicam, ainda, a graduação do judô, mensurada pelas cores das faixas. Rafael inicia a lista: "Branca, cinza, amarela, laranja, az...". Antes de terminar, é bruscamente interrompido pelo irmão, que indaga delicadamente: "Você tá louco? Tá tudo errado. Primeiro é a branca, depois cinza, azul-escura, azul-clara, amarela, laranja, verde, roxa, marrom e preta", conta de um só fôlego.Resignado, Rafael concorda com o irmão mas, sem dar muita importância, veste o quimono, amarra-o com a faixa cinza e entra no tatame para o início de mais uma aula.
A Luta do Equilíbrio
Oriundo da China, o tai chi chuan é uma arte marcial que cativa, principalmente, as pessoas de mais idade, por causa dos movimentos pausados e relaxantes. Muitos a procuram como uma tentativa de afastar o estresse e a tensão cotidiana. O mestre Jair Diniz, que dá aulas no Sesc Consolação, faz coro com a tradição e rasga elogios à prática. "Embora pareça uma dança, todos os movimentos do tai chi são de luta. Na China, onde as atividades corporais são baseadas nas artes marciais, todos praticam em qualquer lugar e a qualquer hora."
Como nas ruas e praças chinesas, aqui mesmo, em São Paulo, pessoas de todas as idades praticam a luta, com os mesmos objetivos dos colegas do outro extremo do globo. O depoimento de Andréia Alves Pereira resume todos os outros: "Trabalho em um ambiente de muita cobrança e muito estressante. O tai chi chuan ajuda a controlar a ansiedade. Quando você toma uma ducha depois de uma aula, sente uma coisa inexplicável".
O "inexplicável" para Andréia é teorizado pelo professor Jair. Ele diz que o praticante durante os 60 minutos da aula "deixa de depender dos outros. A pessoa passa a voltar-se para si mesma e, assim, encontra soluções para os problemas".
A teoria enaltecida pelo mestre encontra em Madalena Albuquerque e em Haydee Hollander a concretização prática. Ambas senhoras já passaram dos 60 anos e têm no tai chi um bálsamo para as tensões. Os depoimentos carregados de paixão expressam o sentimento em torno da prática. Fala Madalena: "O tai chi para mim é a base fundamental da vida. Quando comecei a praticá-lo, há quatro anos, vivia muito tensa por uma série de motivos. Hoje, consegui atingir uma calma maior e um equilíbrio. Meus filhos querem que eu faça outras atividades no Sesc, mas não tenho tempo, pois trabalho com o meu marido. Mas o tai chi chuan eu não largo. Deixo tudo esquematizado de véspera para não perder a aula".
Para a colega Haydee, o começo não foi tão fácil: "Tinha algum receio por causa da idade", confessa. "Mas com o tempo percebi que o tai chi unia a filosofia com a parte física. É preciso deixar claro, por outro lado, que ele é uma luta e não uma mera brincadeira. Requer uma interpretação muito precisa dos golpes que normalmente não são tão simples. Em suma, o tai chi dá ao praticante o equilíbrio interno que considero maravilhoso."
Abaixo à Violência
Antes da aula começar, Ariagna Cristina cumprimenta as mães que trazem os filhos para o curso de tae kwon do no Sesc Ipiranga. A professora de 28 anos, 15 deles dedicados à arte marcial coreana, sem muita cerimônia, vai direto ao ponto: "Mãe, como é que seu filho está se comportando em casa? Ele está gostando do curso?". A resposta afirmativa faz estampar no rosto da jovem mestra um largo sorriso de satisfação.
"A arte marcial", justifica, "exige muita disciplina e, além do aspecto físico, visa dar ao praticante um equilíbrio emocional muito grande. No Sesc, principalmente, a filosofia empregada pretende prover o aluno de autoconfiança e motivação". Transmitindo conceitos de conduta por meio do tae kwon do, Cristina tenta evitar "a explosão desnecessária". "Em vez de reagir", prossegue, "é preciso ter controle e tranquilidade".
No fim da aula, a professora se despede de um por um à maneira oriental, ou seja, pendendo o tronco para baixo em sinal de respeito. Ela afirma que conhece todos os 130 alunos pelo nome e, mestra, confessa que às vezes pespega "uma bronquinha" nos mais espoletas.
Comprovando o excelente relacionamento, alguns alunos estão com Cristina desde o início do curso há cinco anos. É o caso de Mariana Biaggi Boffino, 18 anos, faixa vermelha (a penúltima da série de dez) e que iniciou o curso para melhorar o condicionamento físico e adquirir habilidades de autodefesa, aliás, uma motivação constante do público feminino para procurar as artes marciais.
A aluna passou a adolescência praticando tae kwon do e diz que ganhou muito mais do que esperava no início. "Hoje tenho um grande equilíbrio, tenho um relacionamento ótimo com as pessoas e aprendi a lidar com os outros." Mariana diz que nunca precisou aplicar os golpes na rua, nem mesmo quando foi assaltada à mão armada. "Graças a Deus não precisei usar a arte para minha defesa pessoal, mas a calma com que lidei com a situação foi fruto do que aprendi com o tae kwon do."
Seja qual for a razão que leve as pessoas a procurarem as artes marciais, o importante é a filosofia transmitida. A não-violência e o equilíbrio valem tanto quanto o exercício físico e ajudam crianças, adultos e idosos a enfrentar melhor as tensões do dia-a-dia.
Como nos Filmes
Apesar de pregar filosofia pacífica e equilibrada, as artes marciais quando transportadas para o cinema e a tevê tomam contornos violentos. O primeiro personagem a encantar os entusiastas foi Bruce Lee que entre os gritos de "iáááá" mostrava ser um atleta de respeito. Suas atuações levaram (e ainda levam) muitos garotos a procurar as aulas de kung-fu.
O professor Ricardo Fernandes Cser dá aulas da modalidade no Sesc Pompéia e ensina a origem do kung-fu: "A história dessa arte se confunde um pouco com a própria história da China. Há documentos que registram a existência do esporte há mais de cinco mil anos".
De acordo com Cser, são muitos os motivos que levam as pessoas a procurar o kung-fu. "Alguns vêm para lutar, outros para liberar o estresse, para movimentar o corpo e até por curiosidade sobre a cultura chinesa."
O mestre de 29 anos confessa que se interessou pelo kung-fu por causa dos filmes do ator famoso. "Era um esporte diferente, muito mistificado." Glicélio Alves dos Santos, de 14 anos e Alexander Fonseca, de 22, também se inspiraram nos filmes. "Quando comecei a praticá-lo, costumava aplicar o que aprendia na escola. Hoje, é bem mais difícil eu ficar nervoso."