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Em pauta
Os limites da prática esportiva

Postado em 01/02/1998


Victor Matsudo

Para quem pratica esporte é importante lembrar que ele envolve risco. Na prática do esporte existe um limite que quando é ultrapassado o risco de lesão aumenta. Antigamente existia o conceito de que quanto mais o atleta treinasse, melhor seria seu resultado. Hoje sabe-se que essa não é a realidade e que quanto melhor for o treinamento, melhor será o resultado. E melhor não significa necessariamente quantidade, porém qualidade. O atleta que treina em excesso, ou o supertreinamento, pode ter grandes problemas, desde a estrutura corporal até a parte mental.

Existem sinais, por exemplo psicológicos, de que o treinamento foi muito intenso. A modificação do humor, a depressão, as alterações do sono e a falta de apetite são alguns dos principais indicadores de que o atleta está sofrendo um supertreinamento. Estas alterações aparecem muito antes das lesões ou dos sinais no sangue e na urina. Quando o treinamento é excessivo, há alteração nas células do sangue e aumento da produção de uréia. O supertreinamento também provoca alterações no desempenho esportivo, fadiga e lesões. Estas vão desde inflamações dos tecidos articulares, como tendinites, sinovites e perostites, lesões no tecido muscular (inflamação: miosite ou ruptura dos músculos), na cartilagem articular (artrite) até as fraturas por estresse que são a forma mais grave de lesão por supertreinamento. Esta fratura é atribuída a traumas repetitivos, frequente em atividades vigorosas que envolvem o peso corporal, como andar, correr ou saltitar.

Quando o indivíduo corre ou faz ginástica aeróbica, o organismo absorve esse estresse sem que haja qualquer manifestação clínica. No entanto, passando a correr ou a dançar horas seguidas, a quantidade de microtraumatismos poderá superar a capacidade do organismo absorver esse estresse e, então, os sinais de sofrimento dos tecidos começarão a surgir. Na maior parte das vezes, esse efeito somativo dos microtraumatismos só irá aparecer com o passar dos dias, meses ou anos, explicando-se assim porque algumas pessoas se exercitam fortemente por um período sem apresentar problemas, tempos depois, ao realizarem um movimento mais leve, são surpreendidas pelas queixas de dor, edema ou impotência funcional. Esses quadros são consequência do efeito cumulativo dos microtraumatismos e quando despontam recebem o diagnóstico geral de lesões por "overuse" ou super uso.

A fratura por estresse corresponde ao grau máximo de lesão por "overuse" no tecido ósseo. Nestes casos a lesão se caracteriza por uma dor presente logo no início ou mesmo antes do exercício, impedindo ou afetando o desempenho e com duração de mais de um mês. Nessa situação, o afastamento do treinamento é imperioso, assim como o tratamento médico com gelo, antiinflamatórios e, nos casos mais sérios, com imobilização. É importante ressaltar que essas lesões dependem de fatores intrínsecos ligados às características anatômicas, e de fatores extrínsecos, relacionados ao ambiente. Os principais fatores intrínsecos que podem levar a maior risco de lesão são: alterações na amplitude e frequência da passada, encurtamento de um membro inferior, desequilíbrio muscular, falta de flexibilidade, flacidez ligamentar, pronação do pé e alterações do alinhamento dos membros inferiores (genu valgo e genu varo).

Entre os fatores extrínsecos mais importantes estão os erros de treinamento, número exagerado de sessões semanais ou de duração muito prolongada, distâncias excessivas de corrida, aumento rápido de treinamento, falta de aquecimento, baixo nível de condicionamento físico, superfícies duras, irregulares ou inclinadas, os saltitamentos e o uso de tênis inadequado também predispõem a maior risco de lesão nos praticantes de esporte ou exercício. O esporte não necessariamente é saúde.

A ciência diz que esporte é saúde quando bem praticado. Na verdade, o que é saúde é a atividade física: ter um estilo de vida ativo é saúde. Ajuda a diminuir os riscos de obesidade, de morte por hipertensão ou infarto, prevenir problemas vasculares periféricos, entre outros. Vida ativa significa realizar uma atividade moderada pelo menos 30 minutos por dia, na maior partes dos dias da semana, se possível todos. Por isso neste verão continue agitando!

Dr. Victor K. R. Matsudo é do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS) e Programa Agita São Paulo


Oscar Schmidt

Superar os próprios limites. Esta é uma das metas de todo esportista que quer ser campeão. E para isso, fisicamente falando, vale tudo. Vale treinar até o limite, vale se sacrificar num jogo decisivo, vale engolir a dor de jogar pelo time. Vale treinar, treinar, treinar. Só não vale apelar para aditivos ou remédios.

Nenhum atleta passa incólume pela carreira sem ter sofrido contusões ou jogado machucado. E muitas vezes as contusões acontecem por causa da sucessão de treinos e jogos seguidos. Mas isso faz parte da luta para ser o melhor. Não dá para ser um campeão sem essa luta diária pela superação dos próprios limites.

Já tomei cotovelada nos dentes, aguentei dedões no olho durante as disputas de bola e até pensei em jogar com proteção. Dedão no olho é o tempo todo, sem contar os pontos que se leva por todo o rosto.

Por isso eu digo que "piso na dor" porque quando é preciso jogo mesmo machucado. E esse "piso na dor" é o lema da maior parte dos atletas que chegaram ao topo.

Em toda a minha vida como atleta sempre treinei muito, quando me machucava e não podia fazer os treinos coletivos ficava na quadra arremessando durante muitas horas. Acho que posso dizer que sou recordista em treinos. E esse treino "na veia" que eu tenho acumulado em toda a carreira vem me ajudando a manter o rendimento na quadra agora que meu ritmo de treino diminuiu em função das minhas responsabilidades como Secretário de Esportes.

É importante para qualquer atleta buscar suas próprias marcas durante toda a vida. Este é o nosso sonho. E é essa busca interminável que garante um bom desempenho, seja qual for o esporte.

É claro que existe um limite físico para esse vale-tudo e cada um sabe qual é o seu. Mas esse limite para um campeão nunca será o mesmo que para um esportista ocasional. Para estes últimos, uma dor, um inchaço no pé, uma inflamação, uma febrinha são motivos para parar de jogar ou treinar. Para um campeão, a dor e grande parte do problema que enfrentamos são só fatores de momento que não podem ser muito valorizados. A gente passa por cima disso tudo e vai para a quadra, para o sacrifício como dizem os locutores esportivos.

Às vésperas de completar 40 anos (em 16 de fevereiro), continuo fazendo o que mais gosto de fazer, que é jogar basquete.

Tenho uma série de problemas físicos adquiridos durante toda a carreira. Mas já aprendi a conviver com todos eles. Tenho tendinite aguda no tendão rotuliano do joelho esquerdo e no ano passado tive um estiramento.

Para exercitar a musculatura das pernas mesmo no gabinete atuando como secretário, faço levantamento de peso por debaixo da mesa enquanto converso com assessores, jornalistas, recebo autoridades. Se preciso faço ultrassom, tratamento com choques, o que der para fazer. Criei uma rotina para conciliar as duas atividades, de secretário e de jogador, e estou conseguindo bons resultados, tanto nas quadras como na secretaria.

Oscar Schmidt é atleta e Secretário Municipal de Esportes


Fernando Carmelo Torres

"No pain, no gain" ("Sem dor, sem ganho", em inglês) foi uma frase que, por muito tempo, norteou o treinamento de muitas pessoas. Até a palavra "malhação" traz um pouco desse mito de que exercício físico só dá resultado com certo sofrimento. Felizmente, as pessoas estão cada vez mais conscientes de que isso é um grave engano.

Um dos problemas mais comuns é que muita gente só se lembra que as "gordurinhas" fugiram de controle em períodos de lazer, férias e, especialmente, no calor, quando a exposição do corpo torna-se mais frequente. Outras vezes, ao iniciar um treinamento, tenta-se acompanhar aqueles que estão em melhor nível de condicionamento (e sempre haverá os mais adiantados). É a vontade de entrar em forma rapidamente, uma ilusão que os mais afoitos tentam realizar, sem sucesso, a não ser que façam dietas altamente restritivas e/ou extrapolem nos treinos, ambos muito prejudiciais à saúde.

Pessoas que costumam realizar dietas muito restritivas podem provocar uma adaptação para "estocar" energia. A reação ao déficit de ingestão é uma diminuição do metabolismo na tentativa de "poupar" calorias. Isto explica aqueles indivíduos que fazem dietas de tempos em tempos, e percebem ser cada vez mais difícil e lenta a perda de peso com a mesma dieta, além do ganho ponderal pós-regime ocorrer mais rápido. Dietas com restrição drástica de carboidratos são desaconselhadas, pois o açúcar é um importante combustível para a produção de energia nos exercícios. Para que as gorduras sejam mobilizadas também para a queima, é preciso que carboidratos sejam previamente usados. Na falta destes, torna-se difícil a mobilização das gorduras e o metabolismo é desviado para a queima de proteínas (que até então estavam sendo poupadas, pois são formadoras, entre outras coisas, dos músculos). Nesse tipo de dieta, além de problemas para queimar gorduras, ainda há a indesejável perda de musculatura.

Outro expediente utilizado pelos apressadinhos, a sobrecarga de exercícios (por excesso de repetições, alta intensidade ou até por intervalos de repouso insuficientes), é também frustrante, pois os objetivos podem não ser atingidos e os prejuízos são inevitáveis. Nesse processo, conhecido por "overuse", "overtraining" ou supertreinamento, a dor é apenas um sinal de que os limites foram ultrapassados. Vários órgãos podem ser afetados, com repercussões importantes nos sistemas cardiorrespiratório e osteomuscular. Mesmo para jovens em fase de desenvolvimento os exageros podem trazer marcas importantes. Uma delas é sobre a cartilagem de crescimento que existe na extremidade dos ossos. O excesso de exercícios afeta essa estrutura, que calcifica-se, fechando precocemente o espaço que os ossos tinham para crescer.

Nos músculos, mesmo durante um exercício dentro de limites saudáveis, é normal vários de seus filamentos sofrerem microlesões. Nessa situação, o organismo reage e, durante o período de recuperação (repouso), não apenas regenera as fibras, como as reforça. Há ganho de massa muscular e aumento da aptidão para suportar novas e maiores solicitações. Entretanto, se a carga for excessiva para a condição do praticante, essas lesões podem ser maiores, a ponto de provocar roturas musculares (as chamadas "distensões"), além de afetar tendões, ligamentos e articulações. Também quando o repouso é insuficiente, não há tempo para que esse processo de regeneração aconteça e as microlesões podem se somar, causando traumas importantes.

Outro caso grave por "overuse" são as fraturas por estresse. O osso chega a trincar, tantas vezes foi exigido através de repetidos impactos, que não precisam ser violentos. A somatória desses choques sobre a estrutura óssea vai enfraquecendo-a, até causar essa fratura. Casos divulgados pela imprensa têm mostrado esse quadro em atletas de alto nível. É bom lembrar que esporte de alta performance e saúde não andam, necessariamente, juntos. Muitos atletas, na busca de melhor rendimento, excedem seus limites físicos, mesmo sabendo do elevado risco a que estão sujeitos. É por isso, também, que o uso de substâncias proibidas (doping) é algo mais comum do que podemos imaginar. É a tentativa do sucesso a qualquer preço (às vezes, alto demais).

Uma preocupação adicional é que o uso dessas drogas pode proliferar também entre não-atletas. Estes, muitas vezes por desinformação ou má orientação, deixam-se atrair pelos efeitos de drogas estimulantes ou anabolizantes, que realmente podem acelerar os resultados pretendidos, sem saber, no entanto, dos prejuízos que podem causar à saúde. Casos de virilização (aparecimento de características masculinas em mulheres) e ginecomastia (crescimento de seios em homens), com quadros de esterilidade temporária ou definitiva, são alguns dos problemas entre seus usuários. Distúrbios dos mais variados tipos, como hormonais, cardiovasculares, hepáticos e até psíquicos podem ocorrer. Mesmo para os que conseguem obter um ganho de massa muscular significativo às custas desse artifício, a chance de lesão é maior, pois as fibras com crescimento muito rápido podem se desenvolver defeituosamente. Ligamentos e tendões não conseguem acompanhar esse aumento acelerado, estando mais sujeitos às inflamações (como as tendinites), podendo chegar a ter rompimentos.

O objetivo estético, em algumas situações, pode predominar sobre a própria busca da saúde. Em mulheres, por exemplo, a ênfase para o trabalho de glúteos (visando o "bumbum arrebitado") pode exacerbar a curvatura da coluna lombar e sobrecarregar os músculos do abdômen, que são "empurrados" para frente. Ocorre um desequilíbrio entre os grupos musculares (os abdominais estão mais fracos), com o aparecimento de dores e até de uma desagradável "barriguinha".

Portanto, vale ressaltar que, se o sedentarismo faz mal à saúde, o exercício mal orientado também pode fazer. A atividade física regular, feita com moderação, aliada a uma alimentação balanceada, traz benefícios incontestáveis ao corpo e à mente. A saúde, por sua vez, deve e precisa ser lembrada (e cuidada) não em determinados períodos ou estações do ano, mas sempre!

Fernando Carmelo Torres é médico fisiologista e coordenador de Medicina Esportiva da Fórmula Academia/Fictor


Léo Vilarinho Albuquerque

"A principal jogadora de basquetebol do país deverá ficar afastada das quadras por tempo indeterminado em função de inflamação no joelho". "O futebolista titular da seleção nacional teve grave lesão de tornozelo, devendo submeter-se a várias cirurgias para atenuar o problema".

Quantas vezes lemos em jornais as notícias acima, ou vemos atletas atuando com joelheiras, bandagens, proteções! Isso tudo é decorrente da sobrecarga de trabalho físico, geralmente localizada conforme o esporte praticado e conhecida como "overuse".

As lesões por "overuse" são frequentemente degenerações articulares e inflamações músculo-tendíneas. Podem, no entanto, acometer qualquer órgão ou sistema do corpo causando, por exemplo, fraturas ósseas, alterações renais, neurológicas, etc.

Com relação aos atletas profissionais ou de alto nível de sobrecarga é decorrente da necessidade de ser melhor, quebrar recordes ou participar de competições sucessivas. Para eles procura-se amenizar os problemas fazendo um trabalho preventivo de surgimento das lesões mais frequentes no esporte que praticam utilizando-se órteses (joelheiras, cintas, palmilhas), material esportivo adequado, fisioterapia (gelo, massagens, duchas), exercícios específicos de compensação (alongamento) e tentativa de diminuir os traumas repetidos (mudança da forma e às vezes do meio físico de realização dos exercícios – treinos em piscina para futebolistas, etc.).

Dessa forma consegue-se diminuir os problemas e prolongar a vida útil do atleta.

E com as pessoas que praticam esporte por lazer?

Bem, o problema aí se complica porque é difícil determinar o que seria excesso. Vários fatores influem, como peso corporal, idade, tipo de esporte, frequência com que é praticado, horário, existência de plano de treinamento, etc.

As lesões surgidas são praticamente as mesmas dos atletas de alto nível. A prevenção e o tratamento também são praticamente os mesmos. A consequência, porém, geralmente é o abandono da atividade esportiva que lhe dava prazer e trazia benefícios para sua saúde.

O que fazer, então, para evitá-las?

Em primeiro lugar é absolutamente necessária avaliação clínica antes do início dos exercícios. É recomendável a orientação e elaboração de plano de treinamento feito por professor de educação física, após avaliação de condicionamento e de composição muscular. Esse plano deverá conter tempo, frequência e carga dos exercícios, além da programação de aquecimento, alongamento e repouso. Periodicamente deve-se fazer nova avaliação e nova programação.

Em resumo, a atividade física é benéfica para a saúde. O excesso ou falta de orientação na sua execução é prejudicial. Esportistas de competição que acabam tendo que se exceder devem prevenir lesões. Esportistas em geral devem procurar não cometer excessos através da programação de suas atividades e avaliações clínicas e de condicionamento físico no início e no desenvolvimento de seu trabalho, além de adequação do esporte que for praticar à sua vontade mas, também, ao seu biotipo.

Finalmente, é importante lembrar que a atividade física é importante para a saúde, prevenindo várias doenças e promovendo uma melhor condição de vida. Em função disso, se um indivíduo que estava praticando algum esporte se lesionar, deve-se estimulá-lo a realizar exercícios que não comprometam a lesão ou o local lesado.

Léo Vilarinho Albuquerque é médico especialista em Medicina Desportiva


Carol Kolyniak Filho

Esporte é saúde. Provavelmente, o leitor já terá lido ou ouvido esta frase, este clichê. Será possível, contudo, afirmar que o esporte está sempre associado à saúde? Para responder a esta questão, cabe levar em consideração alguns fatos conhecidos – visto que são noticiados em jornais e revistas, além de serem objeto de pesquisa científica. 1- Atletas profissionais frequentemente passam por sofrimentos, em consequência de lesões provocadas por acidentes em treinos e competições. 2 - Cargas muito intensas e repetidas de treinamento podem provocar danos irreversíveis à integridade do praticante. 3 - Manifestações de violência são comuns tanto entre atletas como entre espectadores, em competições esportivas – profissionais ou não. 4 - A ocorrência de doping, suborno, manobras para burlar as regras que regem as práticas esportivas e ingerências politiqueiras em clubes, federações e confederações configuram um verdadeiro vale- tudo no esporte regido por interesses econômicos.

Diante desse quadro, pode parecer que o esporte é uma prática social perversa. Entretanto, sabe-se também que muitas pessoas beneficiam-se de práticas esportivas regulares. O valor formativo do esporte bem orientado, para a criança e o adolescente, é reconhecido há muito tempo. Iniciativa, solidariedade, respeito aos limites próprios e dos outros, maior auto-estima, desenvolvimento de habilidades motoras, maior disposição e bem-estar no cotidiano são alguns exemplos do que o esporte bem orientado e adequadamente praticado pode propiciar a crianças, adolescentes e adultos.

Isto posto, podemos dizer que, em vez de afirmar que o esporte é saúde, é mais adequado considerar que o esporte pode ser orientado e praticado de modo a contribuir para a saúde. Para que isto ocorra, é preciso que a prática esportiva seja desenvolvida com base em valores diferentes daqueles que estão na base do modelo que hoje predomina – o modelo do esporte profissional competitivo. Nesse modelo, o importante é vencer, pois a vitória significa dinheiro, prestígio, ascensão social, sendo a auto-estima e as outras relações do atleta afetadas pelo seu desempenho. Sendo assim, a violência contra outros e contra si mesmo (treinamento exagerado, doping e submissão às regras do mercado, como no caso do atleta de futebol que é "vendido" como mercadoria) explica-se pela lógica do resultado, segundo a qual os fins justificam os meios.

O problema que se coloca, na busca de uma prática esportiva mais saudável, voltada para o bem-estar e o desenvolvimento humano, é o seguinte: como superar os valores decorrentes do individualismo, da busca de poder individual e de sucesso, que estão na base da organização social, política e econômica que predomina no mundo atual? Esta questão é crucial, pois o modelo do esporte competitivo transfere-se frequentemente para as práticas informais (como futebol entre amigos ou torneios escolares e universitários), levando a consequências danosas para muitos praticantes.

Por isto, para que o esporte possa ser associado à saúde, é preciso que sua prática seja norteada por uma reflexão ética sobre o que queremos para nós e para outros. Além disto, é necessário que os praticantes tenham conhecimentos ou recebam orientação a respeito de técnicas adequadas – desde vestuário e equipamento – até técnicas de movimento na preparação e na realização dos gestos esportivos. Portanto, reflexão e conhecimento são ingredientes fundamentais para uma prática esportiva saudável.

Prof. Carol Kolyniak Filho é chefe do Departamento de Educação Física e Esportes da PUC-SP


Mário Augelli

A humanidade tem experimentado avanços em todas as áreas do conhecimento, seja social, tecnológico ou nas suas relações com a natureza. Essa evolução ocorre graças à necessidade atávica do homem de conhecer os seus próprios limites e, consequentemente, ultrapassá-los. Tanto no caráter ontogênico da evolução, quanto na sua filosofia.

Nos esportes não tem sido diferente e superar limites estabelecidos pelos recordes ou mesmo vencer uma competição internacional significa ir além dos limites do corpo, que se constitui como único recurso a serviço do atleta. E a partir do momento em que entram em campo o profissionalismo, o espetáculo e o marketing esportivo, que movimenta bilhões de dólares ao ano, o esporte adquire a dimensão de fenômeno social e cultural de âmbito mundial. Esse status quo se perpetua às custas das cifras, prêmios e, especialmente, feitos extraordinários, expressos pelos recordes e vitórias.

As ciências do esporte, as teorias do treinamento e a tecnologia colaboram para transformar os corpos atléticos em máquinas dotadas de habilidades para realizar movimentos cada vez mais velozes, ágeis, fortes e precisos. Mas a ciência tem os seus limites. É preciso intensificar a sobrecarga de trabalho, que chega às raias das cinco horas, em média, de treino diário. E hoje, para cada milésimo de segundo a menos em um recorde, para cada medalha que se almeja, exige-se o acréscimo de incontáveis horas a mais de esforço. Mas isso nem sempre faz a diferença. Frequentemente, quebra-se os limites da ética e adiciona-se ao corpo fontes energéticas escusas, tão proibidas quanto danosas.

Sob essa ótica, pergunta-se: vale a pena? A resposta, a mim, parece óbvia. A glória, a fama, o prestígio e o montante de dinheiro que se oferece ao campeão superam todos os sacrifícios impostos ao corpo, ou até mesmo os efeitos colaterais orgânicos, advindos desses excessos, não só pela ingestão de drogas, mas também pelo abuso na quantidade de exercícios. A esse respeito, um problema grave se coloca: por estarmos vivendo não mais que a segunda geração de superatletas que extrapolam seus limites anátomo-fisiológicos, não temos condições de avaliar os prejuízos físicos subsequentes ao fim da carreira desses atletas, adicionando, portanto, complexidade à discussão sobre os limites do corpo na prática esportiva de alto nível.

Enquanto isso, o que importa é a vitória a "qualquer preço".

Mário Augellié professor de Educação Física e técnico do Sesc-SP

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