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Música
O Samba mandou me chamar

Postado em 01/03/2003

A vida e a obra de grandes sambistas de São Paulo, Rio e Bahia são contadas através de músicas e filmes

No carnaval, entre as famosas ladeiras de Olinda, os trios elétricos de Salvador e o espetáculo de luxo e beleza dos desfiles no Rio, paradigmas por excelência do carnaval brasileiro, o País inteiro cai na folia. Só que, nesse roteiro, é comum retirar São Paulo do mapa. Para alguns, é impossível que na cidade onde a vida corrida respira trabalho, características tão "estressantes" possam conviver com a alegria colorida e relaxada da festa de Momo. Não só pode, como São Paulo é reduto de bom carnaval e do mais genuíno samba, segundo a opinião de quem entende do assunto.
Para o jornalista Geraldo Nunes, um apaixonado pela cadência desse batuque, a explicação para essa relação aparentemente meio acanhada entre a capital paulista, o carnaval e o samba tem ranço histórico com ecos ainda da época da escravidão. "No início do século 20, um pouco depois da abolição, os negros se reuniam em frente à Igreja do Rosário, a mais chique da cidade naqueles tempos", explicou Nunes em sua palestra Carnaval na Terra da Garoa, apresentada no Sesc Carmo no mês passado. "Lá faziam batuques e cordões, mas a elite não queria vê-los circulando por ali. Assim, o samba e o carnaval passaram a não ser bem-vistos na cidade e as autoridades mandaram demolir a igreja, onde fica hoje a Praça Antonio Prado, no Centro." O jornalista prossegue defendendo que, a despeito dessa elite doente do pé - como diz a letra da canção -, o carnaval sobreviveu. "Graças ao paulistano que gosta de samba e tem força e tradição com escolas como Vai-Vai, Nenê de Vila Matilde e Camisa Verde e Branco", conclui Nunes. "São Paulo é o maior pólo difusor do samba no Brasil", complementa Carmo Lima, empresário do Quinteto em Preto e Branco e produtor de shows de sambas. "É aqui que tudo acontece. O circuito cultural paulistano é muito rico. Isso sem contar que temos grandes sambistas em São Paulo, como Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, Osvaldinho da Cuíca e Germano Mathias, só para citar alguns." Ou seja, engana-se quem ainda desmerece São Paulo, dando a ela o título de "túmulo do samba".

Em todo canto, uma festa

A prova maior de que São Paulo não é a última morada desse batuque são as comemorações que acontecem em diversas unidades do Sesc São Paulo durante os dias que antecedem o carnaval, e no próprio festejo. Esse ano, o Sesc Santo André aumentou o quorum da folia paulista. O evento O Samba Mandou me Chamar reuniu a fina flor do samba na unidade, de 13 a 16 de fevereiro, em shows que se dividiam entre o teatro e rodas de samba na piscina. Além dos concertos, havia ainda a apresentação de filmes sobre a vida dos sambistas convidados. "Notamos que sempre houve um namoro entre o cinema brasileiro e o samba, que é o ritmo de maior expressão nacional", conta Flávia Marques, técnica da unidade e uma das idealizadoras do projeto. "Um verso da música Cinema Novo, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, nos serviu de inspiração e representa bem essa idéia: Eu sou o Samba/ A voz do morro rasgou a tela de cinema [...]". Kelly Oliveira, também técnica e a outra responsável por trás do evento, completa: "Procuramos trazer sambistas cujas vidas tinham sido retratadas no cinema ou em documentários. Nomes que, ao mesmo tempo, representassem a história do samba em lugares como São Paulo, que é o maior pólo difusor de samba no País; Bahia, berço dos sambas-de-roda e lugar onde o ritmo nasceu; e Rio de Janeiro, cidade que deu forma ao samba". Carmo Lima, no entanto, retoma sintetizando o objetivo do projeto: "Nós quisemos mesmo é mostrar que o Brasil inteiro respira samba."
Para fazer o caminho de volta na trajetória do samba, estiveram lá Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca e Seu Nenê de Vila Matilde, como "representantes" de São Paulo; Nelson Sargento, do Rio de Janeiro; e Riachão, da Bahia. Com elenco tão ilustre e ritmo tão suingado é preciso contar no que deu essa festa toda? Deu samba, ué!

Roda de Bambas

A história de suas vidas se confunde com a história do próprio samba

NELSON SARGENTO
Filme: Nelson Sargento no Morro da Mangueira, 1997 - Direção de Estevão Ciavatta


Ele praticamente nasceu com a nata do samba, dá até pra dizer que não tinha escapatória para dar no que deu. Morador do morro da Mangueira, conheceu Dona Zica, Cartola, Nelson Cavaquinho ainda pequeno. Nos anos 1950, começou a compor os sambas-enredo da Mangueira. Um de seus sambas, As Quatro Estações do Ano, é considerado por um júri de especialistas como o mais bonito já lançado pela Escola. É dele a célebre frase "O Samba agoniza, mas não morre", que também é título de seu maior sucesso gravado na voz de Beth Carvalho, em 1978. Atualmente, Nelson Sargento além de continuar no samba, também pinta e é escritor.

OSVALDINHO DA CUÍCA

Ele faz o que bem quer com uma cuíca na mão. Daí o nome. Aos 15 anos, começou a fabricar instrumentos de percussão e montou um grupo para tocá-los. Nessa época, havia um bloco de carnaval dos funcionários da feira do Tucuruvi, chamado O Cordão, que estava ameaçando acabar por falta de instrumentos. Foi a deixa que faltava para ele entrar oficialmente no samba. Isso foi em 1957 e um ano depois ele já gravava a trilha Orfeu, o Rei do Carnaval, do filme Orfeu Negro, que levou a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, como melhor filme, e o Oscar de melhor filme estrangeiro. Osvaldinho foi um dos fundadores da Vai-Vai e fez parte do Demônios da Garoa de 1967 a 1999.

RIACHÃO
Filme: Samba Riachão, 2000 - Direção de Jorge Alfredo


Ele é um dos mais genuínos representantes do samba baiano e autor de Cada Macaco no Seu Galho, consagrado nas vozes de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Até os anos 1970, o compositor foi autor de pérolas do samba como Umbigada da Baleia e Morte do Alfaiate. Foi em 1972 que Cada Macaco no Seu Galho caiu nos ouvidos do grande público e depois disso se iniciaram três longas décadas de puro ostracismo para Riachão, apesar do reconhecimento da crítica. Em 2001, gravou um CD em que divide faixas com Dona Ivone Lara e Caetano Veloso. Nesse recente lançamento, todos seus maiores sucessos foram registrados.

GERMANO MATHIAS
Filme: Catedrático do Samba, 1999 - Direção de Noel de Carvalho

Nos anos 1950 e 1960 ele foi para o samba o que hoje o é Zeca Pagodinho. O Brasil inteiro arriscava o passo em seu samba. Em 1967, desde que recebeu o diploma de Bacharel no Samba da Ordem da Palheta Dourada, outorgado pela Escola de Samba X-9 da cidade de Santos (SP), é conhecido como "Catedrático do Samba". Germano Mathias toca samba sincopado, que é um ritmo cuja voz e o acompanhamento em perfeita harmonia têm divisões bem marcadas e uma batida diferenciada. Já foi campeão de venda de discos, faturou com comerciais e "emprestou" sua voz para canções de Zé Keti, Nelson Cavaquinho e Martinho da Vila.


SEU NENÊ
Filme: Seu Nenê, 2001 - Direção de Carlos Cortez

Seu Nenê de Vila Matilde é na verdade Alberto Alves da Silva. Começou tocando samba numa roda que havia no bairro de Vila Matilde, em São Paulo, e em 1948 ajudou a fundar a escola de samba paulistana Nenê de Vila Matilde. Em 1956, a escola foi a campeã dos desfiles pela primeira vez. Dois anos mais tarde levou o segundo título de campeã e, em 1959, tornou-se tricampeã. Depois disso, foi campeã mais oito vezes, a última em 2001. Mesmo aos 81 anos, Seu Nenê não perdeu o gingado e continua um verdadeiro "pé de samba". Em recente entrevista ao Estado de S. Paulo, disse que nunca perdeu um samba e não hesitou nem mesmo quando teve que ir à avenida de muletas.

 


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