Postado em 01/01/1998
José Menezes Neto
Há um encantamento natural das pessoas para com os novos edifícios que a cada dia despontam na cidade, particularmente aqueles que modificam de forma singular a paisagem urbana. Fruto da imaginação, da técnica e da experiência, de alguma forma eles traduzem a nossa paixão de homo faber, a paixão de construir e de fazer o registro de nossa passagem pelo planeta, a quimera ancestral de buscar a eternidade na pedra ou no concreto. Além disso, são belos, e apraz aos olhos contemplá-los em sua provocativa imobilidade, em sua aparente indiferença ao que se passa à sua volta, firmes e seguros em seus alicerces.
Mais que tudo, entretanto, eles nos desafiam pela sua virtua-lidade. Por aquilo que podem vir a ser, além do que já são enquanto estruturas, vigas, lages, cabos tensionados e superfícies espelhadas. Esse é o desafio que todo edifício novo nos coloca. São como caixas de surpresa, provocando expectativas e suscitando o interesse sobre aquilo que, por dentro, vai em breve revelar-se. Muitas vezes, a novidade fica por conta somente da própria arquitetura, nada trazendo em seu bojo que acrescente de inovador à vida do bairro ou da cidade, não ser as linhas do próprio projeto. Em outras, a solução arquitetônica é o prenúncio de algo mais profundo e efetivamente modificador que se agita em seu interior, na forma de promessa ou enigma.
Este é o caso do Sesc Vila Mariana, o novo Centro Cultural e Desportivo recém inaugurado na rua Pelotas. O que vai ser essa nova unidade? O que vai representar? O que poderá ela acrescentar à vida das pessoas, à vida da cidade? O seu segredo de Polichinelo já está revelado a partir da própria denominação – um centro cultural e desportivo – e de suas instalações, de acordo com o detalhado programa que orientou o projeto. Mas isso não diz tudo, e talvez nem de perto toque no essencial – a sua alma. Esta, sim, está ainda por construir. A arquitetura sugere, pode até inspirar, mas é incapaz, por si só, de fazer vibrar corações e mentes que ali dentro vão começar a dar forma a sonhos e esperanças.
E como lhe dar vida? Mais: como lhe dar vida a partir de uma perspectiva socioeducativa? Como ocupar seus espaços, não apenas com espetáculos e realizações sociais, esportivas e culturais, mas com pessoas reais, de carne e osso, com os sonhos dessas pessoas, e fazer com que eles se transformem em algo mais que simples devaneios? Como fazê-las desfrutar e se apropriar dos espaços e das realizações, como agentes e partícipes que são e devem ser, e não apenas como meras convidadas de uma festa? Como fazê-las descobrir a falta que a cultura lhes faz, quando nem mesmo se dão conta de faltas tão mais concretas e urgentes?
Não será difícil para nenhum administrador, com algum recurso e imaginação, atrair, para um local tão privilegiado pela arquitetura e pelas instalações, como é o caso da unidade de Vila Mariana, algumas milhares de pessoas diariamente. Afinal, vê-se todos os dias grandes mobilizações de público para espetáculos variados em toda a cidade. Mas, e daí? Será que isso basta?
Não há uma resposta pronta, nem uma única resposta ao desafio. E será ingenuidade supor que venhamos obtê-la por um passe de mágica. Essa resposta tem de ser construída. Não faltam ao Sesc experiência e muito menos talento para tal, mas não é algo que se faça sozinho ou que possa ser resolvido apenas por uma programação bem feita e bem administrada. A alma desse novo centro cultural e desportivo será uma construção coletiva. Não apenas dos seus responsáveis mais diretos, dos seus técnicos e funcionários, mas do conjunto das pessoas que aqui vierem buscar abrigo para suas expectativas, sonhos e aspirações.
Sabemos que a melhor forma de conseguir boas respostas é fazer boas perguntas, perguntar o tempo todo, duvidar o tempo todo. É o que estamos propondo a nós mesmos e ao nosso público. Pois perguntar é não acomodar-se a uma única solução, por melhor que se apresente neste ou naquele momento. É não comprazer-se com o conforto tranquilizador das coisas conhecidas, mas já incapazes de nos colocar novos desafios. Por isso, a cada passo, a cada dificuldade vencida, é preciso contrapor sempre a questão incômoda, mas necessária: e daí? Isso é tudo o que podemos fazer? Não podemos fazer mais, não podemos fazer melhor? Onde acertamos? Onde erramos? Estou convencido que da criatividade de nossas perguntas e do seu exercício continuado, bem como da sensibilidade que tivermos em ouvir uns aos outros, vai depender a vida que irá animar o novo prédio da rua Pelotas. A arquitetura fez a sua parte. Precisamos fazer a nossa.
José Menezes Neto é gerente do Sesc Vila Mariana