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Os reis da bola

Postado em 01/01/2003


Arte PB

Brasil se orgulha do futebol, mas não investe em outras modalidades

Nos últimos 40 anos, o esporte no Brasil cresceu e conquistou vitórias importantes em competições internacionais. No futebol foram três Copas do Mundo – 70, 94 e 2002 (sem contar as duas primeiras, de 58 e 62) –, mais as vitórias em torneios de clubes. Essa modalidade esportiva firmou-se como a marca número um do país, um verdadeiro símbolo. Sem ela, as notícias do Brasil no Primeiro Mundo praticamente ficariam reduzidas a tragédias resultantes de acidentes naturais, destruição de florestas, matança de índios e chacina de presos. Salvo em países muito pobres, dificilmente haverá um campeonato profissional sem a presença de jogadores brasileiros.

O automobilismo também deu importante contribuição para a imagem do Brasil. Mas nos esportes olímpicos, embora esteja entre as principais economias do mundo, a falta de escola básica em tempo integral e de estímulo oficial à prática de educação física tem feito o país apresentar desempenho simplesmente medíocre.

Na Fórmula 1, a largada aconteceu com Chico Landi em 1951, no Grande Prêmio da Itália. Ele tinha 44 anos e só disputou seis GPs, entre 51 e 56. Na sua esteira, cerca de 20 anos depois, uma extraordinária geração de pilotos – Émerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna – colocaria o Brasil entre os líderes da competição. Senna morreu em trágico acidente na pista, em 1994, aos 34 anos, mas ainda se mantém como o quarto supercampeão da Fórmula 1, atrás de Juan Manuel Fangio, Alain Prost e Michael Schumacher. Tinha grande carisma e arregimentou legiões de fãs em todo o mundo. Para coroar sua luminosa trajetória na Fórmula 1, sua morte determinou uma revisão nos padrões de segurança dos grandes prêmios.

Jogos olímpicos

Nas últimas dez Olimpíadas, o Brasil ganhou 56 medalhas, nove de ouro, 18 de prata e 29 de bronze. Resultado modesto para um país de grande população, predominantemente jovem, embora compreensível diante do nosso modelo social.

O esporte reflete os elevados desníveis entre regiões e indivíduos, característicos do país. Das nove medalhas de ouro brasileiras, quatro vieram do iatismo, um esporte inacessível até mesmo à classe média. Nossos velejadores (nenhum jangadeiro) também enriqueceram o acervo de medalhas de prata e bronze, na companhia dos cavaleiros do hipismo.

Nas Olimpíadas de Moscou (80) e Los Angeles (84), desfalcadas respectivamente de Estados Unidos e União Soviética e de importantes forças olímpicas de países aliados dos dois blocos, o Brasil pouco lucrou. Em Moscou, conseguiu duas medalhas de ouro no iatismo e duas de bronze em atletismo e natação. Na Califórnia, foram oito, uma de ouro no atletismo, com Joaquim Cruz nos 800 metros, cinco de prata e duas de bronze.

O atletismo marcou presença no pódio em oito das dez Olimpíadas desse período, e Joaquim Cruz foi o segundo brasileiro a conquistar medalha de ouro. Antes dele, somente Ademar Ferreira da Silva, por duas vezes, no salto triplo.

Vôlei e basquete

Mais recentemente, o voleibol passou a despertar real interesse no Brasil, depois que a televisão começou a mostrar jogos ao vivo. Antes de Bernard e Renan fazerem a platéia do voleibol engrossar, a seleção brasileira já se impunha na América do Sul e, a partir dos Jogos Pan-Americanos do México de 1955, mostrara capacidade para enfrentar torneios mais difíceis, com a participação de países como México, Estados Unidos e Canadá. Após a inclusão da modalidade nas Olimpíadas, a equipe masculina estreou com um sétimo lugar em Tóquio, em 1964.

Nas competições seguintes, após leve tropeço em 68, no México, com o nono lugar, foi subindo degrau por degrau até a consagração em Barcelona em 1992. Foi a primeira medalha de ouro do Brasil em uma modalidade coletiva nas Olimpíadas.

O esporte conhecido como bola-ao-cesto foi inventado nos Estados Unidos em 1891, no Springfield College, Massachusetts. Cinco anos depois, surgiu o primeiro time de basquete no Brasil, no então Mackenzie College, em São Paulo, por obra do professor norte-americano Augusto Shaw.

Nosso basquete conquistou três medalhas de bronze, nos Jogos Olímpicos de Londres, Roma e Tóquio. A seleção feminina ficou com a de prata na Olimpíada de Atlanta e a de bronze em Sydney. Nas Américas, nossa posição é boa, e a equipe masculina tem a seu crédito uma vitória sobre os Estados Unidos nos Jogos Pan-Americanos, que provocou transformação radical no basquete olímpico, a partir de Barcelona. A vitória brasileira foi manchete de primeira página nos principais diários norte-americanos, inclusive no "Wall Street Journal".

Contrastes e confrontos

O ano de 2002 anunciou-se como um período aziago para o futebol brasileiro. A seleção estava mal posicionada nas eliminatórias da Copa do Mundo e sob ameaça de não se classificar, o que seria vexame maior que o de 1966, na Inglaterra, quando o time bicampeão do mundo foi eliminado por Portugal, logo na primeira fase.

Mas em campo, na Coréia do Sul e no Japão, nossos craques mostraram mais uma vez talento e valentia, tornando-se campeões pela quinta vez. Parecia confirmada a máxima de João Saldanha de que o futebol brasileiro progride apenas dentro do campo.

Esse esporte, importado da Inglaterra por Charles Miller e outros brasileiros, natos ou adotivos, cresceu e tornou-se o melhor do mundo com matéria-prima nacional: atletas, profissionais de apoio e dirigentes, os benquistos ou malquistos cartolas. Na época do amadorismo, imperava o mecenato. Os clubes diluíam os gastos com o futebol no conjunto das despesas. O profissionalismo veio às escondidas, sob mil disfarces. No Rio de Janeiro, por exemplo, os comerciantes vascaínos contratavam os jogadores como se fossem trabalhar em suas empresas.

A televisão surgiu como panacéia, mas a contrapartida custou caro. Os campeonatos tiveram suas regras alteradas continuamente, na tentativa de manter o interesse do torcedor. Resultado: muitas vezes o clube de melhor campanha não vai sequer para a final. O público diminuiu, porque em toda parte a disputa ficou restrita a poucos clubes, os mais populares.

E a televisão, ao usurpar o poder de fixar o horário dos jogos, levando em conta a manutenção do índice de audiência de outras atrações, jogou o futebol para muito cedo do dia ou muito tarde à noite. Nos dois casos, um sacrifício para atletas e torcedores.

Esporte e saúde

Nos últimos 40 anos, novas atividades esportivas incorporaram-se à rotina do brasileiro. Ao lado da ampliação da prática de esportes sobre rodas, cresceu igualmente a difusão de opções em que a força e a destreza do atleta são tão ou mais importantes que a qualidade e sofisticação do equipamento. É o caso do surfe e do alpinismo, por exemplo, e de diversas formas de patim, como o skate. O tênis e suas derivações também se popularizaram, e o surgimento de um Gustavo Kuerten tende a impulsioná-los ainda mais.

Ao lado da inclinação natural da criança pelo esporte, a mudança nos hábitos colocou sua prática no centro das preocupações com a saúde. A vida sedentária, a má alimentação e o apego excessivo ao automóvel tiveram conseqüências negativas para a saúde. "Faça esporte", "corra", "exercite-se", passaram a gritar em coro médicos e outros profissionais.

Surgiram também os equipamentos mais variados e academias de ginástica, escolinhas, clínicas de esportes. Nesse âmbito, a iniciativa privada ganhou de goleada do Estado. Enquanto os particulares multiplicaram ações, minguaram os espaços e equipamentos públicos. Da classe média para cima, ninguém poderá se queixar. Mas o chamado andar de baixo ficará mais longe do esporte. A exceção é o trabalho exemplar de entidades como o Sesc, que oferece inúmeras oportunidades de prática esportiva a comerciários e dependentes.

Ao ser divulgadas, as iniciativas destinadas a levar o esporte aos jovens pobres, seja por alguns promotores ou pela mídia, em certos casos são anunciadas de maneira preconceituosa, como um remédio contra as drogas. Até parece que o esporte, por si mesmo, é uma coisa monótona, incapaz de despertar interesse. Em suma, simples remédio. No caso da mídia, esse tratamento está em contradição com a sua conduta empresarial, porque custa caro fazer a cobertura de eventos esportivos, mesmo excluindo o custo dos direitos de transmissão de espetáculos importantes. Como se diz na linguagem futebolística, o correto seria baixar a bola: a iniciativa privada incluir o esporte entre os alvos de investimento, como negócio promissor, tal qual acontece nos países desenvolvidos e no Brasil em pequena escala, e o governo encará-lo como algo tão significativo para a vida do cidadão quanto saneamento básico e educação.

 

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