Postado em 01/01/2003
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Mídia eletrônica dominou o país e resiste a quaisquer controles
MILU LEITE
Falar de televisão é como falar de política, futebol e religião. Ao dar sua opinião, haverá sempre certa dose de paixão sobre o tema. Aos 52 anos de existência, a TV é a todo-poderosa dentre os meios de comunicação de massa. E o que se pode dizer acerca dos seus últimos 40 anos é que não há nada como ela. Nenhum outro instrumento tecnológico criado pelo homem desperta tanta atenção, é tão adorado e odiado, movimenta tanto dinheiro. Não é à toa que o espaço dela na imprensa vem aumentando dia a dia. O jornalismo impresso ainda procura entender o que fazer com a televisão.
Falar contra ou a favor da TV é ter de levar em conta a difusão de informação e a formação da cultura, o que significa colocar na balança coisas tão díspares quanto a notícia de uma guerra, a transmissão da Copa do Mundo ou o novo bordão de algum personagem de telenovela. Não esquecendo, obviamente, da publicidade e dos telespectadores.
Segundo o "Anuário Estatístico do Brasil" de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no país 37,5 milhões de casas com aparelhos de TV. Se considerarmos um universo de 3,7 pessoas para cada casa, chegaremos ao assombroso total de 140 milhões de telespectadores. Entre estes, um assombro ainda maior: 2 milhões têm televisão mas não possuem geladeira.
O brasileiro vê em média quatro horas de TV por dia. As crianças de 6 a 11 anos, até 33 horas por semana. Os presos a utilizam como moeda de troca na cadeia. É o bem mais valioso de muita gente.
Quando chegou ao país, em 1950, a TV não era nada. Ou melhor, era um objeto curioso, grande e pesado, que só os mais abastados possuíam. A criação da pioneira TV Tupi, entretanto, já deixava claro um componente fundamental: o que movimenta a TV é a propaganda. Basta notar que quem estava por trás dos primeiros investimentos televisivos eram Antarctica, Moinhos Santista e Laminação Pignatari. Obviamente, a propaganda também engatinhava por aqui. Nas décadas de 50 e 60, estávamos a anos-luz da publicidade ultra-sofisticada e do merchandising descarado de agora.
Desde sua modesta implantação (a transmissão em circuito fechado de um show para o fundador da Tupi, o empresário Assis Chateaubriand, no dia 18 de setembro) até o ano de 1962, os programas apresentados, sempre ao vivo, foram sendo burilados. "É fazendo que se aprende" é uma boa frase para definir o espírito dos que se lançavam aos primórdios da TV, como Chacrinha e Silvio Santos.
No decorrer dos anos, mais pessoas passaram a assistir TV, os aparelhos tornaram-se mais acessíveis, mas ela ainda não era popular. O primeiro passo nessa direção foi dado em 1962 com a chegada do videoteipe, que possibilitou a estréia, um ano depois, da primeira telenovela brasileira: "2-5499 Ocupado", exibida na extinta TV Excelsior. O par romântico? Tarcísio Meira e Glória Menezes.
Dizer que nascia aí o maior produto da televisão brasileira é chover no molhado. Mas frisar que, ao lado dos programas de auditório, as novelas nunca mais saíram do ar é, talvez, a questão mais importante a ser levada em conta numa análise sobre a história da TV. Afinal de contas, todo o resto depende disso.
E dizer "todo o resto" é voltar à tão famigerada balança que pesa entretenimento de um lado e informação do outro, lembrando sempre que a propaganda está presente em ambos os pratos – o que quer dizer muitas coisas.
A primeira delas é que a frase do veterano ator Paulo Autran "A TV é do patrocinador" é cruelmente verdadeira (ainda que passível de discussão sob o ponto de vista da ética). A segunda é que, admitindo que o patrocinador é mesmo o chefe, quem é que ele está visando atingir com seus programas?
Uma breve consulta às estatísticas ajuda a esclarecer alguns pontos. Vejamos: segundo dados publicados pelo jornal "O Estado de S. Paulo" e recolhidos pelo livro A Vida com a TV, organizado por Luiz Costa Pereira Junior (Editora Senac SP), 15% do público televisivo compra 65% de tudo o que é anunciado na tela (números de 1999). Isso certamente explica por que metade de toda a verba gasta em publicidade é voltada para a televisão. Trata-se de dados mundiais, e, se há exceções, o Brasil não é uma delas com toda a certeza.
Não bastasse esse fato, as agências de publicidade ainda se deleitam com as animadoras projeções de crescimento do setor. A venda de aparelhos vem aumentando gradualmente desde o boom registrado entre 1987 e 92, quando mais de 500 milhões de TVs foram vendidos no planeta. Existem hoje mais de 1 bilhão de televisores espalhados por aí.
Cifras altíssimas (30 segundos no intervalo do "Faustão", por exemplo, custam R$ 60 mil, e o merchandising chega a R$ 137 mil) e audiência garantida (uma telenovela de sucesso pode alcançar 40 milhões de telespectadores) fazem da publicidade o combustível da televisão.
Mas e os programas, que papel eles têm na TV, afinal de contas? Desnecessário dizer que, com tamanha visibilidade, tudo o que a TV mostra gera ação e reação. Algumas delas produtivas, outras nem tanto.
A novela do momento passou a discutir o problema das drogas? As clínicas de recuperação de viciados já notam um aumento na procura por seus serviços. A moça do comercial diz, toda engraçadinha: "A gente se vejamos por aí"? Todo mundo passa a falar assim também, incluindo os professores de português.
Os modismos ditados pela TV atingem todas as classes. Há programas para qualquer tipo de público, garantindo essa democratização. Para o bem e para o mal.
Aquele excelente compositor que não consegue emplacar uma única música nas rádios pode virar um astro se sua canção embalar um caso de amor na minissérie da Globo. O mesmo pode acontecer com uma peça de teatro, um livro, uma pintura, ou até mesmo uma idéia, desde que empacotada num bom slogan.
A menção à Globo, embora tardia, é obrigatória. Não se pode falar dos últimos 40 anos de TV sem analisar a importância da emissora nos avanços e recuos da programação. O famoso "padrão Globo de qualidade" é o paradigma da TV nacional.
Em 1970, quando reinava isolada na liderança da audiência, a televisão de Roberto Marinho conseguiu alcançar um padrão tecnológico muito distante do atingido por outras tevês. Foram anos de hegemonia (facilitada por uma relação amistosa com governos militares), naturalmente traduzida no fortalecimento financeiro e social da emissora.
Somente em meados da década de 80 é que a Globo passou a sentir "a ameaça" da concorrência. Com forte apelo popular, os programas do SBT, emissora de Silvio Santos, começaram a incomodar a soberania da rede, e isso desencadeou uma batalha sem precedentes pela audiência e uma piora na qualidade da programação. Obviamente, não se deve culpar Silvio Santos pelo ocorrido. A questão é mais complicada, e a simples quebra da hegemonia de uma rede de TV já é coisa a ser comemorada.
Paralelamente, a TV a cabo e por satélite dava seus primeiros passos no Brasil. Festejada como a grande solução para ampliar as opções televisivas e, desse modo, melhorar a qualidade da programação da TV aberta, a televisão por assinatura não desempenhou seu papel como se esperava. Lutando com índices de adesão muito baixos (apenas 7% das casas com aparelhos de TV têm também a TV por assinatura, o menor número da América do Sul), ela sobrevive aos trancos e barrancos.
As razões para o fracasso são incansavelmente debatidas e as que aparecem com mais freqüência nas discussões são a falta de cabeamento nas cidades, o alto preço, o público não formatado para esse tipo de TV e a programação. Ainda assim, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) acredita que o volume de assinaturas deve crescer, acompanhando o incremento no número de concessões dos últimos anos.
Entretanto, nem a estatística mais otimista prevê um abalo na audiência da TV aberta. Assim, as novelas se sucedem, as cotas de patrocínio de programas esportivos continuam sendo vendidas a preço de ouro (em 2000, por exemplo, a Fórmula 1 custou US$ 11 milhões à Globo, que vendeu cinco cotas de patrocínio por US$ 8 milhões cada), os telejornais prosseguem com informações em tempo real e a exibição de guerras espetaculares, os programas dominicais insistem em baixarias para não perder público. A televisão por sinal aberto ainda reina soberana, mas vislumbra um fantasma: a TV digital.
Agora que o governo se decidiu pela implantação de um modelo digital aberto, de modo a estender os sinais de transmissão por fibra óptica a todos os que possuírem o equipamento adequado, a TV vai sofrer uma nova revolução. Certamente, voltaremos às velhas discussões a respeito da melhoria da qualidade e um acesso mais democrático à produção televisiva. Afinal, a digitalização de sinais aumenta enormemente as possibilidades de ampliação da quantidade de canais e a chance de segmentação da programação.
E infelizmente retornaremos também à tal frase: "A TV é do patrocinador". A nós, telespectadores, cabe o dever de pressioná-lo e de cobrar dos donos de emissoras mais responsabilidade pelo que exibem.
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