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Perspectivas da economia brasileira

Postado em 01/05/2002

 


Affonso Celso Pastore/
Foto: Gabriel Cabral

"O país vai crescer se tiver juízo e investir em educação"

Em palestra pronunciada no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo no dia 14 de março de 2002, o professor Affonso Celso Pastore discorreu sobre o estado atual da economia brasileira e as perspectivas para o futuro.

AFFONSO CELSO PASTORE – Vou tratar de um tema relativamente amplo a respeito da economia brasileira. Depois de um período extenso de inflações altas, tivemos nos últimos anos uma estabilidade de preços. Este governo está chegando ao fim, será substituído por outro, e este é o momento de fazer um balanço sobre o que se conseguiu, o que é preciso conquistar daqui para a frente, e em torno disso discutir o estado atual da economia brasileira e o que podemos esperar no futuro.

O que obtivemos nos últimos anos? A primeira coisa foi uma mudança muito importante na política fiscal e na geração de superávits primários. Durante muitos anos houve déficits fiscais relativamente amplos, em grande parte financiados por emissão de moeda, que geraram inflação alta e conduziram o país à beira da hiperinflação. Nos anos mais recentes, principalmente depois de 1998, após o ataque especulativo que conduziu o Brasil à flutuação cambial, produzimos superávits fiscais estáveis, de magnitude suficiente para estabilizar a relação dívida-PIB, e obtivemos algum progresso no estabelecimento de regras fiscais que garantem ou que balizam a obtenção contínua desses superávits. São as regras embutidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou sanções importantes, impondo disciplina a estados, municípios e administradores públicos federais. Houve também um período no qual se liquidaram bancos estatais que eram fontes de acesso à impressão de moeda e ao crescimento de déficits. Empresas pertencentes a estados altamente endividados foram colocadas como garantia ao governo federal na renegociação da dívida estadual. Em grande parte, elas foram privatizadas, como as federais, e conseguiu-se um superávit primário. Entretanto, foi um superávit que cresceu fundamentalmente graças ao aumento da arrecadação.

A segunda coisa que obtivemos foi a mudança do regime cambial em 1998, quando passamos a ajustar a conta corrente no Brasil. Tínhamos déficits crescentes, de até 5% do PIB, que não eram sustentáveis. Eles ainda estão altos hoje, por volta de 4 e alguma coisa por cento do PIB, mas há uma melhora nos saldos comerciais.

Em terceiro lugar, ocorreu um progresso grande no combate à inflação e na execução da política monetária. Na fase anterior, de 1994/98, a estabilidade foi gerada pela âncora cambial, num regime de câmbio com crawling peg, que produziu vários custos para o país, entre os quais a sobrevalorização da taxa, o que trouxe déficits elevados nas contas correntes. Mas depois disso, com o regime de metas inflacionárias, logrou-se o sucesso da flutuação cambial e simultaneamente o controle da inflação.

Foi um progresso extremamente importante, mas é evidente que ainda há uma agenda a cumprir. Vejamos alguns pontos a serem alcançados. O primeiro é o aperfeiçoamento das regras fiscais. Um conjunto delas já foi institucionalizado na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas ainda há muitos avanços a fazer no controle das contas públicas.

O segundo é a melhoria da qualidade dos gastos públicos. Se há uma carga tributária de 34% do PIB, há uma despesa pública de 34% do PIB. Se verificamos a qualidade dessa despesa, quanto se aplica em capital humano, em saúde e educação, coisas necessárias para gerar a capacidade de crescimento econômico de longo prazo, descobrimos que ainda é preciso cortar custos para abrir espaço para que outros gastos possam ser feitos.

Terceiro: o crescimento da receita tributária se baseou em novos impostos, que têm efeito cascata e vários defeitos, pois criam distorções e produzem uma série de custos e um viés anticomércio internacional. Eles penalizam exportações e importações, fecham a economia com relação ao setor externo e, portanto, limitam nossa capacidade de crescer.

Há também o problema da independência do Banco Central, que é um ponto que tem sido mal compreendido em toda a discussão e é um avanço que o país vai ter de fazer.

Finalmente, há muito a se perseguir ainda no aumento das exportações, com uma participação do comércio internacional no PIB maior do que a atual. Um país que tem uma participação das importações ou das exportações no PIB da ordem de 20% a 30%, como é o caso da Coréia do Sul e do México, consegue enfrentar dificuldades de conta corrente ou de balanço de pagamentos com pequenas desvalorizações cambiais, obtendo grandes reversões. Nações com economias muito fechadas, como é nosso caso, com exportação inferior a 8% do PIB, requerem volatilidade e pressões muito maiores de taxa de câmbio para produzir mudanças no déficit da conta corrente.

Para motivar um pouco a discussão quero analisar uma questão freqüente no debate sobre a retomada do desenvolvimento. Um dos defeitos de todas essas mudanças é que o país persiste numa taxa de crescimento econômico muito baixa. Um dos argumentos que se levantam é perene: taxa de crescimento reduzida significa alguma limitação, e essa limitação em grande parte tem sido produzida pela alta taxa real de juros no país. É verdade que o crescimento não se resume simplesmente a baixar a taxa de juros de uma maneira discricionária.

Tenho o privilégio de lecionar na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde posso discutir com bons economistas a teoria do crescimento. Alguns deles, como Pedro Cavalcanti e Samuel Pessoa, me ensinam coisas importantes. Por exemplo, há nações que têm renda per capita mais alta e crescem mais, e outras com renda mais baixa e que crescem menos. Estudos sobre as razões para essas diferenças entre países revelam que uma parte deriva da taxa de investimento. Nações que investem mais tendem a crescer um pouco mais depressa e a ter níveis de renda per capita um pouco mais altos. Mas isso talvez explique apenas um terço da diferença entre as taxas de crescimento e os níveis de renda per capita. O grosso das diferenças é demonstrado por outra variável, chamada produtividade total dos fatores de produção.

Essa variável engloba, entre outros itens, o estoque de capital humano que existe e o progresso tecnológico embutido no capital fixo. Há países com taxas de investimento altas que crescem pouco porque têm um estoque de capital humano pequeno, pois aplicaram pouco em educação. Ou têm uma baixa taxa de progresso tecnológico. O grosso das diferenças, portanto, é explicado pelo progresso tecnológico e pelo capital humano.

O Brasil tem investido muito pouco em progresso tecnológico, capital humano e eliminação de distorções e de fricções que impedem o livre ajuste da alocação de recursos, que no fundo produziria mais eficiência para a economia. Mas de qualquer forma a taxa real de juros é um dos indutores do crescimento, e a esse respeito há uma simplificação que diz o seguinte: baixando a taxa real de juros o país cresce. Inclusive existe esta discussão: a taxa de juros é alta porque o risco país é alto, ou o risco Brasil é alto porque a taxa de juros é alta? Esse é um tipo de debate que se tem ouvido com freqüência e que vai se acentuar no curso da campanha eleitoral.

O que causa o quê? O risco país causa taxa alta de juros ou a taxa alta de juros causa o risco país? Penso que é conveniente olhar um pouquinho para as origens das variações de risco no passado. Há várias razões para flutuações nas taxas. São duas as medidas de risco país. Uma é baseada em um título fortemente negociado no exterior, que é o C-bond, um Brady bond da antiga dívida pública brasileira. A outra é um índice construído pelo banco J. P. Morgan, que é chamado EMBI (Emerging Markets Bond Index), que é a média ponderada de todos os títulos do país negociados no exterior. O primeiro fato que aparece claramente é que, quando há uma crise internacional que produz contágio dentro do país, o risco tem saltos. Por exemplo, em 1994/95 tivemos a crise do México e o risco Brasil subiu para níveis entre 1,2 mil e 1,6 mil pontos. Depois isso foi sendo absorvido e declinou. Na crise do sudeste asiático estávamos com 370 pontos base de taxa de juros, ou seja, para um título do Tesouro norte-americano pagando 6% o Brasil pagava 9,7% de juros. Subimos em curto período de tempo para 800 pontos base, mas houve um rápido declínio, voltando para 500. A crise russa jogou tudo de novo lá para cima, entre 1,2 mil e 1,5 mil pontos base.

Esses fenômenos não afetam somente o Brasil, mas todos os países. Vejamos o risco Argentina, medido pelo spread de um título Brady deles, que é o par bond, o risco do México, medido pelo discount bond, o EMBI para todos os mercados emergentes, feito pelo J. P. Morgan, e o C-bond do Brasil. Quando aconteceu a crise do sudeste asiático, o risco de todos esses países subiu ao mesmo tempo. Com a crise russa, isso ocorreu novamente. Alguns cresceram mais do que outros, mas todos mantêm uma correlação positiva extremamente forte. Esse é um fenômeno da globalização, do qual não há escapatória. Só há uma maneira de se livrar parcialmente, não totalmente, desse tipo de contágio. É ser menos dependente na captação de recursos externos. Para isso é preciso ter fundamentos mais sólidos.

Vejamos agora a taxa de juros. No Brasil, a taxa Selic, que começou em 15,75%, ficou em 19% ao ano por um período extenso e voltou para 18,75% na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Essa é uma entre as várias taxas de juros que existem na economia brasileira. Ela não é nem a mais nem a menos importante, é simplesmente uma delas. Outra taxa é a de juros de 360 dias. É utilizada pelos bancos para empréstimos ao consumidor, financiamento em prestações por um ou dois anos, etc. O banco não financia uma venda de automóveis em 24 prestações iguais tomando dinheiro no mercado Selic, que é o mercado por um dia. É uma taxa muito mais relevante do que a Selic para determinar se a atividade econômica cresce ou encolhe.

Analisando os dados relativos ao ano de 2001, verificamos que, enquanto a Selic cresce de forma relativamente moderada, há uma escalada muito grande das taxas de 360 dias. Entre julho e outubro do ano passado, por exemplo, enquanto a Selic estava em 19%, a média das taxas de 360 dias era de 25%, 600 pontos base acima da Selic. Portanto, o custo do crédito ao consumidor estava muito mais alto do que o da taxa Selic.

O que explica essas flutuações? Quando o mercado percebe riscos – desvalorização cambial ou subida adicional dos juros –, ele arbitra essa diferença e a embute na taxa de juros. Para comprovar isso, basta superpor o spread do C-bond, que é o risco Brasil, à taxa de juros de 360 dias. Verifica-se assim que, quando cresce o risco Brasil, aumenta o juro de 360 dias. Cresceu o risco Brasil quando o governo levantou a taxa Selic. Cresceu a taxa de 360 dias quando houve um choque na taxa de juros.

O choque do risco não vai só para taxas de juros mais longas, mas também para o câmbio. Quando experimentamos superpor o risco Brasil medido pelo C-bond à taxa de câmbio dia-a-dia, constatamos um paralelismo entre as duas linhas. Isso, porém, não é absoluto, eu não digo que o câmbio dependa estritamente do risco Brasil. Há momentos em que acontecem desvios entre as duas séries.

Se pudermos tirar uma lição dessas variáveis, a mais importante é que não é nem a alta taxa de juros que eleva o risco Brasil nem este que aumenta a taxa de juros. Ambos são conseqüência de outro conjunto de variáveis ligadas aos fundamentos econômicos do país. Vejamos o exemplo da crise argentina. Ela teria, por todas as razões, de produzir um efeito mais devastador sobre os mercados emergentes do que a crise russa. A Rússia tem uma economia menor, com menos títulos no mercado internacional, conseqüentemente seu contágio deveria ter sido menor do que o da Argentina. O contágio argentino foi menor do que o russo, só que foi maior sobre o Brasil e praticamente nulo sobre o México e o Chile, países que sofreram o contágio da crise da Rússia e do sudeste asiático mas não o da Argentina. Isso ocorreu porque o México, a partir de 1995, quando teve sua crise, fez um acordo com o Nafta (North Atlantic Free Trade Agreement) e ligou-se à economia norte-americana. Enquanto o Brasil hoje exporta 8% de seu PIB, o México exporta mais de 30%. Mais de 80% das exportações mexicanas vão para os Estados Unidos e mais de 80% das importações vêm de lá. O México hoje tem uma política fiscal ajustada, não tem títulos públicos em taxa Selic. Portanto, quando seu Banco Central mexe na taxa de juros, não produz uma subida na relação dívida-PIB na escala que existe na economia brasileira. Essas são apenas algumas diferenças que fizeram com que o México sofresse um contágio muito menor.

O Chile, por sua vez, tem uma tradição de austeridade fiscal, de controle monetário, de independência de Banco Central e de avanço dos fundamentos econômicos muito melhor do que a brasileira. Por isso o efeito da crise argentina sobre esse país foi menor. O Brasil ainda tem déficits elevados na conta corrente e, embora tenha progredido na área fiscal, ainda sofre os efeitos de desvalorizações cambiais e de puxadas das taxas de juros.

Vejamos as condições da economia brasileira. Em vez de festejar o que obtivemos, vamos analisar o que ainda é preciso alcançar. Um bom indicador é a relação dívida-PIB. Ela era de 30% do PIB em 1994, e hoje chega a 50%. Estamos falando da dívida pública consolidada, que é do governo federal mais a dos estados e municípios, mais a das estatais sob responsabilidade da União, deduzindo-se os ativos do país. O único ativo deduzido que é relevante são as reservas internacionais líquidas.

Recentemente foram publicados alguns dados fiscais que mostram que em janeiro tivemos um recorde de arrecadação tributária, que se manteve em fevereiro e simultaneamente a relação dívida-PIB chegou a 55%, que é o valor mais alto da história. Como é possível alcançar um recorde de arrecadação e ao mesmo tempo a relação dívida-PIB subir para 55%?

Antes de responder a essa pergunta, vamos voltar para um pouco antes do início dessa subida, entre 1999 e a metade do ano 2000 quando a relação dívida-PIB estabilizou-se em torno de 50% do PIB. Com esse nível, se houver uma taxa real de juros de 10% ao ano e um índice de crescimento econômico de 3% ao ano, a diferença é o que se adiciona à dívida real. Se o PIB cresce 3%, a dívida real pode aumentar 3% ao ano porque a relação dívida-PIB fica estável. Se a taxa de juros real chega a 10%, está adicionando 10% da dívida ao serviço da dívida, que é capitalizado. Dez menos três dá sete, que é capitalizado na dívida. E 7% de 50% dá 3,5% do PIB. Se gerarmos um superávit primário de 3,5% do PIB, não capitalizamos aqueles 3,5% em dívida e, portanto, a relação dívida-PIB não sobe.

Nós fizemos esse ajuste. O superávit primário total está acima de 3,5%. Ele começou a crescer em 1999, logo depois da desvalorização, e está em torno de 3,7% do PIB. O superávit primário do governo federal está em torno de 2%. As estatais estão gerando um superávit primário da ordem de 1% e os governos estaduais e municipais 1%. Esse é o resultado do grande progresso que foi feito no Brasil, que permitiu estabilizar a relação dívida-PIB.

Mas houve uma segunda razão. Falei em taxa real de juros de 10%. De fato, de 1999 para cá, a taxa real de juros tem oscilado perto de 10%. Até 1998 girava em torno de 22% ao ano. Entre 1994 e 98, o regime cambial no Brasil era completamente diferente do que passou a existir de 1999 em diante. Quando se tem um regime de crawling peg como existia no Brasil, que fixa a taxa real de câmbio, qualquer choque externo obriga o governo a subir a taxa real de juros para evitar seus efeitos. Foram essas subidas que assistimos. Na seqüência da crise mexicana, a taxa de juros chegou a mais de 35% ao ano. Após a do sudeste asiático, ela foi além de 30%. Depois da crise russa, foi para perto de 40%, e a média do período é 22% ao ano. O crescimento do país foi de 2% ao ano nesse período, 22 menos 2 temos 20%. Com 20% de 50%, que era o valor da relação dívida-PIB, precisaríamos de um superávit primário de 10% do PIB para estabilizar aquela relação. No regime cambial que exigia essa taxa de juros não havia superávit primário que pudesse estabilizar a relação dívida-PIB no Brasil. O país caminhava celeremente para a insolvência externa.

O problema começou a ser resolvido quando mudou o regime cambial. A nova regra fez com que os choques externos fossem em grande parte absorvidos na taxa de câmbio e não na de juros.

Hoje há uma relação dívida-PIB que tende a ser estável com juros de 10% e crescimento de 3%. Com o passar do tempo e o aprofundamento das reformas, o mais provável é que os juros caiam e esse crescimento vá de 3% para cima. Vamos supor um crescimento econômico de 4% ao ano, que considero factível. E uma taxa de juros real de 8%, que ainda é alta. A diferença da taxa de juros real para a taxa de crescimento econômico é 4%, com uma relação dívida-PIB de 50%, e precisaríamos de um superávit primário de 2%. Se se mantiver o superávit primário em 3%, a relação dívida-PIB cairá ao longo do tempo e o país resolverá a insolvência.

No entanto, nos últimos meses a relação dívida-PIB aumentou. Há duas razões para isso. Primeira: 30% da dívida líquida é em dólares, e a depreciação cambial produz seu crescimento. Em segundo lugar, existem esqueletos. Estive fazendo um estudo a respeito de quantos deles já foram revelados ao longo destes anos. O dado mais recente que me ocorre é de que foram descobertos aproximadamente US$ 90 bilhões em esqueletos, valor que passou a fazer parte integrante da dívida pública. Antigamente eles eram dívida pública, só que não estavam contabilizados. Só o Proes, que é o programa de saneamento dos bancos estaduais, somou R$ 21 bilhões. Isso é mais ou menos o custo do Banespa, que compreende o grosso dos bancos estaduais. Só do fundo de compensação de variações salariais, um reconhecimento parcial de dívida, não a totalidade, representou outros R$ 20 bilhões. No ano 2000 apareceram R$ 30 bilhões. Neste ano, num acordo com o Fundo Monetário Internacional, o Brasil fez uma avaliação e incorporou à dívida pública R$ 10,5 bilhões em esqueletos, dos quais R$ 2,5 bilhões deveriam entrar no primeiro trimestre do ano. Em janeiro ingressaram R$ 8,3 bilhões, com aquela capitalização do fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. A pergunta é se essa conta estava incluída nos R$ 10,5 bilhões. Resposta: não estava, portanto, foi uma surpresa. Os R$ 10,5 bilhões passaram para R$ 18,8 bilhões.

Aqui cabem duas perguntas. Primeira: se a taxa de câmbio não parar de crescer, será que vamos ter uma explosão na relação dívida-PIB? Se aparecerem todos os esqueletos do mundo, o que vamos fazer? Cada vez que surge um deles, o governo é obrigado a dimensionar o superávit primário. A passagem desse superávit de 3% para 3,5% e depois para 3,7% deve-se aos esqueletos. Isso é inescapável. Se o governo continuar trabalhando dessa forma, a relação dívida-PIB não vai explodir. Só que a pressão sobre o déficit público, que é muito grande, terá de ser resolvida de alguma maneira. Portanto, o espaço para baixar a arrecadação tributária vai ser pequeno.

Além disso, há a taxa de câmbio, sempre se depreciando. Vamos lembrar que há duas taxas de câmbio, a nominal e a real. A real é um preço relativo, que pode variar para cima ou para baixo, bastante, mas encontra seu equilíbrio. O equilíbrio da taxa real de câmbio está naquele ponto em que tivermos um déficit na conta corrente que possa ser financiado com fluxo de investimento direto. Daí para a frente não há motivo para a taxa de câmbio real se depreciar mais. Se ela não se deprecia mais, a única razão para a taxa nominal se depreciar é se todos os preços crescerem ao mesmo tempo, o que implica deixar a inflação subir. Se tivermos um regime de metas inflacionárias e um Banco Central independente cuidando da estabilidade de preços, não haverá o risco de a taxa de câmbio nominal crescer sempre. Eu diria que ela não é problema, desde que haja seriedade no combate à inflação. Quanto aos esqueletos, o governo atual não tem culpa pelas dívidas de administrações passadas. Só que Fernando Henrique Cardoso precisa reagir à explicitação dessa dívida, calibrando o superávit primário para evitar um crescimento contínuo da relação dívida-PIB.

Mudando o foco, vamos para o outro lado da questão, que é o déficit na conta corrente. Quando se deprecia o câmbio real a conta corrente melhora. Quando ele se valoriza, cresce o déficit. A depreciação do câmbio reduz importações, aumenta exportações, diminui as viagens internacionais, produz efeitos que no fundo ajustam a conta corrente. O mais importante é que, quando valorizamos o câmbio, geramos déficits nas contas correntes que foram crescentes e tiveram de ser financiados de alguma forma. Uma parte relativamente pequena foi financiada com venda de ativos, com privatizações que trouxeram dólares para o país. Outra parte foi financiada por empréstimo externo, do setor privado ou público. E os empréstimos externos fizeram crescer a conta de juros sobre a dívida. Ela estava em torno de US$ 8 bilhões e hoje está perto de US$ 16 bilhões. Antigamente se conseguia ir para um déficit na conta corrente de 2% do PIB com superávit comercial relativamente mais baixo do que hoje, porque atualmente existe uma conta de juros sobre a dívida externa muito maior. Isso mostra também que o país tem de fazer um esforço ainda muito grande para ajustar a conta corrente.

Uma parte desse esforço pode ser feita pela depreciação cambial. Mas não totalmente. Quando se reduz a absorção interna relativamente ao produto, gera-se diminuição relativa de importações e aumento de exportações. Essa é uma das razões pelas quais o esforço fiscal tem de continuar, em duas dimensões. Primeiro, manter superávits primários altos para reduzir a absorção, para ajudar a depreciação cambial a produzir o ajuste na conta corrente. Em segundo lugar, para fazer aquilo que é necessário, uma reforma tributária que permita tirar principalmente aqueles impostos que geram distorções contra o comércio internacional, que são todos em cascata.

Se entrarmos na linha da reforma tributária para eliminar os impostos em cascata, teremos uma redução da arrecadação, e essa redução ou se viabiliza com cortes de gastos onde for possível ou se ataca pelo lado da previdência. Não mais o da previdência do setor privado, cuja escala ficou menor. O déficit do INSS hoje é de 1,5% do PIB, enquanto o da previdência pública chega a quase 6% do PIB. Se o governo atacar a questão e gerar uma arrecadação adicional da previdência de 4% do PIB, pode reduzir a carga tributária no mesmo nível, eliminando exatamente os impostos que distorcem. Mas é preciso ter um peito político absolutamente gigantesco para dar esse passo. O país está sendo empurrado para tomar uma decisão, e as pessoas deverão ter coragem para enfrentar o problema de alguma forma.

Mas há melhoras no quadro da conta corrente. O Brasil, aliás, nunca teve um problema crônico de déficit em contas correntes. Temos um problema adquirido de déficit. Até 1994, quando aconteceu aquela valorização da taxa de câmbio, a conta corrente estava em equilíbrio. Tínhamos um gasto de juros de viagens internacionais, de dividendos, etc. que somava US$ 12 bilhões e um superávit comercial de US$ 12 bilhões, um pagava o outro. Em 1994 baixamos os saldos comerciais, começamos a adquirir dívida externa, a conta de juros subiu, chegamos a um déficit nas contas correntes em 1998, no limiar do ataque especulativo que jogou o Brasil para a flutuação cambial, de 5% do PIB. Atingiu US$ 30 bilhões. Naquele momento pudemos financiá-lo com o ingresso de investimentos diretos, em grande parte oriundos das privatizações e parcialmente do capital de portfólio e de empréstimos. Recentemente baixamos esse déficit para US$ 22 bilhões, mas isso ainda representa 4,2% do PIB. Nas atuais circunstâncias do mercado internacional, esse índice deveria ficar entre 2,5% e 3% do PIB. Não é uma redução gigantesca, mas importante. Houve superávits recentes, mas nos últimos meses uma ligeira reversão da atividade econômica, para cima, começou a provocar de novo o crescimento das importações e novamente um certo encolhimento dos saldos comerciais. Isso indica que ainda vamos enfrentar pressões para fazer o câmbio real encontrar gradativamente uma tendência de depreciação, para conter um pouco a importação e forçar a exportação. Observe-se que as exportações, apesar de toda a depreciação cambial, têm tido um comportamento sofrível. Chegaram a bater nos US$ 5 bilhões por mês no final de 2000 e agora estão perto de US$ 4,5 bilhões. Isso não é falta de resposta de exportações a câmbio. Elas respondem também ao tamanho do comércio mundial, que encolheu, aos preços das commodities, que caíram, e ao comportamento econômico de parceiros comerciais importantes como a Argentina, que deve estar sofrendo uma queda de PIB da ordem de 10%. No mínimo, isso reduzirá as compras argentinas no Brasil entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões em 2002, em relação a 2001. Isso significa que não vamos poder contar com grandes crescimentos de exportações, a não ser que os Estados Unidos se recuperem e puxem a economia mundial. Eles estão entrando numa fase de recuperação, mas o tamanho desse movimento é desproporcional à celebração que existe sobre ele.

As importações também caíram, dos US$ 5 bilhões para US$ 4 bilhões. Começaram a reagir recentemente, em função de alguma retomada da atividade econômica. Mas a economia não está crescendo vigorosamente. Ela vinha encolhendo, chegou ao fundo do poço e a partir daí começou uma retomada. De um tempo para cá, ela mostrou sinais de alguma recuperação, principalmente no item de horas trabalhadas. Alguém pode dizer que em parte isso se deve ao fim do racionamento. Mas ele teria produzido um efeito direto muito maior sobre a produção caso não tivesse acontecido o aperto progressivo da política monetária no ano passado.

Um certo estímulo à atividade econômica já vem ocorrendo há algum tempo. A taxa Selic, que vinha se mantendo constante em 19%, baixou em fevereiro deste ano para 18,75%. Só que em setembro e outubro de 2001 os swaps de 180 e de 360 dias, que são o custo do crédito, estavam entre 25% e 26%, e em novembro, quando aconteceu o descolamento do Brasil com relação ao risco Argentina, vieram para perto de 20%. Atualmente invertemos a curva de estrutura e o juro longo está abaixo da Selic.

Essa redução tinha de produzir e vai continuar produzindo uma recuperação progressiva de atividade, não explosiva. Essa recuperação se reflete nas importações e vai trazer para baixo o saldo comercial, que otimisticamente alguém julgou no início do ano que podia ficar acima de US$ 5 bilhões, o que significa que a taxa de câmbio vai exercer alguma pressão. Quando o câmbio pressiona e se libera demais a atividade econômica, cresce o repasse do câmbio para a inflação, aumenta o pass through e se produz uma inflação mais alta. Isso quer dizer que há limites para a queda da taxa de juros.

Se procedermos a uma superposição entre a meta inflacionária e o que aconteceu com a core inflation, vamos perceber que no ano passado esta última cresceu acima do ponto central da meta. E o Banco Central, em vez de forçá-la para baixo, aceitou que ela ficasse acima da meta. Ele já introduziu, portanto, uma dose de flexibilidade na política monetária. Se fosse perseguir rigidamente o regime de metas, teria subido a taxa de juros e conseqüentemente o PIB não teria crescido 1,5%, mas caído entre 1% e 1,5%. Ao aceitar o choque da taxa de câmbio sobre os preços, e que a inflação ficasse em 7,5%, ele permitiu um custo menor em termos de queda de PIB. Nas últimas três quinzenas, continuamos acima do limite superior da meta. Acredito que a taxa de inflação ficará perto do limite superior da meta por mais algum tempo. Só que quedas agressivas de taxas de juros representarão subidas mais violentas de nível de atividade econômica, pass through da depreciação cambial mais alto e, conseqüentemente, possibilidade de a inflação ficar um pouco acima da meta. Esse limite o Banco Central vai ter de trabalhar, de verificar quanto cede, e até já assumiu que cede alguma coisa. Tanto que na última reunião do Copom ele já não fala mais em perseguir a taxa de 3,5%, mas uma meta entre 4% e 4,5%, o que significa que aceitou que um pedaço do choque fosse transferido para a taxa de inflação.

Percorremos um conjunto relativamente extenso de indicadores e variáveis. Há muitas conquistas feitas, todas elas importantes, que precisam ser comemoradas. O país progrediu em muitas direções mas cresceu pouco ou nada em outras. Há um caminho que vem sendo trilhado e que, se for aperfeiçoado, vai conduzir a melhorias nos fundamentos que reduzirão o risco Brasil, assim como a taxa real de juros. E se o país tiver juízo e investir em educação, se eliminar as distorções tributárias, etc., com taxas reais de juros mais baixas, vai apresentar crescimento econômico mais acelerado. Se, no entanto, for para o outro lado, o das intervenções, subsídios, incentivos, tarifas mais altas, aí não conseguirá ir muito longe.

Para encerrar, volto às discussões que tenho com os meus amigos da Fundação Getúlio Vargas sobre crescimento econômico. Quando se olham as fontes de crescimento, a tal produtividade total de fatores, uma das coisas que se verifica é que os países que têm taxas de crescimento mais elevadas e maiores aumentos de produtividade são aqueles que usam o esquema correto de incentivos para o setor privado – o qual busca o lucro, a acumulação de capital, o aumento do patrimônio. Ele busca isso quer o sistema de incentivos seja correto, quer seja errado. Com o esquema correto, ele faz os investimentos que são benéficos para o país. Com o errado, vai para onde estiver o lucro. Não podemos culpar o setor privado pelo fato de o país não crescer. Quem produz os incentivos é o governo.

Na história do pensamento econômico existe um autor muito importante, que morreu em 1823, chamado David Ricardo. Ele é responsável pela lei das vantagens comparativas, começou a introduzir a teoria de distribuição de renda e dentro dela criou a teoria dos rents. Os economistas são motivados pelos problemas que vivem, e naquela época existia escassez de terra e os proprietários a alugavam. Como ela era escassa e o salário pago em nível de subsistência, não de produtividade marginal, tinham lucro e, quanto maior a escassez, maior o excedente, que era o rent da terra.

O rent ricardiano se transformou, no fundo, na remuneração que se dá pela escassez do fator, pela criação de um poder monopólico que pode ser temporário ou permanente. Depois essa teoria foi desenvolvida por George Stigler e outros, já no século 20, e criou-se a teoria das quasi-rent, das quase-rendas, as que são geradas e depois de algum tempo desaparecem. Quando a IBM faz um investimento muito forte em novas gerações de computadores, fica temporariamente com um poder de monopólio no mercado. Ela tem a patente, inventou antes dos outros, ficou sozinha e nesse momento recebe uma quasi-rent. Isso é muito comum na indústria química.

Precisamos tomar cuidado para não criar uma sociedade de rent seekers, pessoas que buscam rents. Os indivíduos sempre podem ser rent seekers, mas o governo não pode apoiá-los. Por exemplo, tivemos no Brasil a reserva de mercado da informática. Aquilo produziu rents e dava lucro para quem produzisse um bem que era muito menos eficiente por um preço muito mais alto, o que no fundo gerava uma externalidade negativa para a sociedade como um todo.

Até que ponto essa defesa intransigente das tarifas e da política industrial não é o lobby dos rent seekers, que estão saudosos do passado, quando podiam ganhar um pouco mais graças às distorções geradas pelo governo? Houve muitos rents que desapareceram. Quando isso aconteceu, o sistema começou a se tornar mais eficiente. O sistema bancário, por exemplo, ganhava no Brasil um tipo de rent que derivava do imposto inflacionário, 50% do M1 é base monetária e o restante são depósitos à vista. Com uma inflação de 100% ou de 200%, o governo emite base monetária e ganha com a depreciação desse estoque de moeda que está na mão da sociedade. E o sistema bancário, que emite o depósito à vista, ganha e faz lucros extraordinários. Quando acabou a inflação e os bancos se abriram para o exterior, havia quem previsse que a entrada dos estrangeiros iria matar as instituições nacionais. Mas elas não morreram, se equiparam, ficaram muito mais eficientes, cortaram custos. Hoje ainda existe um sistema que não é socialmente o melhor porque a intermediação financeira é baixa. Enquanto países como Alemanha, Itália ou Inglaterra têm empréstimos bancários de perto de 100% ou 150% do PIB, no Brasil não passamos de 30%, porque ainda há incerteza com relação à flutuação da inflação. Portanto, o custo do sistema bancário aqui é mais alto do que no exterior. Só que acabou o rent gerado pela inflação e o sistema foi obrigado a usar muito menos recursos, mais eficientemente, para produzir essa pequena intermediação financeira. Eu diria que o encerramento da inflação foi um passo na direção do incentivo correto.

Admito que o governo tenha de intervir na atividade econômica de muitas formas. Ele não pode fazer isso para satisfazer os rent seekers, tem de agir para gerar o esquema correto de incentivos, na direção dos ganhos de produtividade, que façam o país crescer. Se esse passo for dado, ficarei muito otimista com relação ao Brasil. Se não for, o país não será muito feliz no seu caminho.

 

Debate

ISAAC JARDANOVSKI – Gostaria de ouvir sua opinião sobre o que o quadro político atual das eleições poderá trazer para a economia brasileira.

PASTORE – Sem entrar na questão das disputas partidárias, posso dizer que os mercados fazem pouca distinção entre candidatos próximos à coalizão do governo. O investidor olha para o candidato A ou B e os encara como se fossem a continuidade, sem grande ruptura, etc. Sabemos que isso não é exatamente a verdade, pois existem nuances relativamente importantes. Se o candidato mais à esquerda cai nas pesquisas, o mercado fica extremamente otimista.
Antes do descolamento do Brasil com relação à Argentina, em setembro ou outubro do ano passado, o Brasil pagava spreads de 5% a mais do que agora no mercado de bonds. O que explica essa queda, se nada mudou de fundamental na economia brasileira? Duas coisas se alteraram. Uma delas é que há uma grande liquidez na economia mundial, que começou logo após o atentado de 11 de setembro, numa reação do Federal Reserve (FED) norte-americano. No dia 12 de setembro o mundo acordou com US$ 100 bilhões de linhas de redesconto para o sistema bancário. A história do mundo revela que nas vezes em que os bancos centrais reagiram de forma errada numa situação como essa criaram uma crise desnecessária. Desta vez não produziram, injetaram liquidez a rodo e à vontade, e o FED continuou baixando a taxa de juros de lá para cá, o que aumentou a liquidez internacional. Esse fenômeno explica em parte a queda no risco de um país que está relativamente bem no contexto da América Latina, que é o Brasil. Em segundo lugar, isso tem a ver com a noção, na visão dos mercados, de que a probabilidade de um candidato de oposição ganhar a eleição caiu, o que tende a produzir otimismo.
Mas as ondas de otimismo, como de pessimismo, são sempre exageradas. Isso precisa ser moderado. Se continuarmos assim, ainda que haja uma ruptura da coalizão do governo, desde que não coloque em risco a possibilidade de um candidato próximo ao governo ganhar a eleição, a tendência é persistir o otimismo. Se, ao contrário, a candidatura oposicionista crescer, aumentará o pessimismo.

JOSUÉ MUSSALÉM – Preocupa-me não só o tamanho da dívida, que já chega a 55% do PIB, como também o aumento brutal da arrecadação fiscal. Realmente o Brasil tem tributado muito e gasto mal. A dívida aumenta, a arrecadação também, e há uma estranha queda da capacidade de investimento do setor público.
Quanto ao mercado externo, hoje a importação pode ampliar-se não apenas pelo crescimento do PIB, mas também pelo próprio aumento das exportações, porque o número de componentes importados nos produtos manufaturados brasileiros tem sido maior. Ou seja, um automóvel nacional exportado contém uma série de peças importadas.
Finalmente, uma pergunta: qual dos atuais candidatos à presidência estaria realmente preocupado com a reforma fiscal? Pelo que se vê em relação à CPMF, todos estão interessados em aumentar a arrecadação tributária.

PASTORE – Penso que quem está interessado na reforma tributária somos nós. Precisamos melhorar os argumentos em defesa dela. Dizer que a carga tributária é alta não vai sensibilizar ninguém. Há muitos países com carga elevada que são eficientes, a Europa está cheia deles. Trata-se de uma alegação de segunda ordem de importância. Mostrar onde estão as distorções que essa arrecadação gera e que tipo de custos produz para a sociedade é trabalhoso, mas mais eficaz para criar argumentos que sensibilizem o governo. Essa é uma tarefa que cabe ao setor privado.
Quanto ao crescimento de arrecadação, em janeiro e fevereiro houve um acordo com os fundos de pensão sobre tributos atrasados. Eles tiveram um abatimento parcial nas dívidas passadas, saíram da liability contingente que existia e arrecadaram os impostos. Mas isso aconteceu naqueles dois meses, não se repete mais. O que estamos vendo são os 34% do PIB que estão aí.
Com relação a crescimento de importação e exportação, não vejo nenhuma correlação entre aumento de uma e da outra. Você diz que o Brasil produz mais automóveis e importa. Mas 55% das exportações do Brasil são de matérias-primas da indústria. A correlação mais próxima que se tem é entre produção industrial e importações, e não é ligada à exportação. De forma que o grosso do aumento da importação deriva do crescimento da atividade interna. Ela é que produz o efeito maior.

JACQUES MARCOVITCH – Quanto às dívidas não-provisionadas, que o senhor chamou de esqueletos, o que mais vai surgir? Imaginamos que esse quadro pode continuar se agravando, por mais esforços que sejam feitos. E os jovens é que acabarão pagando, de uma forma ou de outra, essas dívidas passadas. Mais do que isso, podemos ter hoje a segurança de que novas dívidas não-provisionadas não estão sendo constituídas, provocando esqueletos que vão aparecer no futuro?
Quanto à questão da previdência pública, para resolvê-la o senhor recomenda peito político. A experiência mostra que os países tiveram de enfrentar esse tipo de problema mais com competência política do que com peito imediatista. É o caso, por exemplo, de nações européias, que criaram comissões pluripartidárias, entendendo que, se a questão não fosse resolvida, todos perderiam. Portanto, não era um problema do partido que estava no poder ou na oposição, mas de todos eles. Outros países criaram uma autoridade independente, gerida por atuários, com a responsabilidade de oferecer ao Executivo e ao Legislativo um relatório anual que mostre a gravidade do problema. Isso levou algum tempo, não se fez de um dia para o outro. Mas talvez o senhor tenha exemplos de países que conseguiram enfrentar isso num prazo mais curto, através não da competência estruturada, mas de um peito mais imediatista.

PASTORE – Jacques, peito e competência têm de andar juntos. Quando falei em peito político, não disse o que infelizmente você entendeu, não falei em truculência. Não sou truculento, nem proporia isso. Peito quer dizer coragem. Aliás, quem usou a expressão peito foi você, não fui eu. O que eu disse foi simplesmente que os governos precisam ter coragem para enfrentar o problema e não se esconder populisticamente.
Há duas formas de resolver. Uma é fazer um estudo bem-feito, com uma comissão de ex-reitores, de economistas brilhantes, de pessoas representativas da sociedade. Ou com uma comissão de técnicos, pessoas habilitadas a olhar como se faz isso na previdência. Esses estudos existem no Brasil em grande abundância. Estão aí, e todos chegam a uma conclusão: independentemente do esquema para o qual você queira convergir, é preciso aumentar a receita. E para isso é necessária a coragem política de enfrentar o Congresso, o Supremo, mas não truculentamente.
Com relação aos esqueletos, duas coisas. Nossa geração está pagando os erros do passado. Temos de cuidar para que a geração futura não pague os do presente. Isso se faz com transparência. Este governo – eu o cumprimento por isso – tem procurado ser transparente, tornando as medidas que impliquem ônus para o Tesouro absolutamente explícitas, sem nada escondido. Se prosseguir dessa forma, estará truncada a relação entre os erros do presente e o futuro.
Com relação a futuros esqueletos, não tenho dúvida que ainda possam surgir. Eles não são infinitos, mas há um estoque deles no armário, embora hoje muito menor do que antes. A única forma de resolver isso é, cada vez que aparecer um, recalibrar o superávit primário para fazer o ajuste. Isso é o que o governo tem feito, e espero que o próximo continue a fazer.

ROBERT APPY – Devo dizer que sou muito cético sobre a eventualidade de as reformas necessárias serem realizadas. Por isso pergunto sobre outras possibilidades para resolver o problema. Gasto público e arrecadação não vão recuar, embora eu acredite que uma reforma tributária poderia ser feita sem reduzir a arrecadação. Basta eliminar o que há de ruim. Não seria necessário um esforço para que os gastos sejam mais bem realizados? A produtividade deles deveria ser revista, e isso teria um grande efeito.
O segundo ponto é a balança comercial. O Brasil deveria estimular mais os investimentos para reduzir nossa dependência da importação de produtos intermediários. Não sei se isso está sendo feito. E, entre as coisas a realizar, você esqueceu uma essencial, que é a reforma política.

PASTORE – Falar de reforma política não era o meu objetivo nesta palestra. Concordo com você, se estivermos entendendo a questão da mesma forma – voto distrital, que significa maior accountability entre representante e eleitor, e fidelidade partidária. Considero isso absolutamente essencial. O país dificilmente vai resolver muitos dos seus problemas sem essas alterações. Não mencionei o assunto porque estamos falando de economia.
Com relação aos gastos públicos, a reação natural das pessoas é dizer que eles são incomprimíveis. Para reduzi-los, será preciso montar um plano político no Congresso, e há uma porção de detalhes a ser levada em conta. Por exemplo, a estabilidade no emprego, os direitos adquiridos, e diversos aspectos jurídicos que no fundo impedem a redução. Acredito que enfrentando o problema será possível obter algum ganho. Mas não vejo disposição de fazer isso.
Quanto à balança comercial, há insumos intermediários em que o país tem desvantagem comparativa. Há os que acreditam que, para reduzir nossa dependência na importação desses insumos, o melhor é produzi-los aqui a custos mais altos. Deveríamos tentar resolver o problema exportando mais aqueles produtos nos quais temos vantagem. Um exemplo disso, talvez não mais agora mas no momento em que foi criado, é o Proálcool. O que se pensou: se o Brasil não tem gasolina, vai ter de fazer álcool. Acontece que produzir um dólar por substituição da gasolina pelo álcool era muito mais caro do que produzir um dólar por exportação de soja, café, açúcar, o que seja. Livramo-nos da importação de um insumo, mas não foi a forma mais eficiente de fazer isso.
Existindo a possibilidade de fazer a substituição a um custo mais baixo, tudo bem. Mas temo que ela seja feita a preço mais alto.

CLÁUDIO CONTADOR – Muito de nossa discussão pode ser analisado em duas dimensões, uma técnica, imaginando-se um regime de competência de qualificação, e a outra política. Os economistas divergem muito. Existe a questão das transições. Há algumas que são rápidas com custo alto, outras longas com custo baixo, as quatro combinações possíveis. Isso não ocorre apenas na economia, mas na política, na medicina, etc. No que se refere aos tributos, tomou-se claramente uma decisão de transição rápida, mas com custo muito alto, que são os impostos cumulativos, a CPMF, etc. O mesmo ocorre com os investimentos públicos: o governo está optando por soluções rápidas com custo muito elevado, ao não priorizar a educação, por exemplo.
Mencionou-se a previdência. Temos o modelo argentino, o chileno, uns são mais rápidos em seus efeitos, mas no futuro pode haver problemas seriíssimos. Temos de discutir esses casos, deixar o lado político de quem está tomando a decisão e por que a está tomando.
Concordo plenamente com o que se falou aqui. Hoje o Brasil detém know-how, conhecimento do que pode ser feito em cada caso. Então tudo o que estamos discutindo se resume na questão política, no porquê de se tomar esta decisão e não aquela. Falou-se em tributos, por exemplo. Por que estamos optando sempre pelo pior caso possível?

PASTORE – Essa é uma boa linha de conversa, mas deixe-me colocar assim: Fernando Henrique ganhou a eleição e estava se preparando para assumir o governo quando João Paulo dos Reis Velloso fez aquele seminário no Rio de Janeiro, que ele faz todo ano. Isso foi em 1994. Na hora do almoço, fiquei ao lado do ungido ministro da Previdência, Reinhold Stephanes, e lhe disse que era preciso começar a desatar em algum lugar o nó do déficit público, da reforma tributária, da ineficiência na arrecadação, etc. E se tivesse de iniciar por algum lugar, teria de ser pela previdência, uma reforma que não seria a ideal, não poderia utilizar o sistema chileno, de contas individuais capitalizadas, porque esse modelo, com a taxa de juros que o Brasil tinha, tornaria a transição absolutamente não-financiada. Na verdade tinha de ser feita em duas ou mais etapas. A primeira era cortar o déficit, trazer a inflação para baixo. Coisas que sempre exigem um processo contínuo. Mas naquela conversa com o ministro a idéia era a seguinte: está tudo preparado, vamos fazer isso instantaneamente, o governo assume e faz a reforma da previdência. Gostaria de encontrar Stephanes de novo para perguntar o que se passou.
Na verdade, o que aconteceu foi o seguinte: Fernando Henrique assumiu e mandou para o Congresso a questão dos monopólios, a lei das concessões, etc. Foi um sucesso, tudo aprovado. Lembro-me de que logo em seguida fui convidado a fazer uma série de apresentações no exterior. Outro convidado foi Nelson Jobim, que era o ministro da Justiça. Estávamos nesse encontro quando houve aquela aprovação. Pode-se imaginar a festa que aconteceu. Perguntei então a Jobim por que não mandaram todo o lote para ser aprovado. Resposta: tratava-se de uma estratégia política, pois, disse o ministro, se enviassem tudo, como o sistema partidário do Brasil é fracionário, o deputado que fosse contra a reforma tributária exigiria alguma coisa na da previdência, e assim por diante, de tal forma que não sairia nenhuma. Por isso o governo decidiu mandar uma de cada vez. E acabou aprovando somente três ou quatro.
Quanto disso é efeito da falta de vontade ou do sistema político brasileiro é uma questão que não tem resposta. Ou provavelmente a resposta seja esta: os Estados Unidos têm um sistema bipartidário (é claro que têm mais partidos, mas há dois dominantes), a França e a Inglaterra têm poucas agremiações políticas. Com um número reduzido de legendas podem-se fazer acordos, coalizões, e consegue-se concluir mais facilmente uma negociação, chegar a uma aprovação. Lembro-me de que, no início do governo de Fernando Henrique, assisti a uma palestra de Margaret Thatcher, que discorreu sobre o que tinha feito na Inglaterra. No final um empresário brasileiro cumprimentou-a e pediu-lhe para explicar como conseguira consenso para aprovar tudo. Aquela senhora deu uma pancada na mesa com toda a força do mundo e disse: "Em política não há consenso. Consenso é a negação da democracia. Na verdade, o que existe é uma destas duas coisas: ou ‘derrotei meus inimigos no voto’ ou ‘fiz um acordo’ ". Então o que faltou no Brasil foi derrotar os inimigos no voto ou fazer um acordo para alcançar a aprovação. Entre os economistas, apesar das discordâncias, existe muito mais consenso sobre a solução dos problemas do que entre os políticos. Um bom pedaço do problema infelizmente é político mesmo.

EDUARDO SILVA – O senhor afirmou que o México conseguiu dar um salto nas exportações, aproximando-se dos norte-americanos. Como fizeram isso?

PASTORE – Entraram no Nafta.

EDUARDO – A gente reclama que o Brasil está desorganizado e sofre de uma porção de deficiências. Em termos de organização política estamos melhor do que o México e outros países. Acho que isso não se pode discutir, não dá para comparar. Mas o que chama a atenção é que o papel dos norte-americanos hoje é muito forte em toda a América Latina, e para sensibilizá-los não adianta dizer apenas que não somos analfabetos. Eles são frios. Penso que esse é o maior obstáculo hoje em dia, não só da Argentina mas também do Brasil.

PASTORE – Não sou especialista em política, mas diria o seguinte: é bom moderar a comparação com os mexicanos. Eles têm uma democracia consolidada e um sistema político funcional. Não quero comparar dizendo se é pior ou melhor do que o do Brasil. Eles passaram por uma transição na qual o eterno PRI (Partido Revolucionário Institucional) deixou o poder, elegeram um candidato da oposição e estão absolutamente estáveis. Se há um defeito na economia mexicana, é que a recessão norte-americana produz um movimento cíclico no México, pela abertura que o país fez com relação aos Estados Unidos. O aumento do PIB mexicano é hoje compatível com o crescimento da economia norte-americana. Mas esse é o custo da opção de se ligar à economia do vizinho do norte.
O México ingressou no Nafta produzindo ajustes na economia, tornando-a complementar à norte-americana, um pouco do que fez o Canadá há mais tempo. No caso mexicano havia vantagens de localização que permitiam esse ajuste de uma forma simples. Há certos produtos no mercado internacional que viajam mal, no sentido de que seu custo de transporte é determinante. Veículos são um deles. E há produtos que viajam muito bem, como no caso dos componentes eletrônicos, que podem vir da Malásia, Taiwan ou China, pois o custo de transporte é uma fração mínima do seu valor.
No caso de automóveis ou de tubos de televisor, que têm um custo de transporte muito alto, a vantagem é haver proximidade do mercado. O México está perto dos Estados Unidos e se beneficiou, obviamente, atraindo o próprio capital norte-americano.
O que os mexicanos fizeram nessa abertura da economia não é reprodutível pelo Brasil. Nós nunca conseguiremos nos integrar à indústria automobilística norte-americana, por causa da desvantagem em termos de localização. Tentamos fazer isso numa escala menor com o Mercosul, mas, ao pifar a Argentina, pifou o modelo.

MOACYR VAZ GUIMARÃES – Fiquei feliz quando você afirmou a importância da educação. Sempre defendi que esse investimento deve ser uma das prioridades do país, porque é o alicerce para a solução dos problemas de outras áreas.

MALCOLM FOREST – Os Estados Unidos têm sido um mito para o mundo ocidental, e parecem inatingíveis. Mas lá também houve sinais de crise política na eleição do presidente, indícios de recessão com o remédio das taxas de juros, e ainda aconteceu o atentado de Nova York que resultou numa guerra. Nesse contexto, como é que ficam os Estados Unidos, o dólar, sua inflação e deflação, e quais serão os países ou economias hegemônicas sustentáveis nestes próximos três ou quatro anos, a médio prazo? Sei que isso dá margem a uma nova palestra. Mas se puder dar alguma luz nesse assunto, agradeço.

PASTORE – Os Estados Unidos são um país enorme, complexo, extremamente forte e sólido. Enfrentaram o atentado de 11 de setembro, vão para uma guerra (questionável ou não, não importa) e o superaram. Houve uma recessão, estão saindo dela, penso que um pouco mais lentamente do que o otimismo indica, mas continuarão sendo a economia hegemônica. Há essa idéia de que, com a moeda nova, a Europa emergeria. A criação do euro nada mais é do que a substituição de n moedas por uma, isso não muda o poder que a Europa tinha, que permanece o mesmo. Os Estados Unidos continuarão sendo hegemônicos por muito tempo ainda.

ZEVI GHIVELDER – Professor, o senhor disse que é possível o governo fazer cortes. Onde eles podem ser realizados?

PASTORE – Você teria de analisar comigo o orçamento. O que coloquei foi o seguinte: cortar despesas significa enfrentar problemas com direitos adquiridos, estabelecidos em lei. Não se pode dispensar 20% do funcionalismo de uma vez. O que se pode é criar leis, regulamentos, dispositivos que permitam ao longo do tempo desonerar a folha de pagamento. Acredito que, se você entrar num orçamento, encontrará quantidades não desprezíveis que podem ser cortadas.

ADIB JATENE – Pastore, tenho sempre afirmado que política não é a arte do possível, mas a de tornar possível o necessário. Então procuro sempre conhecer o necessário. Em um país como o nosso, cuja população urbanizada cresceu 700% em 50 anos (éramos 18 milhões e hoje somos 137 milhões), o que criou uma quantidade enorme de demandas em educação, saúde, transportes, segurança, portos, aeroportos, etc., será que a arrecadação atende às necessidades, para podermos falar que a carga tributária é elevada?
Quando estive no governo, estudei o orçamento cuidadosamente, porque achava que para as prioridades que tínhamos no Ministério da Saúde os recursos que a Fazenda destinava eram insuficientes. Ao estudá-lo, descobri o orçamento de impostos e o de contribuições. No de contribuições o governo não podia mexer, e o de impostos, que resulta do IR, IPI, IOF, etc., tem despesas fixas, como o fundo de participação dos estados e municípios, recursos vinculados à educação, a pessoal, etc. O Ministério da Saúde tinha 52% do que sobrava, e o resto era distribuído para os outros 19 ministérios. Assim, não havia recursos para investir. Tanto que fomos buscar no BID e no BNDES US$ 650 milhões. Então a discussão se centrava em como conseguir recursos para revalorizar procedimentos e evitar que os hospitais públicos, universitários ou não, a rede de Santas Casas, fossem desestruturados totalmente, como aconteceu. Dinheiro para combater a malária, para erradicar o Aedes aegypti, para reduzir a mortalidade infantil. Não havia de onde tirar. Em dezembro de 1994 se extinguiu o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira), e a estabilidade monetária se fez naquela fase. A área econômica me dizia então que em dois, no máximo três anos aconteceria a reforma tributária, que aumentaria a base, a arrecadação, e eu teria os recursos. Mas não era possível esperar esse tempo. Foi assim que propusemos a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) para determinadas ações.
Uma vez aprovada a CPMF, foram retiradas outras fontes de recursos, e no final o orçamento da Saúde ficou um pouco menor em valores reais. Assim, quando se fala em carga elevada, fico preocupado. Margaret Thatcher baixou a carga tributária dos ingleses, se não me engano, de 46% para 42%, e a Inglaterra é um país cuja população cresceu, em 50 anos, menos de 20%. Eles têm toda a sua infra-estrutura pronta. Já nós temos todas essas demandas. Acontece que a população urbanizada não tem capacidade contributiva. Quem a tem é uma parcela relativamente pequena da sociedade. Há um Estado sem capacidade de investimento e um mercado que não está interessado em resolver especificamente os problemas do país. Temos a sociedade civil e a incivil, que está assumindo um papel cada vez mais importante, representado pelo narcotráfico, pelo crime organizado, pela corrupção, etc.
Então eu queria saber onde vamos buscar os recursos para atender às necessidades. É preciso melhorar a educação, colocar os portos em funcionamento. Quando eu estava estudando a infra-estrutura no ministério, para conseguir saneamento básico minimamente adequado, teríamos de investir US$ 40 bilhões em dez anos. Onde buscar os recursos? Vejo agora que temos US$ 47 bilhões de superávit fiscal. Para investir? Não. Para pagar serviço da dívida e cobrir o déficit da previdência. Então estou atrapalhado com isso, queria que você me desse uma luz.

PASTORE – Tenho a impressão de que o senhor vai continuar atrapalhado. Deixe-me dizer o seguinte: os US$ 47 bilhões de superávit podem ser utilizados de duas formas: ou o senhor vota no Lula ou em alguém que diga que não paga mais juros sobre a dívida, pois assim se encerra a questão, ou então o Brasil reduz a conta de juros sobre a dívida, como foi feito em outros países. A Inglaterra, por exemplo, ao final das guerras napoleônicas e da 1ª Guerra Mundial, tinha uma dívida de 300% do PIB. Os Estados Unidos, no fim da 2ª Guerra, deviam 120% do PIB. Eles criaram tributos, cortaram gastos onde era possível, passaram investimentos para o setor privado. Estamos falando em investir na educação – não em colocar mais dinheiro na Universidade de São Paulo, mas no ensino fundamental e médio. Na universidade deve-se colocar alguém que vá ao setor privado buscar dinheiro para custear o ensino.

JATENE – Como fizemos no Incor (Instituto do Coração).

PASTORE – Como faz o Incor, como agem outras instituições. O dimensionamento da necessidade hoje é infinito, assustador. E nada pode ser feito instantaneamente, o que nos conduz a duas reflexões. Primeiro, a probabilidade de a carga tributária cair é extremamente pequena. Em minha apresentação, não falei em queda da carga tributária, fui cuidadoso. Falei em mudança nos impostos que distorcem, eliminação do efeito cascata, distorções que reduzem a eficiência econômica e fazem o país crescer menos. Não tenho a ilusão de que o Brasil vai deixar de ter, daqui a algum tempo (podem ser décadas), uma carga tributária alta, exatamente porque dentro de um país mais desenvolvido há um grau de pobreza extremamente alto.

JULIAN CHACEL – Gostaria de levantar apenas dois pontos. Um deles é uma dúvida que sempre tive, acompanhando nos últimos anos os trabalhos sobre reforma tributária, porque houve uma falta de percepção do empresariado de que ela não deveria ser, pelo menos em tese, um subconjunto da reforma fiscal e, sim, integrada nela. Aí entra exatamente a questão, entre outras, da qualidade do gasto público.
Outro aspecto da apresentação do professor Pastore se refere à evocação que fez de David Ricardo e ao transporte que realizou para o nosso caso de reserva de mercado na informática. Vendo o rol de candidatos que neste momento se apresentam à presidência da República, inclusive, imagino, o candidato in pectore do atual presidente, não vejo nenhuma inclinação para fazer aquilo que ele denominou esquema correto de incentivos. Vê-se, sim, uma tendência muito maior a favorecer, quando se fala em política industrial, os rent seekers. Não sei até que ponto essa parte da exposição agradaria à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

PASTORE – Não sei a quem desagrada. A única coisa que sei é que precisamos de sócios para a idéia de montar o sistema de incentivos corretos. Espalhando a idéia, quem sabe alguém a compra. O rent seeker deve ser visto como tal, não como progressista, alguém que deseja o crescimento econômico. Ele está atrás do lucro dele, que não é necessariamente o razoável para a sociedade.

MÁRIO AMATO – Temos 5,5 mil municípios, cuja arrecadação é insuficiente, os servidores públicos vivem em clima de paternalismo, não é como no tempo em que entravam no serviço público pessoas de alta categoria. A corrupção hoje é de tal ordem que funciona assim: tive uma fábrica no México e não havia um procedimento sequer para o qual a empresa não tivesse de dar dinheiro. No fim acaba-se participando da corrupção passiva. Por força dela, todas as grandes idéias, como Sudam, Sudene, etc., redundaram no que são hoje. Por fim, pergunto: o impacto internacional da falência da Enron não poderia gerar uma crise igual à de 1929?

PASTORE – Com relação à corrupção, o máximo que posso dizer é que a odeio. Sou incapaz de ser corruptor, quanto mais corrupto. De forma que não esposo a idéia de que isso possa ser tolerado pela sociedade. Prefiro pedir esmola a entrar em qualquer dos dois lados da corrupção. O país tem de terminar com isso, tem de combatê-la.
No que diz respeito aos municípios e estados, hoje alguns estão obtendo superávits. Foram impostas sanções da Lei de Responsabilidade Fiscal que começaram a colocar as coisas no caminho certo.
Com relação à Enron, nada mais é do que um caso de fraude no capitalismo. É algo que precisa ser combatido. A empresa escamoteou informações, seus executivos venderam ações e prejudicaram os trabalhadores. Espero que vão todos para a cadeia. E vão. Já vi na prisão pessoas que circulavam pela sociedade de forma muito desenvolta. Pagaram seus impostos e foram devidamente punidos. Não houve complô no caso da Enron. No entanto, afirmar que esse fato possa comparar-se à crise de 1929 é desconhecer o que aconteceu naquele ano. A crise de 29 foi algo muito mais complexo, fruto, entre outros fatores, de um Federal Reserve criado em 1913, portanto com mais de uma década de existência, que resolveu cortar a liquidez, em vez de expandi-la. O mundo seguia o padrão-our

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