Postado em 01/10/2002
Valter Sales Filho
Este é o país das dietas - boa parte dos brasileiros faz alguma. A maioria deles, de um jeito meio forçado, por falta de grana mesmo. Outros, por restrições médicas e geralmente porque comem demais ou comem o que não devem. Mas também há aqueles que fazem dieta por birra, crença, crendice, superstição, rebeldia, paixão, amor, desejos ou idéias.
Descontando aqueles que não podem comprar comida e aqueles que precisam seguir uma orientação médica, o prato nosso de cada dia é temperado com significações que pouco têm a ver com o fator biológico. Nosso corpo é formado por um pouco de carne e osso e um montão de representações. Tenho 43 anos, dos quais mais de 20 sustentados à base de uma dieta vegetariana. A primeira argumentação para adotar uma dieta é a procura pelo bem-estar, mas sempre existem pitadas de afirmação e identificação com algum propósito.
Conheço pessoas que não comem carne porque acham que o sacrifício de animais é um atestado de barbárie. Outras esnobam justificativas lógicas e matemáticas e afirmam que, ao final das contas, um metro quadrado de pasto rende bem menos proteínas do que um metro quadrado de plantação de soja.
Provavelmente existem vantagens e desvantagens para aqueles que comem e aqueles que não comem carne. Para quem é vegetariano, certamente uma das desvantagens é conviver com os "normais", que passam a enxergá-lo como "algo" estranho - tanto no bom quanto no mau sentido. Não faltam perguntas do tipo "o que é que você come, então?", ou piadinhas pouco originais como o convite para um churrasco de alface. Por outro lado, os "normais" também pagam seu dízimo ao se depararem com um vegetariano-pregador, que a cada quarenta mastigadas soluça alguns bons conselhos sobre necessidades de mudança.
Nas dietas mais radicais, ou mesmo nos modismos como a corrida desenfreada às tigelas de açaí, parece que a busca da satisfação é o principal objetivo; não só das mais singelas necessidades biológicas, mas de sonhos, ansiedades e desejos. Isso pode ser muito interessante - o vovô macaco desceu da árvore e fundou uma civilização possivelmente por esse motivo.
Mas, na sociedade do consumo, os sonhos, as ansiedades e os desejos nos jogam o tempo todo de um lado para outro, alternando bem-estar temporário com mal-estar crônico. Nunca ficamos satisfeitos com tudo o que temos ou fazemos: sempre há alguma coisa que promete ser melhor. Desse modo, qualquer mesa vira um tabuleiro no qual cada um joga consigo ou com o outro. A regra é se atazanar com todos os discursos disponíveis sobre comida, saúde, receitas, fórmulas, segredos, magias e uma lista enorme de pode e não pode, de certo e errado, de moda e modismo, de sim e não e daí por diante - da mesma forma como acontece com outras coisas que deveriam ser naturalmente vividas, mas ficam cheias de nove-horas, como o sexo, por exemplo. Talvez seja por isso que as capas das revistas ditas femininas sempre trazem matérias sobre dietas revolucionárias e de como ser melhor na cama. Em meio a muita baboseira, às vezes existe algum fundamento científico.
Mas a questão não é saber se as informações são verdadeiras ou não, e sim refletir sobre a produção de idéias em um território que deveria ser o templo da contemplação e do prazer: a mesa.
O dia-a-dia, especialmente para o Urbanus mercadóide é muito complicado. Tudo é racionalizado, mensurado, aprazado e relativizado. Coisas simples como fazer sexo, fazer amizade e se alimentar passam a exigir manuais de auto-ajuda. A comida deixa de ser um prazer em si e vira uma tabela de carboidratos. Desse jeito, até uma folha de alface engorda.
Valter Sales Filho é vegetariano e técnico do Sesc.