Postado em 28/03/2022
Como uma sombra, a sensação de cansaço caminha a passos largos em todas as esferas da vida. Atravessados pela cobrança de produtividade no trabalho, no espaço doméstico e pelas demandas pessoais, alimentamos uma longa lista de tarefas a ocupar até mesmo os raros momentos de lazer e ócio. O resultado é um número cada vez maior de pessoas com quadros de ansiedade, depressão e burnout, síndrome que entrou para a Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro deste ano. A pandemia contribuiu para esse cenário e o Brasil se tornou o segundo país do mundo que mais busca informações sobre ansiedade no Google. Afinal, o que isso quer dizer sobre a sociedade contemporânea? E quais formas práticas que visam qualidade de vida e bem-estar podem virar essa chave?
Em Sociedade do Cansaço (Vozes, 2015), o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, considerado um dos grandes pensadores da atualidade, reflete sobre o fato de que instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social, e superação das próprias limitações. Ou seja, em um momento da história em que poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade conduz as pessoas a trabalhar e a se cobrar mais resultados. Mesmo assim, elas recebem menos e adoecem.
“Byung-Chul Han faz uma análise desse cenário do capitalismo contemporâneo articulado a toda problemática das redes sociais onde a máxima vigilância, e ao mesmo tempo a máxima visibilidade, geram esse mecanismo de coerção que faz com que o indivíduo use sua própria liberdade de maneira paradoxal. Onde ele, como ‘empreendedor de si mesmo’, está sempre procurando maximizar seus resultados em todas as esferas da vida”, observa Leandro Chevitarese, mestre em filosofia e psicossociologia, professor associado de Filosofia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no Departamento de Educação e Sociedade.
Na atual sociedade do desempenho, como descreveu o filósofo sul-coreano, os indivíduos se cobram não só metas cada vez mais inatingíveis como também a capacidade de executar múltiplas tarefas simultaneamente para ser visto e validado pelo olhar do outro. “Importante enfatizar que muito deste cenário da sociedade do desempenho deve-se à atual dinâmica do capitalismo em sua articulação com nossa imersão no mundo digital e nas mídias sociais, que favorecem a hipercomunicação e a hipervigilância: elementos que contribuem para o esgotamento e o cansaço”, destaca Chevitarese.
Consequentemente, fica evidente uma desconexão com as próprias necessidades de pausa e de práticas que visam a manutenção da saúde física, mental, emocional e espiritual. Deixa-se de ouvir, inclusive, o próprio relógio biológico que aponta, por exemplo, para a importância vital do sono. “Boa parte dos problemas de saúde nas grandes metrópoles tem a ver com o sono de baixa qualidade. É fator de risco para diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares e, no limite, mal de Alzheimer. O sono é um momento de restauração fisiológica do corpo inteiro, não só do cérebro. É também o momento em que as memórias são processadas”, já disse o neurocientista Sidarta Ribeiro à Revista E [Leia Encontros publicado na edição nº 285, em julho de 2020].
Talvez o que esteja em xeque nesse cenário seja a possibilidade de uma outra experiência do tempo, segundo o filósofo e professor Chevitarese. “Uma outra experiência em que sejamos capazes de nos demorarmos junto às coisas, de exercitarmos um tipo de contemplação reflexiva que não nos deixe sempre estar capturados pelo pensamento calculativo de resultados, metas e objetivos”, reflete.
Para nadar na contracorrente dessa forma hiperprodutiva e hipervigilante de viver e conviver, torna-se imprescindível o investimento em qualidade de vida. Conceito este que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Essa busca por qualidade de vida ainda envolve a consciência do lugar onde estamos inseridos e nossa relação como parte integrante do meio ambiente.
Pensando num caminho de reconexão com áreas verdes no espaço urbano, a organização não-governamental Floresta Cultural realiza ações que buscam a preservação de uma área de 257 mil metros quadrados na cidade de Sorocaba (SP), a fim de transformá-la em uma Floresta Municipal. Dentre diversas vivências voltadas para todos os públicos, de crianças a idosos, está o Banho de Floresta, criado em 2021. Prática oriental milenar que consta na legislação japonesa para promoção de saúde e bem-estar, no banho de floresta a pessoa dispõe de um tempo para estar presente em espaços verdes, matas ou florestas, aceitando o convite para desacelerar e receber novos estímulos e benefícios à mente e ao corpo.
“No Banho de Floresta acrescentamos temáticas no percurso das trilhas dentro da Floresta, explicamos para as pessoas o que é esse local que estão trilhando, fazemos uma educação ambiental de conscientização, ouvimos os sons da Floresta em silêncio e fazemos paradas de descanso e meditação”, descreve o engenheiro florestal André Fogaça Purificação, um dos idealizadores e pesquisadores dessa ação. Ao público é feita a proposta de ficar ao menos 30 minutos em uma área verde, “o que relaxa a mente, descansa os olhos (a pigmentação verde tem influência sobre os receptores ópticos), diminui a pressão cardíaca e equilibra a respiração, uma vez que, durante o cotidiano, respiramos de maneira errada sem perceber”, complementa.
Para o pesquisador, o mais interessante dessa experiência é que o cérebro humano registra esse aumento de serotonina do contato com áreas verdes. E quando o efeito passa, a pessoa logo sente saudade e a necessidade de querer mais contato com a Floresta. “O ser humano, como animal biológico, sempre terá a tendência de voltar a sua origem de forma natural e orgânica”, atesta André.
Em São Paulo, no distrito de Brasilândia, Zona Norte da cidade, o Coletivo Preto Império também cria caminhos para a promoção de saúde e qualidade de vida dos moradores da região – populações negras, indígenas, tradicionais e periféricas. Para isso, o coletivo conta com uma sede na Vila Teresinha, desde 2018. Dimas Reis, relações públicas e responsável pela gestão, planejamento e execução operacional do Preto Império, explica que, desde a criação do espaço físico, muitas práticas de autocuidado e bem-estar vêm sendo desenvolvidas, como o projeto Arrenda Horta, que ressignifica a produção e relação com os alimentos a partir de oficinas de permacultura e hortas urbanas somadas à articulação do coletivo com agricultores e outros produtores de alimentos orgânicos da Zona Norte.
“Além do Arrenda Horta, a gente tem outra iniciativa que é o Ipesã, em que fazemos atendimentos terapêuticos: as PICS (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde) como no SUS, trazendo reiki, massoterapia e outras práticas aos moradores do território. Então, temos um espaço terapêutico onde a gente faz atendimentos a baixo custo e, para além disso, a gente desenvolve ações e programações culturais que estão totalmente ligadas à saúde física e mental”, destaca Dimas.
Tendo em vista que são muitas as definições que permeiam o que é qualidade de vida, já que isso envolve uma série de fatores e cenários econômicos, sociais e culturais, para o Coletivo Preto Império, ela está diretamente associada ao “básico para um ser humano desenvolver suas capacidades e para além de desenvolver, poder viver sua vida em vez de sobreviver”, reforça.
“Com base na atuação do Coletivo Preto Império, qualidade de vida para a gente tem a ver com direito à moradia, com direito à fauna e à flora, tem a ver com a garantia de qualidade de acesso ao meio ambiente e aos recursos ambientais, à água limpa, à saúde e educação de qualidade. Mas, o que a gente vê é que nossa saúde mental está sempre em risco pela coerção policial, pela não-garantia de empregabilidade, pelos riscos de desabamento. Como nas periferias as pessoas estão postas à margem de direitos básicos, fica muito difícil garantir uma qualidade de vida. E para a gente, ela existe quando há acesso a recursos e a ambiências que vão possibilitar um bem-viver.”
A partir de condições básicas de vida em sociedade, é possível recalcular sua própria rota e abraçar um bem-viver consigo e com outros. E isso também faz parte de um processo de autoconhecimento. “Afinal, o que eu desejo para mim? O que de fato eu preciso para estar bem? Para me sentir bem? E o que eu posso? Acho que com essas perguntas é possível navegar um pouco melhor, ter uma orientação um pouco mais clara no que diz respeito a cuidados e estratégias de bem-estar. Não é porque ‘o outro faz e diz’ que determinada ação é boa ou que ela vai funcionar para mim. Esse autoconhecimento é necessário, essa reflexão crítica e mais sintonizada com as necessidades, os desejos e as possibilidades de cada um. Porque cada um tem necessidades singulares”, pontua o psicanalista Paulo Carvalho, professor do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Nesse sentido, numa sociedade que está em constante pressão para cumprir metas, repensar valores e hábitos pode ser o primeiro passo para a descompressão. “O que parece estar em jogo é, acima de tudo, sermos capazes de reformular a pergunta: o que significa qualidade de vida? Parece que fomos programados a ter esta resposta pronta e acabada, em geral associada a um modelo de consumo ou de sucesso pré-estabelecido; todavia, o enfrentamento desta questão é o desafio que pode nos tornar mais capazes de viver melhor no mundo contemporâneo”, conclui Chevitarese.
De 5 a 17 de abril, a quinta edição do projeto Inspira - Ações para uma vida saudável promove uma série de bate-papos, palestras, exibições, oficinas, cursos e vivências em formato presencial e online sobre diversos conceitos de qualidade de vida, aplicados em diferentes contextos das relações humanas. Atividades que buscam propor reflexões e apresentar iniciativas que possam impactar positivamente a vida no espectro individual e coletivo.
“O tema ‘qualidade de vida’ apresenta complexidade em sua definição pois está relacionado à percepções e sensações de bem-estar a partir de conexões que influenciam diretamente o olhar sobre a saúde, o trabalho e o meio ambiente. Nesse sentido, esta quinta edição do Inspira amplia as discussões sobre como melhorar a expectativa de vida e seus conceitos de bem-estar, em especial, após os impactos da pandemia”, explica Fernando Andrade de Oliveira, assistente técnico da Gerência de Saúde e Odontologia do Sesc São Paulo.
Confira alguns destaques da programação:
SOROCABA
Vivência
Em cantos de Sorocaba: Floresta Cultural
Luanda e André, guardiões da Floresta Cultural, são voluntários que se dedicam aos cuidados desta área verde urbana, um refúgio em meio a casas, prédios e condomínios do Parque 3 Meninos, em Sorocaba. O projeto é resultado da iniciativa civil pública que vem transformando, desde 2016, esta área antes degradada, com lixo e entulho, através da mobilização de voluntários da comunidade. Nesta proposta, os guardiões da floresta convidam os participantes a praticar o repouso e o lazer consciente.
A Floresta Cultural é fruto de muito trabalho, sonhos e ações diárias de cidadãos sorocabanos. Seus 257 m² formam um mosaico de Mata Atlântica, com manchas de cerrado e mata ciliar. Está ligada também a cinco nascentes, afluentes do rio Sorocaba, e uma fauna catalogada de mais de 120 espécies de aves, borboletas e pequenos mamíferos.
Dia 2/04, sábado, das 7h30 às 10h30 – Atividade presencial – gratuita
PINHEIROS
Bate-papos
▶ Qualidade de vida no trabalho, com o psicanalista Christian Dunker.
Dia 5/04, terça-feira, das 19h30 às 21h30. Atividade online
▶ Qualidade de vida e sexualidade, com Thais Machado Dias.
Dia 6/04, quarta-feira, das 19h30 às 21h30
▶ Qualidade de vida – eixo sociedade, com o médico patologista Paulo Saldiva.
Dia 12/04, terça-feira, das 19h30 às 21h30
JUNDIAÍ
Oficina
Quem escuta bem, se expressa bem!
Nesta oficina ministrada pela cantora, compositora e professora de canto Giselle Maria, os participantes irão vivenciar práticas e abordagens teórica sobre temas como relacionados ao uso da voz: projeção (vocal/articulação), diferenças entre ouvir e escutar, entre voz, fala e linguagem, relaxamento, sensibilização e percepção (escuta de canções).
Dia 6/04, quarta-feira, das 14h às 17h. Inscrições gratuitas: inscricoes.sescsp.org.br, a partir de 1º de abril, às 14h.
CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO
Minicurso online
Sociedade do Desempenho: uma reflexão sobre os desafios da era digital
A partir da obra do filósofo contemporâneo Byung-Chul Han, o mestre em filosofia e psicossociologia Leandro Chevitarese traz reflexões sobre os desafios ocasionados pelas novas formas de violência neuronal na sociedade contemporânea e as influências da era digital neste cenário.
De 7 a 18/04, segundas e quintas-feiras, das 15h às 16h30. Inscrições gratuitas: https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/.
AVENIDA PAULISTA
Bate-papo
Aquilombar para o bem-viver: Sobre vivências e (r)existências
Realizada pelo coletivo formado por psicanalistas Margens Clínicas, a conversa presencial é voltada para pessoas negras, LGBTQIA+, indígenas, habitantes de regiões periféricas da cidade interessados em pensar as possibilidades de (r)existência às violências da colonialidade. Será oferecido um espaço de cuidado cuja proposta é uma reorientação ética.
De 7/4 a 5/5, quintas, das 18h às 20h – exceto dia 21/04.
SANTANA
Vivência
Rito de mim: Vivência auto sensível
Que tal vivenciar um roteiro terapêutico, multissensorial? Nesta atividade presencial, os participantes são convidados a se reconectarem consigo em meio à coletividade. Por meio das culturas tradicionais brasileiras e de artes performáticas, o coletivo Preto Império propõe aos participantes uma reflexão sobre o amor próprio e projetos de futuro.
Dia 7/04, quinta-feira, das 17h30 às 21h30. Inscrições gratuitas: inscricoes.sescsp.org.br.
SANTO ANDRÉ
Curso
Mindfulness e trabalho: controle suas emoções
Ministrado pelo neurocientista Fernando Rios, a atividade presencial apresenta a técnica de meditação focada na atenção plena, e que pode ser praticada em diferentes situações e ambientes, inclusive no trabalho.
Dia 9/04, sábado, das 14h às 16h. Inscrições gratuitas no local, com 30 minutos de antecedência.
GUARULHOS
Feira
Roda da saúde: descobertas e escolhas saudáveis
Nessa feira de experimentação de práticas associadas à promoção da saúde preventiva e integrativa, o objetivo é incentivar a autonomia para o autocuidado e atenção plena. Estarão presentes: Mato no Prato, Vi Verde Amor, Ana Carla Botelho, Viva Alecrim e Educadores de Atividades Físico-Esportivas e Agentes de Educação Ambiental dessa unidade do Sesc. Os participantes vivenciarão práticas relacionadas à atividade física e movimento, equilíbrio mental, alimentação saudável e nutrição, natureza, relacionamento interpessoal e espiritualidade.
Dias 16 e 17/4, sábado e domingo, das 10h às 14h, no Centro de Educação Ambiental Externo.
Criado em outubro de 2019, o Programa Bem Viver busca a melhoria do ambiente de trabalho e do bem-estar dos diversos grupos de empregados do Sesc São Paulo, considerando as características e atribuições de cada um. Para isso foi estabelecido na Gerência de Desenvolvimento de Pessoas o Núcleo de Bem-estar, Saúde e Qualidade de Vida, com uma equipe multidisciplinar dedicada a conceber, orientar, estruturar e desenvolver ações voltadas aos empregados, dependentes, estagiários, aprendizes, aposentados e terceirizados. Com base em cinco linhas de ações – Cuidados com a saúde física; Incentivo à alimentação saudável; Cuidados com a saúde mental e emocional; Cuidados com o uso abusivo de drogas; e Disseminação da cultura e dos valores institucionais – são criados e estruturados processos educativos, tendo como perspectiva a saúde coletiva.