Postado em 01/11/1997
A idéia de fazer um evento de vídeo produzidos por crianças nasceu, praticamente, da imposição do público infantil. "As crianças invadiram o festival. Ligavam perguntando se havia limite de idade e a gente acabou abrindo uma categoria kids. No começo eu resisti um pouco, mas depois percebi essa necessidade, afinal uma das coisas legais do evento é a diversidade. Além disso, as crianças não costumam trabalhar com a questão da imagem e do movimento, são apenas consumidoras e têm pouco espaço para produzir e se expressar", conta Marcelo. Os vídeos juvenis abusam de temas que fazem parte do cotidiano infantil. Geralmente refletem algum protesto, como o ciúme dos irmãos, o ódio pelos deveres escolares e o desacordo com as pais que obrigam as crianças a comerem verduras.
O Processo de Criação
Fiel ao seu ideal, o Sesc organizou uma série de oficinas temáticas em suas unidades com o objetivo estender a atuação do Festival para limites que vão além da simples exibição do produto final. "Com essas oficinas, pretende-se dar a oportunidade para que os interessados possam conhecer todos os processos que envolvem a criação de um vídeo. O Minuteen é uma mostra competitiva e a gente queria enfatizar com o programa de atividades paralelas o processo de aprendizagem que, para nós, é sempre importante. Além do mais, a vida das crianças está muito ligada às novas tecnologias, à linguagem audiovisual", explica Ana Paula Malteze Mancebo, responsável pela veiculação do Festival no Sesc e pelas atividades paralelas do evento. Dessa forma, cada unidade do Sesc selecionou as oficinas que tinham os temas mais interessantes para trabalho e organizou, junto a profissionais da área, uma série de atividades que evidenciavam o processo de criação de um vídeo, com a possibilidade ou não do produto final ser inscrito no Iº Minuteen. Ao todo, foram selecionados 12 profissionais para realizar os trabalhos nas unidades do Sesc da capital e do interior.
Universo Infantil
Um menino de pé grande chuta uma bola que acaba quebrando a vidraça de uma casa. Na seqüência, a bola volta à tela, quicando, e vai parar na cabeça de um outro garoto que faz um gol. Essa é a história desenhada por Felipe Ribeiro Miguele e Vitor de Paula Ferreira, de 9 anos, que participaram da oficina de desenho animado, realizada no Sesc Consolação e que resultou em um vídeo coletivo de um minuto. "Optamos por realizar uma oficina de desenho animado porque achamos que seria a mais adequada às crianças de 9 a 14 anos. Abrimos 20 vagas e reservamos 10 para os interessados do Projeto Curumim. É a primeira vez que a unidade trabalha com esse tema e resolvemos junto com as crianças que inscreveríamos o filme no festival. O tema foi escolhido por elas, que se reuniram e resolveram que a bola iria ser o eixo de ligação entre as imagens do filme. Outra coisa importante é que as crianças decidiram por fazer um trabalho em grupo. Isso é muito interessante porque os participantes do Curumim já exercitam esse tipo de atividade coletiva, mas os de fora não", conta Rovena Verona Calmanovici, animadora cultural do Sesc Consolação. Soraia Iola Galves, instrutora do Curumim, completa a idéia enfatizando que "para as crianças do Curumim o trabalho da oficina apresenta um diferencial porque elas estão lidando com um tipo de tecnologia que é a produção de desenho animado, sem ter o compromisso com a questão estética do produto final, mas sim com a possibilidade de se expressarem a partir do que é parte do seu universo."
Wilson Lazaretti, coordenador técnico do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas, que há 20 anos desenvolve trabalhos de oficina, foi um dos responsáveis pela atividade do Consolação, assim como nas unidades de Ribeirão Preto e Bauru. Segundo ele, "a produção do desenho animado é muito simples e consiste, basicamente, na multiplicação do movimento. Na verdade, o mais importante é ter o assunto para a história. Didaticamente, nós enfatizamos o traço individual de cada criança, desvinculando-o do estereótipo do desenho animado." Do ponto de vista técnico, a oficina abordou de forma prática todas as etapas de construção de um vídeo de animação: criação, revisão do trabalho, multiplicação, filmagem, revelação, projeção e análise crítica. "Logicamente, nessa oficina há limites de produção porque o vídeo é de um minuto, mas é semelhante ao curso que eu realizo com alunos da Unicamp. Nós filmamos os desenhos em uma câmera de 16 milímetros e o revelamos em um quartinho que foi criado a partir de um banheiro já existente. Para nós, o mais importante não é saber o nome das coisas, mas sim para que os objetos servem. O importante é o processo porque a nossa oficina é quase rudimentar", conta Wilson.
Walter Silveira, diretor, produtor e realizador de vídeo e televisão, deu início às oficinas do Sesc Piracicaba, nos dias 13 e 14 de setembro. Com um curso de criação e produção, explorou aspectos básicos da realização de vídeos e desenvolveu exercícios no sentido de mostrar a câmera como recorte da realidade, além de enfatizar os aspectos iniciais da edição. "O que eu posso dizer é que as crianças têm agilidade e grande interesse em relação à tecnologia. Aprendem os recursos e estão por dentro daquilo que falamos. Têm uma percepção de ritmo muito desenvolvida, estão atentas às questões de cortes e são muito imaginativas e criativas. Na oficina, gravaram, editaram e produziram um vídeo", aponta Walter. Outra atividade desenvolvida na unidade de Piracicaba, e que também foi explorada em Ribeirão Preto, foi a oficina Aprenda Fazendo realizada por Rita Moreira, uma das pioneiras em vídeo independente no Brasil. A partir de exercícios simples, a videomaker esclareceu dúvidas e mostrou as diferenças do vídeo em relação ao cinema, além de valorizar o trabalho em grupo e de enfatizar peculiaridades existentes nos telejornais e documentários.
Com o tema Que tipo de vídeo eu quero fazer?, a videomaker Lucila Meirelles abordou, nas oficinas de Piracicaba, Pinheiros e Bauru, os diferentes gêneros de criação. "Trabalhei a idéia da elaboração de um vídeo em cima de um formato. Isso ajuda a criança a organizar o pensamento e faz com que ela comece a contar histórias de diferentes maneiras. Ela passa a ver como é possível escrever um roteiro para documentário, entrevista, reportagem", conta Lucila. Como dinâmica, ela explorou a brincadeira e as histórias como se fossem os ambientes que as crianças habitam ou imaginam. Segundo ela, "o que diferencia a aula para criança é que ela já vem de um universo audiovisual, diferente dos adultos que vêm de um universo literário, ou seja, precisam transformar o abstrato para o audiovisual. O timing da criança é muito mais rápido que o nosso e para elas é extremamente fácil fazer um vídeo de um minuto, porque elas pensam de forma sintética." Antes mesmo de as crianças de Bauru participarem do curso havia um clima de euforia e expectativa em relação ao tema. Anderson, de 12 anos, mostrou-se extremamente interessado em criar um vídeo. "Queria aprender a filmar vídeos de ação e fazer efeitos especiais como os de ficção científica." Já Beatriz, de 7 anos, estava mais preocupada com as portas que poderiam se abrir depois de participar da atividade. "Quero aprender a fazer desenho animado, filmar e um dia ser atriz ou estrela."
Os caminhos da imagem
No Sesc Pompéia, a tecnologia, proposta temática do Curumim, foi incorporada às oficinas do Minuteen visando que os participantes passassem por três fases distintas do processo de produção: a leitura de imagens, a crítica e a criação a partir da temática vídeo-tecnologia. "Foi dada uma primeira oficina sobre desenho animado pelos coordenadores do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas e outra sobre cinema. As duas últimas oficinas aconteceram em finais de semana, durante o dia todo. Inês Cardoso realizou um trabalho intitulado Vídeo Carta e Deborah Diksha, uma oficina de Vídeo Criação", explica Dóris Sathler Larizzatti, responsável pelo Curumim. Inês Cardoso disse que seu trabalho explorou um caminho intimista e poético, de reflexão sobre o cotidiano das crianças. "A primeira coisa que eu sugeri às crianças foi para que elas escrevessem uma redação, e que nesse texto criassem uma analogia com as suas vidas. Depois de realizadas as redações e da gente ter conversado, começamos a produzir as imagens; como enquadrar, gravar com efeito, sem efeito, como mostrar a historinha. A terceira etapa consistiu em assistir às imagens e avaliar se elas estavam boas ou não. A quarta: fazer a construção sonora em cima das imagens. O que eu tentei passar para as crianças é que o som pode ser um aparato a mais com o intuito de enriquecer o vídeo ao invés de fazer uma repetição da própria imagem."
Até o dia 3 de outubro, 22 oficinas já tinham sido desenvolvidas. Na opinião de Lucila Meirelles, o trabalho que o Sesc está realizando é uma maneira de criar público para o Festival e de possibilitar que as pessoas aprendam não só a manusear o equipamento, como também a refletir sobre o que pode ser feito com ele a partir de diferentes olhares. "Eu sempre digo que não adianta apenas ter tecnologia porque o software humano ainda é a coisa mais importante para se fazer arte. Dar apenas a ferramenta e esquecer o que cada pessoa tem para acrescentar à tecnologia não vai adiantar nada. Vão ser pessoas fazendo trabalhos mecânicos."
A Escola Vai ao Cinema
Desde o dia 1º de setembro, o CineSesc voltou a realizar as exibições de filmes do Projeto Escola. Pioneiro em atrair escolas e adolescentes ao cinema, o programa vem sendo realizado há mais de 15 anos como uma opção cultural, educacional e de lazer. Segundo Denise Martha, assistente de programação do CineSesc e coordenadora do projeto, "o objetivo da atividade é possibilitar a discussão de vários temas a partir da exibição dos filmes que, na maioria, abordam questões estimulantes para o debate entre os professores e os escolares."
Para o segundo semestre desse ano foram selecionados 6 filmes nacionais e o atendimento voltou-se, prioritariamente, a alunos do segundo grau de escolas da rede pública. "As exibições acontecem de segunda à sexta, às 10h. Os professores interessados podem ligar para o CineSesc e agendar a visita da escola, com pelo menos duas semanas de antecedência. Temos capacidade de atender até 350 pessoas e para os escolares o preço do ingresso é de R$ 2,00", explica Denise Martha. Caso os responsáveis pelas escolas tenham interesse em realizar discussões entre os alunos e os diretores dos filmes, o CineSesc se propõe a entrar em contato com o cineasta e reservar um dia para que a conversa aconteça. "Previamente não existe nada estabelecido, mas se houver interesse isso poderá ser feito e será uma ótima maneira de expandir o nosso objetivo para além da exibição do filme e da sala de aula", coloca Denise.
O primeiro filme exibido foi Carlota Joaquina, de 1994, que de forma cômica mostrou o período em que a princesa espanhola Carlota Joaquina e seu marido D. João VI, de Portugal, viveram em um Brasil tropical, povoado de índios, bananeiras e escravos. Na seqüência, no período de 15 a 26 de setembro, foi a vez de O Quatrilho, e, de 29 de setembro a 10 de outubro, do filme de Ricardo Dias, No Rio das Amazonas, que explora em forma de documentário, sob a narração de Paulo Vanzolini, a vida das populações ribeirinhas através de uma viagem pelo baixo Amazonas. A programação do segundo semestre do Projeto Escola estende-se até o dia 7 de novembro, com os filmes Como Nascem os Anjos, O Que É Isso Companheiro? e Jenipapo. "Considero essas produções de extrema importância porque, além da preocupação de atrair grande público, elas têm uma conotação cultural muito ampla, pois tratam de temas atuais, como, por exemplo, a questão da reforma agrária, em Jenipapo e a violência adolescente, em Como Nascem os Anjos", finaliza Denise Martha.