Postado em 30/08/2021
Fui uma criança nascida na década de 1980, a quem a escala do mundo foi se apresentando à medida do tamanho dos passos. O dentro de casa primeiro virou o quintal – um quintal enorme com terra e pés de frutas no fundo. O quintal então virou a calçada onde as brincadeiras aconteciam, e a calçada virou a rua ali na frente de casa mesmo, para jogar bola, brincar de “mãe da rua” e pular corda... até que o esconde-esconde me levou para além das esquinas, e a bicicleta me fez chegar aos outros quarteirões. Mais crescida, ir para a escola a pé na companhia dos colegas era desbravar o mundo, que era imenso! O ensino médio me levou para mais longe... de ônibus e metrô ao centro da capital paulista a imensidão se agigantou e pude compreender o que era a escala de uma grande cidade e toda a complexidade que a envolve.
Perceber tantas pessoas, animais, carros, motos, cores, cheiros, sons e movimentos foi vertiginosamente estimulante e provocador!
Já na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, eu, que queria ser pedreira, apaixonei-me pelo planejamento urbano; afinal, para existir a arquitetura do edifício é tão ou mais importante existir e pensar a arquitetura do lugar, sair da escala privada para a coletiva, a escala da cidade. Foi nesse momento que entendi o sentido da palavra cidadã e reconheci o meu papel nesse lugar.
Meu maior desejo sempre foi transformar o mundo em um lugar melhor para se viver, mesmo que esse mundo fosse uma cidade ou um bairro, onde a apropriação do espaço público fosse justa, democrática, autônoma, segura, confortável, sustentável e acessível, garantindo a todos indiscriminadamente condições adequadas de moradia, educação, saúde, mobilidade, emprego e lazer, ainda que tudo isso parecesse utopia.
E mergulhada nessa utopia cheguei ao Sesc São Paulo, minha grande escola, onde sigo trabalhando e aprendendo há vinte anos, contribuindo no planejamento e em projetos para implantação de novas unidades.
Pensar um novo Sesc é quase como pensar uma nova cidade. O uso coletivo dos espaços, a diversidade de ocupações e programações, a garantia de respeito e acolhimento a todas as pessoas, público ou colaboradores, reflete-se não somente na estrutura física, mas também nas atividades que são oferecidas.
Essas preocupações extrapolam os limites do Sesc, expandem-se ao entorno, buscando a integração com o espaço público da cidade.
Entender o potencial educador da instituição a partir de seus edifícios e da implantação deles é um grande estímulo. Rompendo barreiras simbólicas, através de boas práticas e exemplos, estimulamos as pessoas a entenderem soluções possíveis de incorporar às suas práticas diárias, às suas casas, calçadas e ruas; o que, em uma escala maior, pode ser cobrado das autoridades competentes, como também fazemos. Despertar esse olhar crítico e de autorresponsabilidade é parte importante do processo educativo de todos nós enquanto cidadãos.
Em tempos tão desafiadores que vivemos, nos quais todos os locais de encontro se esvaziaram, públicos ou privados, percebemos o quanto poder andar pelas cidades e fruir delas é valioso. Os espaços públicos, antigamente tão temidos, passarão a ser os mais seguros. E que sejam! Que sejam seguros, respeitosos, acessíveis e democráticos, para que possamos muito em breve voltar não somente a viver nas cidades, mas viver as cidades.
Hoje eu sinto que tenho realizado meu desejo utópico de mudar o mundo. E aqui me aproprio de um conselho da minha mãe, que certamente é o de muitas outras mães: “Se você quer mudar o mundo, comece arrumando o seu quarto, comece mudando você”.