Postado em 01/11/1997
Pensando em uma participação mais efetiva da mulher na sociedade, o Sesc vem promovendo os Jogos Femininos já há três anos, colocando à disposição da comunidade a oportunidade de mostrar que esporte também é coisa de mulher.
Não menos competitivos e marcados mais pela descontração do que pela agressividade, os jogos centram-se, principalmente, no incentivo à prática esportiva, recreativa e competitiva. Além de torneios e competições, o evento contou com vivências corporais, demonstrações, informações sobre o corpo, os valores e os interesses femininos.
Os jogos foram realizados nos meses de setembro e outubro, em 22 unidades do Sesc, nove na capital e 13 no interior. Lugares onde a suavidade cedeu lugar à força, e uma feminilidade poderosa invadiu quadras, campos e piscinas. No vôlei, futebol, tênis, natação, ciclismo, xadrez e mais em outras nove modalidades.
Caminho Aberto para as Mulheres
Colocados hoje, torneios como esse não parecem ter qualquer tipo de ineditismo, principalmente tendo em vista a grande participação das mulheres em eventos esportivos de grande porte e abrangência internacional como as Olimpíadas. Porém, o relevante de iniciativas como a do Sesc é o caminho aberto para que as mulheres ingressem em um processo de definitiva integração nas práticas esportivas. Uma prova disso é o fato do projeto ter surgido em 95 como um torneio somente de vôlei, atraindo apenas 2.500 participantes. No ano seguinte, esse número pulou para 7 mil interessadas, crescendo também o interesse por outros esportes. Em 1997, as competições apresentaram, em 15 modalidades, 9 mil participantes, envolvendo 1.125 empresas. Dessas, 540 só na capital. Isso garantiu a ampliação da proposta do evento e, também, o seu sucesso. Cleverson Rago Ferreira, monitor de esportes do Sesc Consolação, aponta o principal objetivo que levou a entidade a sedimentar os Jogos Femininos como programação anual e de presença garantida: "As mulheres são um pouco mais difíceis de se envolver em uma prática esportiva competitiva. Porém, há um grande interesse, e isso nos levou a objetivar uma tentativa de mobilizá-las para essa prática de atividades físicas. As competições representam o êxito desse processo", conclui.
Passeando pelos locais dos jogos, é difícil acreditar que seja árdua a tarefa de mobilizar a parcela feminina a participar de eventos como esse, dado o clima de total envolvimento dentro das quadras. Helena Ferreira Lima, de 22 anos, descansando entre um tempo e outro no jogo de futebol de salão, afirma que "mesmo as mulheres não querem só competir, querem ganhar também". Ela admite que a maioria da torcida masculina se diverte com sua pouca experiência, mas não se intimida. "Eu concordo que nós não jogamos muito bem, porém dá para brincar, pelo menos é essa a minha intenção. Aprender nunca é demais", conclui.
Porém, a alma feminina sempre foi um mistério para aqueles que já tentaram entendê-la. Nas competições, as garotas mostram garra e disposição, entretanto quando terminam os jogos, todas vão às gargalhadas para o vestiário. Lá, comentam sobre seu desempenho, o do time adversário, as "mancadas" do juiz e mais algumas outras curiosidades. "Ao contrário do que parece, não tem muita frescura nos vestiários", explica Leizanete Silveira do Amaral, jogadora do Ática Shopping. Como suas colegas, Leizanete deixou um pouco de lado a máquina registradora e as notas fiscais para fazer as vezes de uma jogadora profissional. Depois dos jogos, ela garante que as conversas giram em torno de comentários sobre a partida. Mas, quando se trata da célebre vaidade feminina, nossa desportista termina por confessar: "A mulherada usa batom para jogar e passa creme nas pernas. Na verdade, eu acho que nós nunca deixamos de lado essa coisa da vaidade."
Para os técnicos, monitores e juízes do sexo oposto, sempre será um prazer lidar com tão graciosas presenças, apesar de algumas eventuais dificuldades. "Dependendo do jogo fica mais complicado", explica o juiz Antônio Carlos Clemente, "as mulheres reclamam mais que os homens nas finais. Elas reivindicam faltas, escanteios. Digamos que deva haver uma atenção especial", conclui.
No entanto, há momentos de profissionalismo de dar inveja a qualquer seleção. No gol, elas fazem de tudo para impedir um frango; no vôlei, as cortadas são audaciosas e, no tênis, os saques, precisos.
Muitas das participantes deixam seus outros afazeres, como a casa e os filhos ou os namorados, para participar de todos os treinos e competições. Andrea Costa de Carvalho estava em total clima de concentração para a partida de futsal que iria começar dentro em pouco e, entre um alongamento e outro, explica a atitude do namorado diante do fato dela passar o domingo jogando: "É complicado, mas ele acaba entendendo. No final ele fica em casa e eu venho jogar bola."
A Mulher e o Esporte
Há uma certa naturalidade quanto à relação entre a mulher e o esporte que, hoje em dia, parece já estar bem arraigada na cultura de nosso país. Mas, na verdade, suas bases são recentes e dados encontrados no livro Corpo, Mulher e Sociedade, organizado pela professora do Departamento de Ginástica do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal do Espírito Santo, Elaine Romero, mostram como esse relacionamento, antes, era pouco pacífico. O livro traz um capítulo dedicado exclusivamente à Educação Física, aos esportes e às mulheres, que ressalta a resistência por parte da sociedade patriarcal do Brasil em aceitar a participação feminina no esporte. Entre outras curiosidades, o capítulo fala da lei que proibia o futebol feminino como esporte oficial até o final dos anos 70 e dos argumentos que defendiam a idéia de que o esporte poderia masculinizar a mulher.
E o que nossas atletas acham disso? "Depende de cada um", explica Andrea Aparecida Romero, antes de entrar em quadra, "mas não tem nada a ver a mulher jogar futebol. É esporte, não teria por que não participar." Andrea ressalta, ainda, o quanto se sente melhor quando está envolvida com o esporte. A atleta participa de campeonatos há 10 anos, quando jogava pelo MacDonald's, e garante que o vôlei para ela é "como uma terapia".
Luci de Oliveira, levantadora de um dos times de voleibol da Santa Casa, não escondeu o espanto com tal notícia. Revelou achar que era somente uma questão de tabu e afirmou: "Isso, para mim, é a total falta de conhecimento, para não dizer que é uma ignorância."
A dois anos da chegada do próximo milênio, isso se configura como um enorme absurdo, mas o fato é que leis e atitudes contra a participação da mulher em atividades físicas competitivas retardaram violentamente a conquista de um espaço. Na época em que a mulher tinha a função única de cuidar dos lares e de filhos, a prática do esporte, mesmo só trazendo benefícios, era considerada inconcebível. Fúlvia Rosemberg, psicóloga, pesquisadora e autora do capítulo sobre o esporte e a mulher, analisa que a mentalidade da época atribuía ao esporte uma "ameaça à feminilidade e um comprometimento das funções ligadas à maternidade". Fúlvia ressalta também que esse pensamento só começou a mudar, e ainda assim lentamente, com os movimentos feministas dos anos 60, devido ao fato de as mulheres passarem a ter uma vida pública maior, com o desenvolvimento da Medicina e, principalmente, com um maior acesso à educação que, segundo a psicóloga, funcionou como via de entrada à pratica feminina de atividades esportivas.
O Projeto Sesc Mulher
Decorrente de propostas como o Torneio Sesc de Vôlei Feminino e os próprios Jogos Femininos, o Projeto Sesc Mulher aproveitou o mote da inserção das mulheres nos vários âmbitos de convívio social para ampliar o atendimento da mulher ao esporte em geral.
Segundo os organizadores, o modelo estrutural da proposta é um conjunto que abrange, além das competições, a realização de workshops e palestras ligadas ao esporte. E ainda exposições, espetáculos esportivos, gincanas e jogos de integração.
Todas essas atividades têm como principal objetivo, acima de tudo, conscientizar o público interessado sobre a importância do conhecimento e da mudança de comportamento da mulher em relação às práticas físicas. O retorno é imediato e perceptível através do número de participantes dos jogos e da grande presença de amigos, familiares e, até mesmo, de curiosos que integram as torcidas. Tania Brusque Crocetta, participante dos jogos há dois anos, ressalta a importância do trabalho. "A mulher vem conquistando cada vez mais seu lugar e o fato do Sesc abrir esse espaço para as mulheres é muito positivo, porque o envolvimento com o esporte melhora o relacionamento em casa e no ambiente de trabalho", completa.
Todo projeto voltado para uma maior participação feminina, seja no esporte ou em outros aspectos, revela um reflexo de mudança dos tempos e a chegada de uma era de igualitarismo.
Festa na Arquibancada
Animação, garra e incentivo, também fora das quadras, é o que caracteriza uma boa partida, e isso não faltou nos dias dedicados à mulher e ao esporte nas unidades do Sesc. Fazendo barulho e sofrendo junto com as jogadoras, a torcida marcou presença nos Jogos Femininos, levando consigo cornetas, tambores e o amor ao esporte que, segundo a maioria das participantes, são fundamentais para a vitória. "A torcida é importantíssima em qualquer tipo de jogo. Ela anima e incentiva. A gente pode ganhar um jogo por causa dela", garante a simpática atendente do Shopping Ática e jogadora de vôlei nas horas vagas, Seli Santussi.
O clima entre a torcida e o jogo curiosamente varia de acordo com o local onde ocorre a partida. No caso das unidades campestres, o sol e o calor ajudam a esquentar os ânimos e provocam manifestações ainda mais acaloradas, porém tudo privilegiava o espírito esportivo. "É só para deixar o outro time nervoso", garante Valéria Edmundo, colega de trabalho das jogadoras do Sonda Supermercados. E ainda ressalta: "Não tem nada a ver com violência."
A parcela masculina da torcida também fez questão de dar o seu apoio às colegas em campo. Anderson, mais conhecido como "Geléia, o melhor da liga", explica com ares de profissionalismo que "a partida foi boa, o jogo estava lá e cá, mas a nível de jogar bola", brinca, "o outro time era melhor". Imitando o famoso trejeito vocal que os jogadores de futebol geralmente ressaltam ao darem entrevistas, Geléia ainda tinha um conselho para o técnico: "A minha irmã está no banco de reservas, ele tem de colocá-la em campo, ela marca muitos gols."
Com um tom mais comedido, também como um reflexo do caráter comportado das partidas, a torcida no Tenisesc colocava em evidência, basicamente, o bater de palmas, mas, de olho na bola que voava de uma raquete para a outra, os pequenos grupos não escondiam o entusiasmo a cada ponto. A monitora de esportes, Cláudia Prado, explica que essa aparente frieza não deve ser confundida com falta de entusiasmo. "Para quem não entende muito de tênis, a impressão que se tem é que se trata de um esporte em que não se comemora, mas o tênis é assim mesmo."
Já na unidade do Sesc Pompéia, a torcida torna impossível qualquer manifestação que não tenha como intuito participar da animação. No Ginásio Primavera, palco de uma suada partida de futebol de salão, entre o SBT e a Unicor, os torcedores foram um capítulo à parte no espetáculo. Muitas reclamações quanto às faltas que deveriam, ou não, serem dadas pelo juiz; conselhos a respeito do que as jogadoras tinham de fazer em quadra, porque afinal todo bom brasileiro é meio técnico de futebol, e muito barulho. A cada gol a quadra tremia, os pés, compassados, promoviam o som de um rufar de tambores, e os apitos, cornetas e brados, muito bem-ensaiados, deixavam em dúvida se tratava-se de um jogo ou da quadra de uma escola de samba comemorando um campeonato. Mas, como samba e futebol são paixões com uma mesma essência, o tom era de uma harmonia quase musical. Donizete Pereira dos Santos, namorado de Tânia Cristina Pondes, que se preparava para a próxima partida, vê isso tudo como fundamental para incentivar o time e é romântico ao afirmar que, sempre que pode, procura estar com a namorada nos dias de jogo. "A gente sempre arranja um tempo para ficar junto", garante.