por Bernardo Ajzenberg
O jornalista e escritor Bernardo Ajzenberg, ombudsman da Folha de S.Paulo, fala do cotidiano de sua função e avalia a qualidade da informação na imprensa brasileira. A seguir, trechos de seu depoimento.
“Quando a Folha instituiu o cargo de ombudsman, em 1989, aconteceram algumas rusgas que não estavam previstas. Na verdade, ninguém sabia exatamente como ia ser aquilo. Naquele momento houve até uma polêmica de natureza, digamos, ideológica, envolvendo o Caio Túlio Costa - primeiro a ocupar o cargo - e o colunista Paulo Francis. Na verdade, uma divergência de opiniões. A partir daquele episódio, que foi bem ‘barulhento’, ficou estabelecida uma espécie de regra tácita de que não seria atribuição do ombudsman entrar no mérito das opiniões dos colunistas, por exemplo. Sua prioridade eram questões de técnica jornalística, ética, deontologia, serviços ao leitor, política editorial. O ombudsman deve se concentrar em três funções básicas: escrever uma coluna dominical na qual o ombudsman tem autonomia absoluta para publicar aquilo que ele considera interessante sobre meios de comunicação; cuidar do atendimento e encaminhamento de questões trazidas pelos leitores ou pelo público de maneira geral; e produzir uma crítica diária que é divulgada internamente, indo para a redação e para outras áreas da empresa - gerência, diretoria etc. -, que também tem certo caráter público na medida em que está disponível no site do jornal. O ombudsman não tem contato direto, pessoal, com os jornalistas. Existe uma estrutura formal bastante rígida em relação a isso. O que é bom, pois reforça a ‘instituição ombudsman’ e o profissionalismo da crítica dentro do jornal.Eu enxergo muito claramente, no dia-a-dia, se uma editoria acatou ou não determinada crítica. Porém, co-mo não existe uma obrigatoriedade em relação a isso, mesmo porque o ombudsman não tem poder executivo, nem sempre as críticas e opiniões são acatadas. Freqüentemente há divergências, o que é bom. Mas é possível observar em casos pontuais quando, numa cobertura mais longa, existe uma aceitação prática. Se fosse possível acompanhar ao longo dos anos o que os ombudsmans escrevem e o que o jornal publica depois, nem sempre há concordância, mas dá para perceber que existe uma mudança. Às vezes, são coisas sutis nem sempre muito evidentes para o leitor de imediato. Eu tenho tranqüilidade em dizer que, se não existisse a figura do ombudsman desde 1989, o jornal seria pior hoje. Não só pelas sugestões, mas pela cultura da autocrítica que a existência dessa figura ajuda a implantar. A crítica diária é um instrumento que ajuda as pessoas todo dia a lerem o seu próprio jornal de modo também crítico”.
Ao leitor “Às vezes, acontecem coisas meio folclóricas. É minoritário, mas acontece. Certa vez, dois senhores entraram na minha sala. Cabelos brancos, bermuda, sandália, uma dupla bem curiosa. Um deles chegou até mim reclamando que havia meses mandava cartas para o Painel do Leitor e as cartas não eram publicadas. E mais, ele tinha certeza que isso era um boicote do Boris Casoy. Esse senhor dizia que tinha mandado uma carta ao SBT reclamando do Boris e essa mesma carta teria causado problemas ao jornalista também na Record. ‘Ele (Boris) ficou suspenso quinze dias da Record por causa da minha carta’, dizia esse senhor. E continuou: ‘E eu tenho certeza que de lá para cá a Folha nunca mais publicou uma carta minha por causa do Boris Casoy, que manda na Folha’. Esse senhor me parecia normal, tinha se apresentado como escritor, e eu fiquei conversando muito tempo com ele e com o amigo dele. Ele me disse que tinha vindo de Curitiba só para reclamar disso. Só que é evidente que não. Eu peguei o nome dele e me comprometi a verificar por que as cartas dele não estavam sendo publicadas. Além disso, eu tive de explicar para ele que o Boris Casoy tinha saído da Folha havia quase vinte anos e que, como é óbvio, não mandava lá.”
Evolução cultural “Se compararmos a imprensa brasileira de dez anos atrás com a de hoje, iremos perceber que ela melhorou muito - em termos técnicos, de apuração, precisão e mais cuidados -, embora a gente tenha sempre a tendência de olhar o passado com certa nostalgia e achar que antes era melhor do que agora. Há uma evolução, que é lenta, mas que diz respeito a própria evolução cultural, mercadológica e política do país. As exigências dos leitores e a concorrência pressionam para uma melhora dos jornais. Em particular, os chamados grandes jornais no Brasil, até pela concorrência, foram obrigados a se aprimorar. Creio que, do ponto de vista de informação geral, o melhor jornalismo brasileiro ainda é feito nesses grandes jornais. Quem é capaz de cobrir, por exemplo, o tumulto dos camelôs que aconteceu dias atrás de uma forma minimamente decente? Os grandes jornais, que têm equipe para ir até o local, têm fotógrafos etc. O mesmo pode não acontecer no caso de coberturas que exigiriam mais profundidade como, por exemplo, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Eu não sei se a grande imprensa é o melhor meio para um evento como esse porque, embora ela possa fazer uma cobertura razoável, talvez não o encare com a profundidade devida, limitando-se a tratá-lo a partir da visão de um jornal de informação geral, enquanto publicações específicas - que existem e são, muitas delas, de boa qualidade - dão conta disso de modo mais adequado. Mesmo assim, creio que, hoje, não se pode prescindir dos bons jornais de informação geral, apesar dos problemas que eles têm. Eles são importantes, fundamentais para permitir a formação de opiniões e para que os cidadãos possam exercer, por intermédio deles, seu direito à informação.
Bernardo Ajzenberg é ombudsman da Folha de S. Paulo e esteve presente na reunião de pauta do Conselho Editorial da Revista E
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