Postado em 30/07/2021
FERRAMENTAS DIGITAIS PROMOVEM INCLUSÃO,
ACESSIBILIDADE E SUSTENTABILIDADE,
ENTRE OUTROS BENEFÍCIOS PARA A POPULAÇÃO
Na palma da mão, ou melhor, pela tela de um celular, é possível acessar aplicativos gratuitos, sites, redes e outras ferramentas digitais que nos conectam a soluções. Não apenas soluções de interesse individual, mas também coletivo. Propostas para lidar com desafios como acessibilidade, gestão de resíduos, mobilidade urbana e inclusão estão ao nosso alcance. Um cenário possível e palpável graças às tecnologias sociais, que caminham na contramão de uma tecnologia voltada à maximização do lucro a qualquer custo. Assim, buscam contribuir para a resolução de questões como desemprego, desigualdade social e desequilíbrios ambientais.
Professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Renato Dagnino reflete sobre esse cenário, revisando, inclusive, o termo tecnologia social. Em Tecnociência Solidária: Um Manual Estratégico (2020), explica esse novo conceito: “Por que tecnociência solidária,e não mais tecnologia social? Porque, quando a gente fala em tecnologia, está supondo que exista um conceito chamado ciência e outro tecnologia, mas não existe essa separação. E solidária porque a gente observa que o movimento mais importante, no sentido de construir essa sociedade mais justa, é a economia solidária”.
Em oposição à tecnociência solidária, o professor aponta que “a tecnociência capitalista está causando deterioração programada, obsolescência planejada, consumismo exacerbado, degradação ambiental e, agora, adoecimento sistêmico, com a Covid-19”. No contrafluxo dessa atuação e pensamento, a tecnociência solidária, ou tecnologia social, vem desenvolvendo plataformas digitais que fomentam outra forma de ser e estar no mundo, em meio a uma comunidade mais igualitária e sustentável.
Na prática
Pensando nisso, o pesquisador Milton Yukio Godoy Santos desenvolveu a Babilônia, uma plataforma de agricultura urbana sustentável cujo objetivo é viabilizar a produção de hortaliças em espaços ociosos. “Elas são cultivadas em canos contendo substratos gerados a partir da reciclagem de resíduos orgânicos domésticos ou comerciais. A economia de água e uma melhor produtividade são alcançadas através de um sistema de irrigação inteligente e da estrutura modular e verticalizada, respectivamente”, afirma o pesquisador, que desenvolveu a plataforma no Programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Milton conta que, durante o desenvolvimento da plataforma, teve a oportunidade de interagir com outros empreendedores e pesquisadores envolvidos com a aplicação de tecnologias sociais. “Por exemplo, um empreendedor que desenvolveu tecnologia de baixo custo para captação de água da chuva em comunidades carentes que não possuem acesso a água tratada, e outro que desenvolve projetos de hortas comunitárias em favelas do Sudeste do Brasil”, recorda.
Para o pesquisador, cada vez mais o poder público e as grandes empresas vêm investindo em iniciativas e projetos de impacto social. “Todo esse investimento acaba atraindo e engajando pesquisadores e empreendedores para o desenvolvimento e uso de novas tecnologias que buscam a simplicidade, o baixo custo e que possam impactar positivamente a sociedade”, observa. No entanto, grande parte da evolução desse tipo de ferramenta digital ainda é oriunda de iniciativas sociais ou de negócios de impacto socioambiental.
Caso do aplicativo Cataki, criado pelo movimento social Pimp My Carroça (PMC), para aumentar a renda de catadores de materiais recicláveis e ampliar os índices de reciclagem no Brasil. Disponível gratuitamente, esse aplicativo, que permite a localização do profissional de reciclagem mais próximo, ganhou em 2018 o prêmio Netexplo de Inovação Digital, durante evento na sede da Unesco, em Paris. Na ocasião, ele foi apontado como a principal plataforma digital de impacto social entre as 2 mil iniciativas que concorriam à premiação.
“O Cataki começou em 2017, na verdade, por uma necessidade, pois muitas pessoas procuravam o PMC atrás de carroceiros e catadores que pudessem fazer serviços específicos para interessados. O app surgiu para atender a essa demanda, aproximando geradores e catadores de resíduos, aumentando sua reciclagem no dia a dia e, consequentemente, sua renda e visibilidade. Hoje o aplicativo é ainda mais do que isso: criamos diferentes tecnologias sociais em prol dessa ligação entre o gerador e o agente de coleta”, relata Patrícia Rosa, coordenadora do Cataki.
Nos últimos anos, desde o lançamento da ferramenta, Patrícia contabiliza benefícios para mais de 3 mil agentes de coleta em mais de 500 cidades do país. Ao todo, eles tiveram um aumento, em média, de 65% da renda. “Com o aplicativo, nós aproximamos o profissional de coleta do público, transformando positivamente a ideia muitas vezes negativa que a população tem a respeito do trabalho (dos catadores e catadoras) e das pessoas que o executam”, complementa.
Capacitação para autonomia
A Tucum Brasil é outro exemplo de iniciativa que visa à autonomia e geração de renda. Nesse caso, para povos e comunidades indígenas, como os Krahô, Yanomami e Pataxó. Criada em 2011 por Amanda Santana e Fernando Niemeyer, a empresa assessora organizações indígenas na estruturação da cadeia produtiva do artesanato, no desenvolvimento de seus negócios, e também atua como parceira comercial na venda dos produtos. “A gente cocria tecnologias sociais para trabalhar, primeiramente, a questão da governança, para que se gere uma autonomia”, conta Amanda Rosa, sócia-fundadora e diretora criativa.
No final de 2020, a Tucum Brasil lançou o primeiro marketplace [espécie de loja virtual] no Brasil de artes indígenas, um projeto que estava sendo esboçado desde 2019, e que foi acelerado pela pandemia. “Tivemos que dar um curso (no ambiente virtual) de venda de artesanato online a seis organizações indígenas. Foram módulos sobre: gestão, logística, direito do consumidor, fotografia de produto e formação de comunicadores indígenas. Estamos mostrando às organizações a importância de mensurar quais impactos essa comercialização gera para dentro das aldeias, para as comunidades e na vida das mulheres (artesãs). Dessa forma, as pessoas [quem compra no marketplace] podem se sentir parte desse projeto”, analisa Amanda.
Enquanto a Tucum Brasil levanta resultados desde o lançamento da plataforma, a sócia-fundadora adianta que houve um retorno positivo de pelo menos três organizações. “As vendas estão fluindo bem e variam de acordo com a disponibilidade dos produtos. E nós queremos, ainda neste ano, capacitar mais grupos. Por isso, estamos buscando formas de viabilizar esse projeto para ter mais dez novos grupos em nossa plataforma”, acrescenta.
Modo contínuo
O processo de criação de uma plataforma digital ou aplicativo com foco em tecnologia social é bastante participativo, segundo a especialista em Experiência do Usuário (UX) Camilla de Godoi, da Eita – Cooperativa de Trabalho em Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão. “Anterior a qualquer tecnologia, para contribuir com a transformação ou inclusão social de um grupo, é preciso um processo de imersão e de empatia com a realidade na qual vamos interferir”, diz. “Nossos trabalhos ou serviços são sempre construídos por meio de um processo que cuida da inclusão e da colaboração com os grupos que nos procuram para desenvolver uma nova tecnologia.”
Outro aspecto essencial para a Eita, segundo Camilla, é que essas tecnologias sejam produzidas como software livre. “Isso porque a gente acredita que, para ser contributivo ou ‘social’ por completo, os mais diferentes grupos e populações devem poder usar e adaptar essas tecnologias às suas diferentes realidades”, destaca. Um exemplo recente de plataforma criada pela cooperativa é a Varal, criada em parceria com educadores do Coletivo 105 (DF) para educação popular em comunidades indígenas.
“A definição das principais funcionalidades, bem como as estratégias para atingir um público que tem dificuldade de acesso à internet e a equipamentos de última geração, fez com que a pesquisa por soluções e testes tivesse uma forte participação dos usuários, assim como as metodologias de utilização dos ambientes foram adaptadas a essa realidade”, compartilha Pedro Jatobá, mestre em Gestão Social e Desenvolvimento de Territórios, que integra a Eita desde a fundação. Com mais de um ano de existência da Varal, Pedro compartilha que já foram realizados cursos de agroecologia, identidade racial e de gênero, e economia solidária com estudantes de aldeias, assentamentos e quilombos do Brasil e de outros países da América Latina.
Apesar de a cooperativa Eita ter muita demanda — recentemente foi contratada pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) para realizar uma instalação personalizada desta tecnologia apenas com cursos da instituição —, ainda falta reconhecimento da importância da tecnologia social. “Os principais desafios para o desenvolvimento de tecnologias sociais são o correto entendimento do problema e a criação de uma base social que garanta o uso, a continuidade da aplicação e a sustentabilidade financeira para garantir que o serviço se mantenha funcionando e que se atualize diante dos avanços tecnológicos”, finaliza Pedro.
INICIATIVAS CONECTAM PESSOAS A SOLUÇÕES, SERVIÇOS E PRODUTOS
Nos mares da internet, nem sempre é possível “fisgar” soluções pensadas para uma sociedade mais igualitária, sustentável e acessível. No entanto, nas últimas décadas, plataformas digitais — aplicativos, sites e perfis em redes sociais — vêm somando alternativas para desafios como: geração de renda para pequenos empreendedores, gestão de resíduos, venda de alimentos orgânicos de pequenos produtores, entre outros. Com o objetivo de promover relações sociais, econômicas e culturais pautadas pela cooperação, solidariedade e equiparação de direitos, essas ferramentas têm o potencial de conectar, cada vez mais, pessoas a iniciativas sociais. Conheça algumas:
Recyclin
O mundo produzirá cerca de 120 milhões de resíduos eletrônicos até 2050, segundo relatório divulgado pela Coalizão das Nações Unidas sobre Lixo Eletrônico e pela Plataforma para Aceleração da Economia Circular. Esse grande problema foi o gatilho para que alunos de Engenharia de Computação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), do polo de Garça (SP), apresentassem, em 2020 a proposta de um aplicativo para a conscientização do descarte correto dos resíduos eletrônicos nos espaços públicos. Com o nome de Recyclin, o app mostra aos usuários os locais de coleta mais próximos ou agenda a retirada dos equipamentos na própria residência, por recicladores locais. Saiba mais: https://univesp.br/.
Feira Virtual ABCDMRR
A área formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, a ABCDMRR fica na Região Metropolitana de São Paulo. Apesar de ser reconhecida como responsável pela implantação e pelo desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, assim como em outras áreas, ela entrou em um processo de desindustrialização, com a saída de muitas empresas do setor automobilístico. Avançam, no entanto, outros setores, como o de serviços, impulsionado pela economia solidária. A Feira Virtual ABCDMRR é resultado de oficinas realizadas pelo Sesc São Paulo e pela parceria do Fórum Regional de Economia Solidária do ABC: uma plataforma de comercialização online de pequenos empreendedores das áreas de artesanato, alimentação, decoração, vestuário, entre outras. Conheça: https://economiasolidariadoabc.com.br/.
Guiaderodas
Empresa de tecnologia a favor da acessibilidade, o Guiaderodas nasceu da necessidade de seu fundador, Bruno Mahfuz, cadeirante, de proporcionar uma vida mais autônoma e inclusiva para todos. Para isso, criou uma plataforma dedicada a informações de acessibilidade e inclusão. Tanto no aplicativo Guiaderodas quanto no portal, milhares de usuários pelo mundo avaliam e consultam a acessibilidade física de locais, traçam roteiros de viagens acessíveis e se informam com notícias diárias sobre acessibilidade e inclusão. O aplicativo é gratuito, colaborativo, e o usuário pode avaliar (em apenas 30 segundos) espaços no mundo inteiro. Até o momento, foram avaliados locais de mais de 2 mil cidades de 115 países. Confira: https://guiaderodas.com/.
OFICINAS, CURSOS, BATE-PAPOS E OUTRAS AÇÕES DISCUTEM E LEVAM CONHECIMENTO SOBRE UM CENÁRIO ONLINE DE ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES
Vivemos um momento único da humanidade, no qual ações realizadas por organizações não governamentais, coletivos e indivíduos engajados são necessárias para transformar positivamente a realidade, assim como as ações do Estado. Diversas iniciativas da sociedade civil têm atuado de forma colaborativa, constituindo espaços de diálogo e criação de tecnologias e estratégias de mobilização social que apontam soluções para questões emergentes em seus territórios. Para ampliar as possibilidades de trocas de conhecimentos e práticas entre quem transforma seu território e quem deseja saber mais sobre o assunto, de 1º a 15 de agosto o Sesc São Paulo realiza o projeto Territórios do Comum. É uma ação em rede voltada ao tema da cidadania em suas múltiplas dimensões e possibilidades de colaboração.
A programação está dividida em dois eixos: o primeiro trata da mobilização social, do desenvolvimento de ações comunitárias voltadas para o bem comum, para a geração de renda, acessibilidade a pessoas com deficiência e sustentabilidade. Já o segundo eixo abarca as tecnologias sociais, digitais e artesanais que buscam a inclusão social e a melhoria das condições de vida em seus diversos aspectos, como alimentação, educação, energia, renda, saúde e meio ambiente. “Ao promover esse conjunto de programações com iniciativas que atuam com uma diversidade de tecnologias sociais, sejam digitais ou artesanais, esperamos difundir propostas que materializam um futuro desejável”, explica Midiã Claudio, assistente da Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.
Oficinas, bate-papos e outras ações apresentam caminhos para transformar nossa forma de ser e de estar no mundo, em uma postura mais cooperativa e responsável. Confira alguns destaques da programação:
ARARAQUARA
Bioconstruindo na Quebrada
Nessa série de oficinas sobre técnicas de bioconstrução, em que tanto o público da internet quanto os moradores do bairro Vale Verde, na zona norte de Araraquara, poderão aplicar o conhecimento em suas comunidades. A atividade será conduzida pelo educador Flávio Preto Rodrigues, líder comunitário e idealizador da associação Horta Comunitária da Zona Norte. Participa também a arquiteta e urbanista Bárbara Silva, bioconstrutora pelo Instituto Tibá, que atua na área da bioarquitetura com desenvolvimento de projetos de baixo impacto ambiental, gerenciamento de obras e capacitação em tecnologias de construção com terra e saneamento ecológico. (De 1 a 15/8, domingos, das 14h às 15h. No Instagram e Facebook do Sesc Araraquara. www.instagram.com/sescararaquara | www.facebook.com/sescararaquara)
AVENIDA PAULISTA
Plataformas de Cooperativismo: Uma Alternativa Possível?
Esse curso tem como objetivo apresentar exemplos de tecnologias sociais aplicadas em plataformas digitais. São aplicativos, sites e perfis em redes sociais utilizados por iniciativas que visam à promoção de relações sociais, econômicas e culturais pautadas pela cooperação, solidariedade e equiparação de direitos. Participarão dos encontros representantes do Recicle Mais, Recyclin, Castanhadora, Tucum – Marketplace das Artes Indígenas, Alerta Indígena Covid-19, Coletivo Señoritas, Pedal Express, Guiaderodas, Hand Talk, Telepatix, CPQD Alcance +, Artesol e Design Possível. (De 11/08 a 22/09, quartas-feiras, das 19h às 21h30. Inscrições a partir de 03/08, às 14h, em inscricoes.sescsp.org.br)
INTERLAGOS
Tecnologias Sociais e Energias Sustentáveis – Biodigestor de Baixo Custo
Nesse curso de tecnologias sociais e energias sustentáveis, o pesquisador e inventor Fábio Miranda (Instituto Favela da Paz – Periferia Sustentável) apresenta aos membros da Cooperpac (Cooperativa de Catadores Seletivos do Parque Cocaia) como construir um biodigestor de baixo custo, instalando na cooperativa um protótipo que produzirá gás de cozinha a partir de resíduos orgânicos, como sobras de alimentos. Fábio Miranda é gestor de Projetos em Tecnologias Sustentáveis e já desenvolveu múltiplos sistemas de energias sustentáveis, além de processos de conscientização ambiental e propagação de estratégias para uma cultura de paz. Criou o projeto Periferia Sustentável, cujo foco é a implementação de sistemas de energias renováveis e funcionais em comunidades periféricas em todo o Brasil. (Dias 04/08, quarta-feira, das 13h às 16h e 06/08, sexta-feira, das 10h às 16h. Vagas destinadas aos cooperados da Cooperpac)
VÁRIAS UNIDADES
Bike-a-thon Território Centro
Apesar de a bicicleta ser um dos veículos de transporte mais baratos e sustentáveis, ainda enfrenta desafios para ser incorporada às propostas de mobilidade urbana e direito à cidade. Nesse contexto, e inspiradas nas maratonas hackers, as unidades 24 de Maio, Bom Retiro, Carmo, Consolação, Florêncio de Abreu e Parque D. Pedro II realizarão o Bike-a-thon Território Centro, encontro que pretende reunir especialistas e iniciativas para criação de projetos e soluções aplicáveis para o uso da bicicleta no centro de São Paulo. O lançamento da ação acontecerá dia 11/8, às 19h, no YouTube do Sesc Consolação e Sesc 24 de Maio, e as mentorias serão realizadas via Zoom. (Inscrições de projetos a partir de agosto).
Mais informações: www.sescsp.org.br/territoriosdocomum