Postado em 22/07/2021
A cidadezinha do interior nunca mais foi a mesma desde que um inimigo invisível chegou para assombrá-la. Um inimigo vindo de longe, até então só tinha se ouvido falar dele pela televisão. Uma cidadezinha pequeninha escondida, protegida pela natureza, impossível de ser encontrada por esse inimigo mortal. A população o tratava como espécie de lenda urbana ou um mal dos grandes centros, das metrópoles, seguiam dormindo em paz achando que jamais seriam encontrados.
Olhares desconfiados, portas sendo fechadas, cadeados sendo trocados e os mais corajosos seguiam reunidos nas calçadas comentando o que havia acontecido naquela manhã nublada de inverno. Foram os primeiros sinais de que um habitante havia sido atingido pelo grande vilão que estava assustando o mundo. O medo de que ele pudesse estar “caminhando” pelas ruas da cidade fez com a rotina mudasse drasticamente.
As ruas ainda eram as mesmas, mas sem as crianças correndo por elas, os idosos já não ficavam pelas calçadas, os fiéis já não podiam visitar seus templos. Boa parte da população se encontrava com medo, porém em meio aos assustados se encontravam alguns incrédulos que insistiam em seguir a vida como se nada estivesse acontecendo.
A cidade já não era a mesma, na verdade o mundo não é mais o mesmo. Diante de um silêncio ensurdecedor a humanidade caminhava, distantes uns dos outros trazendo saudades das pequenas coisas, as gargalhadas da molecada nas ruas, as histórias de pescador nos bares, o sino da igreja, as modas de viola nas calçadas...
Os hábitos mudaram, diante dos lábios cobertos foi preciso aprender a sorrir com os olhos. O vazio que se encontra do lado de fora nas ruas, refletia dentro do coração de quem observa a vida pela janela entreaberta. Uma respiração profunda e uma prece silenciosa e o coração desejando que cada coisa fora do lugar se ajeite o mais rapidamente.
E assim como num passe de mágica acordamos do avesso, com a vida completamente de ponta cabeça, ruas vazias, inúmeras folhas secas voando em direção ao nada, um cenário que remetia àqueles filmes de ficção apocalípticos, nem de longe era o mundo com o qual estávamos habituados.
Escolas e estabelecimentos comerciais fechados e estacionamentos vazios, tão vazios quanto o coração daquele que olhava todo esse cenário através de uma fresta na janela, um aperto no peito e a sensação de habitar uma cidade fantasma. Assim poderiam ser descritos os primeiros dias da pandemia, angustiantes. Embora o cenário fosse difícil de ser encarado, algo ainda mantinha a humanidade motivada, a esperança. Sim, esperança em dias melhores, esperança de que aquilo fosse passar rapidamente e logo tudo voltaria a ser como antes.
O tempo foi passando, dias, meses e o cenário não mudava, a normalidade parecia tão distante, trancados e privados da liberdade e do contato real, limitando-se apenas ao virtual. Antes da pandemia imperava um grande individualismo, uma rotina enlouquecedora, sem tempo de enxergar o outro.
De repente um inimigo mortal e invisível chega, evidenciando a fragilidade da humanidade, fazendo-os questionar pequenas coisas, como a importância de um abraço, pois se antes o contato físico e os olhos nos olhos foram trocados por mensagens, chamadas vídeo entre outros meios virtuais, o vírus fez com que se desejassem esses encontros de forma presencial. E a grande ironia da pandemia, está justamente em desejar aquilo que não se pode ter, porém que sempre esteve à disposição, assim como um condenado que só conhece o verdadeiro significado da liberdade durante o cárcere.
Aquilo que para alguns parecia ser apenas um problema momentâneo vem se arrastando por mais de um ano. O tempo tem passado rápido demais e a situação ainda não se resolveu, após um longo tempo dentro dessa realidade, voltamos lá no início, onde tudo começou, para resgatar algo que talvez nunca tenha sido perdido: a esperança; a esperança em dias melhores e a volta da normalidade. Diante de tudo aquilo que foi perdido por conta da pandemia, a única coisa que não se pode perder é a esperança, pois no fundo no fundo foi ela que nos sustentou até aqui.
Thayná Caetano da Silva, 25 anos, é natural do município de Luiziânia, interior de São Paulo. Graduada no curso de Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium. Ao longo da trajetória de vida, participou de diversos concursos literários e premiações na área da escrita. Possui contos publicados em antologias diversas.
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