Postado em 20/07/2021
com todas as forças o sol e a lua se entrechocam as estrelas caem como testemunhas maduríssimas e como um carregamento de ratos acinzentados
Aimé Césaire, “Entre outros massacres”
Conheço um país no qual não consigo dormir nem acordar nele vivo de sonho em pesadelo
conheço um país, mas não o reconheço — quando em mim adentro suas tramas
armo-me até os dentes.
Aqui vivemos com uma mão na garganta e outra na corda.
Fios negros se desprendem das minhas vísceras quando falo dele puxo-os garganta afora, os dentes tremem,
a mão vacila
— um cordão às avessas — olho nos olhos da besta.
Conheço um país, ele mora em mim mesmo quando não moro nele:
a boca amarga, os ossos reluzem, todos os dias lhe quebram as pernas todos os dias ferem seu flanco, os pregos atravessam as palmas das mãos uma coroa de espinhos,
um cão faminto, todos os dias ele não morre nem sobrevive.
Puseram barro em nossos olhos
e veja nós vemos terrivelmente nós vemos
insistimos em cavar saídas, túneis abertos com unhas roídas de medo na boca do inferno, entre labaredas, não consigo dormir nem acordar.
Reconheço um país, mas não o conheço
faltam-me palavras para adentrar suas tramas
sob os meus pés a terra treme e do seu âmago o magma renasce há sete mil anos não se via tanta incandescência.
O meu país não tem nome, mas mora em mim
é chama ancestral.
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