Postado em 16/07/2021
Por Edu Dieb*
Peruíbe é uma cidade ali no fim da linha da Baixada Santista. Fim mesmo, como a estação Jabaquara do metrô. De lá, por sinal, saem os ônibus para o litoral sul de São Paulo.
Quando eu tinha 17 anos meus pais compraram uma casa de praia nessa pequena cidade que vive essencialmente do turismo, pesca e plantações de banana. Fora dos feriados prolongados e do verão, quando o número mais que dobra, hoje os moradores mesmo são pouco mais de 70 mil pessoas.
De Santos até Peruíbe são quase 80 km de praias em linha reta, sem baías, com poucos rios e córregos que quebram essa monotonia quando desaguam no mar. Em todo o percurso, paralelo às praias, o paredão verde da Serra do Mar é visível e imponente.
Para fugir da praia retilínea é preciso descer mais para o sul, cruzar o rio que batiza Peruíbe que, aliás, significa rio dos tubarões. Depois é questão de enfrentar a serra do Itatins e sua estradinha precária. Quem vai por ali acaba descobrindo a Prainha, Guaraú, Barra do Una e a cachoeira do Perequê, tudo ainda dentro dos limites do município.
No nosso primeiro veraneio por lá meu pai e meu tio, que tinham casa na mesma rua, inventaram que iríamos pescar antes da entrada da cidade, marcada pelas ruínas do Abarebebê (padre voador, em tupi), lugar considerado como o da primeira igreja erguida no Brasil e onde também havia uma aldeia indígena.
Fomos para a tal pescaria no Galaxy Landau do meu pai. O carro enorme comportava com muita folga ele, eu, meu irmão, meu primo, tio e a tralha toda de varas, carretilhas, anzóis e iscas.
Para quem gosta e sabe pescar, tantos quilômetros de praia e ar incrivelmente limpos formam um ótimo lugar para exercitar a arte da pesca de arremesso e, principalmente, a paciência.
Após dirigir cerca de 15 km sobre a areia da praia paramos num ponto qualquer e deserto. A serra do Itatins - que marca Peruíbe como o Corcovado o Rio - estava pequeno no horizonte, as construções da cidade já haviam sumido de vista e dos prédios e casas de Itanhém, cidade que antecede Peruíbe, não havia nem sinal.
Descarregamos tudo, montamos o equipamento e nos espalhamos pela praia. O mar limpo, com ondas de meio metro e três linhas de arrebentação proporcionou horas de arremessos, escapadas e fisgadas até que alguém falou: cadê a água?
Ninguém pensou em levar água. E o sol de verão em Peruíbe não estava ali para brincadeiras.
Já passava do meio-dia, a fieira com a dúzia de peixes que pegamos (pescadas e pernas-de-moça na maioria) foi colocada num samburá e tocamos de volta para a cidade, sedentos e vermelhos demais. Claro, novatos na praia esquecemos de duas coisas essenciais: água e protetor solar.
Passamos pelo Abarebebê e na avenida principal da cidade vimos um, dois, três bares fechados. No quarto boteco, o primeiro aberto, só pinga. E dois cachorros dormindo na porta. Era domingo e na época os mercados não abriam nesse dia.
Mais para a frente um bar funcionava. Vê cinco águas geladas, pediu meu tio. E tomou uma vaia de nós quatro.
Tem cerveja?, pergunta meu pai. E já ordenando solta um “vê cinco Antárticas bem geladas”.
Só tenho Malt 90, respondeu o dono do bar.
Malt 90 não era uma boa cerveja, aliás, estava bem longe disso.
Quase dez quilômetros nos separavam da cerveja boa e gelada mais próxima, por acaso, na nossa casa. Era urgente hidratar os corpos queimados de sol e as gargantas secas pelo sal do mar. E era a hora ideal, principalmente para nós 3, menores de idade, para bebermos uma ou duas cervejas.
Manda as cinco, pediu meu pai.
A conversa rolava solta, o volume das risadas subia ao mesmo tempo em que as cervejas desciam geladas pelas gargantas, mal parando nos copos.
E tudo era assunto para mais risadas, piadas e cervejas. Fracassos nos arremessos, a seca em pescarias anteriores, peixes pequenos viravam monstros enormes e escapavam depois de uma briga que deixaria Santiago, o pescador de O Velho e o Mar, com inveja.
Além de uma marca do sol no meu ombro ficou na alma a memória daquele momento.
Meses depois, já em São Paulo, comprei meia dúzia de Malt 90. Ficaram na geladeira por dias. Tirei uma que trincava de tão gelada. Abri. Sim, decepção é a palavra.
Entendi que, assim como o momento, cerveja alguma seria igual àquela da volta da pescaria em Peruíbe.
Quando tudo está bom, até a pior cerveja é a mais gostosa.
*Edu Dieb é editor, mestre em jornalismo e contador de histórias de pescador
A história contada por Edu Dieb é resultado do curso “Narrativas Afetivas de Viagem”, ministrado entre os meses de abril e maio/2021 pelo jornalista e escritor Daniel Nunes Gonçalves. O curso teve o objetivo de permitir que as pessoas possam viajar em relatos sensíveis baseados na memória enquanto esperam a retomada das experiências de viagens ao vivo. A atividade fez parte da programação de Turismo Social do Sesc Consolação. |