Postado em 23/06/2021
Por Deborah Esther Grajzer*
Todos os dias milhares de crianças cruzam fronteiras por razões variadas que, assim como os adultos, deslocam-se em busca de desenvolvimento, melhores condições de vida e oportunidades educacionais. Devido à pobreza e desigualdades sociais, adultos e crianças migram em busca de educação, saúde e moradia. Há ainda aquelas crianças que migram desacompanhadas em busca de seus genitores e outros parentes que já residem no local de destino. Conforme estudos, dos 80 milhões de pessoas deslocadas até o final de 2019 quase metade eram crianças menores de 18 anos de idade.
Enquanto o refúgio se configura como uma modalidade mais específica de movimento ou deslocamento forçado, o fenômeno geral da migração está atrelado aos fluxos domésticos e internacionais de pessoas ou grupos de pessoas de forma voluntária em busca de melhores condições de vida. Mas somente os refugiados têm direito à proteção internacional específica. Celebrado desde 2001, dia 20 de junho marca o Dia Mundial do Refugiado.
A criança, quando refugiada, se encontra em um espaço de maior vulnerabilidade, pois, além da categoria migratória, depara-se com sua condição enquanto ser humano de pouca idade e que precisa de proteção específica para seu desenvolvimento. Muitas vezes acabam por chegar aos países de destino sem conhecer o idioma e a cultura locais, sendo vítimas de preconceito, xenofobia, abusos sexuais, trabalho infantil ou tráfico de pessoas. Estão mais expostas às violações e colocam sua própria integridade física em risco durante todo o deslocamento.
O acesso à educação também acaba sendo comprometido, visto que crianças em situação de refúgio estão ainda mais propensas a estarem fora da escola. Pesquisas mostram que enquanto 91% das crianças em todo o mundo têm acesso ao Ensino Fundamental, apenas 50% das crianças refugiadas têm acesso a esta modalidade de ensino. A falta de documentação também pode levar à negativa de acesso à saúde e à educação por parte de alguns estados. Ainda há casos em que o sistema educacional é utilizado pela polícia como forma de detectar migrantes sem documentos por meio dos seus filhos.
Desenho de criança venezuelana da etnia Warao feita enquanto aguardava pelo atendimento de regularização migratória no Posto de Triagem em Pacaraima, cidade fronteiriça com a Venezuela
Em relação ao Brasil, nos últimos anos, observa-se um fluxo intenso de famílias venezuelanas em busca de uma vida melhor. Apesar de a fronteira entre Brasil e Venezuela permanecer fechada desde março de 2020 em virtude da atual pandemia de Covid-19, milhares de pessoas seguem atravessando pelas trilhas. Quanto maior o controle das fronteiras, um maior número de pessoas migrantes procura rotas mais difíceis e perigosas.
A maioria dos migrantes ingressa no país pela fronteira norte do Brasil, no Estado de Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado. Para receber e acolher parte dessa população, as Forças Armadas, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e organizações da sociedade civil administram 11 abrigos temporários da Operação Acolhida, em Boa Vista e Pacaraima. Diferente dos campos de refugiados, os venezuelanos que estão em abrigos têm liberdade de movimento, podendo sair a procura de emprego, prestação de serviços ou mesmo para realizar cursos profissionalizantes ou de idiomas.
Desde 2019, mais de 3 mil crianças venezuelanas foram reconhecidas como refugiadas. Embora nem sempre a criança seja vista como protagonista durante o processo migratório, seus gestos, falas, desenhos e histórias revelam a complexidade da situação de refúgio e seus desdobramentos para o desenvolvimento humano.
Conhecer o contexto nacional e internacional nos permite compreender e refletir sobre os impactos e consequências da migração forçada quando vivida durante a infância e adolescência. Neste cenário, torna-se necessário o engajamento não apenas de órgãos públicos, organismos internacionais, organizações da sociedade civil, como de cada um de nós enquanto sociedade para assegurar a prioridade absoluta e efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.
* Deborah Esther Grajzer é internacionalista e pedagoga, doutoranda em Educação pela UFSC, atuou como Assistente de Projeto na ONU Migração (OIM), integra o NEJUSCA - Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente da UFSC e o GECRIARP- Grupo de Pesquisas e Estudos Vigotskiano, Arte, Infância e Formação de Professores
Com o intuito de chamar atenção para o cenário delicado e urgente das infâncias em trânsito, o Sesc Rio Preto e o Sesc Santo Amaro pensaram uma programação que mobiliza as culturas das infâncias a partir de cantigas de ninar, canções de acalanto e cânticos de brincar por pessoas migrantes ou em situação de refúgio.
Como parte da programação do Dia Mundial do Refugiado, as unidades promoveram o encontro online "Lalaí – Canções de Ninar e Brincadeiras Cantadas no Mundo", com a musicista Renata Mattar (Brasil) e as cantoras Mah Mooni (Irã), Oula AlSaghir (Palestina) e Mariama Camará (Guiné), para propor uma vivência de compartilhamento de cantigas de ninar e brincadeiras cantadas de cinco países (Turquia, além dos citados). As brincadeiras convidaram o público a participar com voz, gestos e ritmos, proporcionando interatividade e momentos emocionantes de trocas culturais.
O podcast realizado pelo Sesc Rio Preto e o Sesc Santo Amaro envolveu seis pessoas migrantes com depoimentos sobre seu trânsito migratório, memórias de infância e cantigas de acalanto de seus países de origem. O intuito é chamar atenção para a infância como lugar de cuidado e afeto, além de destacar as contribuições culturais de pessoas migrantes no país. Integram os episódios do podcast Acalantos do Mundo, Fran Castellar (Venezuela), Tania Sahire (Bolívia), Amissão (Guiné-Bissau), Nduduzo Siba (África do Sul) e Fausta Faustino (Moçambique) como depoentes e cantores. A musicalização e toda a produção são do músico Otis Semilane Rename (Moçambique) e as artes de Sacha Bezrutchka (Brasil). Ouça os episódios: