Postado em 30/05/2021
No começo da pandemia, uma sirene ecoou. Diversas instituições e especialistas, entre eles o ex-diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) José Graziano da Silva (leia matéria Juntos contra a fome, na Revista E nº 285, de julho de 2020), alertaram e mesmo assim um quadro trágico se concretizou. Hoje 19 milhões de brasileiros passam fome e mais da metade dos lares brasileiros (55,2%), o correspondente a 116,8 milhões de pessoas, convivem com algum grau de insegurança alimentar, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Esse é o resultado de um levantamento feito em dezembro de 2020 nas cinco regiões brasileiras, abrangendo tanto áreas rurais como urbanas, e divulgado em abril deste ano.
Apesar da biodiversidade do Brasil (leia Entrevista com o cientista Carlos Nobre nesta edição), a falta do que comer é um enorme desafio para o país há muito tempo e está diretamente ligada à desigualdade, à dificuldade de acesso à educação, ao trabalho, à renda, entre outros problemas sociais intensificados pela pandemia. Diante dessa triste realidade, diversas iniciativas partiram da sociedade e foram impulsionadas por organizações, movimentos e até mesmo pequenos coletivos, a fim de levar alimento ao prato das camadas mais vulneráveis da população.
Segundo a coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília (UnB), Elisabetta Recine, a fome sempre foi uma motivadora da organização social. “A gente tem desde as ligas camponesas na luta pela reforma agrária, pelo acesso à terra, pelo direito a produzir alimentos, até mais recentemente todo o processo de democratização do Brasil, que teve entre suas grandes agendas a questão da alimentação. Então, temos uma história de luta pelo direito à alimentação que acompanha o país”, explicou no Sesc Ideias O Combate à Fome no Brasil, disponível no canal do YouTube do Sesc São Paulo.
Membro da Coalizão Negra por Direitos, que realiza a campanha Tem Gente com Fome (leia Mobilização Coletiva), o professor de História Douglas Belchior também participou desse Sesc Ideias, em que falou sobre essa iniciativa de amplitude nacional. “A campanha [cujo nome faz referência à poesia homônima do artista pernambucano Solano Trindade (1908-1974)] organizou um mapa feito por grupos que atuam nas periferias, favelas, quilombos, ribeirinhos do país inteiro, desde o Acre até o Rio Grande do Sul. Uma rede que compõe a Coalizão Negra por Direitos, com mais de 200 grupos, desde os movimentos negros tradicionais, até coletivos de juventude do país inteiro”, disse.
Esse mapeamento identificou 222.895 famílias a serem apoiadas em todo o território nacional. Uma campanha que, segundo Douglas Belchior, tem outra dinâmica e importância por ser feita por quem luta diariamente para ter o que comer. “A gente nunca deixou de conviver com a fome. E a história da fome precisa ser contada. Ela tem origem e há políticas, procedimentos e movimentos sociais que a reafirmam no tempo”, acrescentou.
Ao longo da pandemia, 8 em cada 10 famílias que vivem em favelas em todo Brasil não teriam se alimentado se não tivessem recebido doações, de acordo com informações da Central Única de Favelas (Cufa), organização criada há 20 anos pela união de jovens de várias favelas no país. “No começo da pandemia, percebemos que houve uma mobilização social muito grande para ajudar. Empresas e pessoas físicas doaram para o Mães da Favela, mas conforme o tempo foi passando sentimos que o volume caiu”, disse Preto Zezé, presidente nacional da Cufa. Tendo em vista essa queda, a Central Única de Favelas, a organização social Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista — com o apoio do União SP e cooperação da Unesco — criaram o Movimento Panela Cheia, em abril deste ano. Até o momento, essa ação já arrecadou mais de 76 milhões de reais a serem revertidos em alimentos para favelas de todo país. E os esforços não devem parar.
“É preciso de mais ajuda, que mais empresas se mobilizem, que mais grupos se articulem com as redes da Cufa nos estados. Estamos falando mais do que apenas doação de alimento, estamos falando de engajamento da sociedade, no sentido de construir um amplo movimento capaz de fazer da solidariedade mais que um evento. É fazer da solidariedade um movimento mais contagioso e mais forte que o próprio vírus”, reforçou o presidente nacional da Cufa.
DIFERENTES AÇÕES CONVOCAM A POPULAÇÃO EM REDES SOCIAIS E OUTRAS PLATAFORMAS VIRTUAIS
O desejo de ajudar pessoas na pandemia foi confirmado por uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2020. O levantamento apontou que 96% dos brasileiros querem ser mais solidários. Desse total, 68% agem por conta própria e realizam ações pontuais por falta de conhecimento de mobilizações coletivas, e apenas 27% se envolvem em ações coletivas. Por isso, várias iniciativas sociais compõem, na internet, um diversificado painel de campanhas contra a fome, indo ao encontro de diferentes públicos. Escolha a sua:
Movimento Panela Cheia
Diante da situação de calamidade, a Central Única de Favelas (Cufa), a Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista, com o apoio do União SP e cooperação da Unesco, criaram o Movimento Panela Cheia. O movimento busca arrecadar recursos para a compra de cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Para doações físicas, é necessário entrar em contato diretamente com os representantes locais das instituições parceiras. Saiba mais: www.panelacheiasalva.com.br.
Tem gente com fome
Para fazer a contingência da pior crise humanitária dos últimos tempos no Brasil, a Coalizão Negra Por Direitos, em parceria com a Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário, Grupo Prerrogativas e Fundo Brasil, realiza uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar fundos para ações emergenciais de enfrentamento à fome, à miséria e à violência na pandemia de Covid-19. Serão atendidas 222.895 famílias mapeadas por organizações sociais que atuam em bairros, favelas e quilombos nas 27 unidades federativas, sendo 26 estados e Distrito Federal. Saiba mais: www.temgentecomfome.com.br.
Tonkiri
Formado, em sua maioria, por mulheres, empreendedoras, mães e donas de casa, o grupo leva alimento e afeto a pessoas vulneráveis na pandemia. Por semana são doadas cerca de 500 marmitas para pessoas que habitam as ruas, comunidades e ocupações da cidade de São Paulo. A iniciativa é um pilar do instituto A Nossa Jornada e já atendeu as comunidades Linha Nova Jaguaré, Cingapura-Ceagesp, Diogo Pires, Zé do Boi, Rio Grande da Serra e Boqueirão. Saiba como doar: www.instagram.com/tonkiri_voa.
Brasil sem Fome
Fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Ação da Cidadania nasceu em 1993, formando uma imensa rede de mobilização de alcance nacional que se dedica a dar apoio às famílias brasileiras abaixo da linha da pobreza. Por causa da crise sanitária, a ONG lançou a campanha Brasil sem Fome, que no ano passado arrecadou mais de 10 mil toneladas de alimentos para mais de 4 milhões de brasileiros. Saiba mais: acaodacidadania.org.br.
Solidariedade Vegan
Iniciativa da empresária Vivi Torrico e do marido e músico João Gordo, da banda Ratos do Porão, a Solidariedade Vegan distribui marmitas veganas a partir de doações que recebe numa campanha de financiamento coletivo online. A ação conta com o apoio dos carroceiros do projeto Pimp My Carroça, que levam as quentinhas a diversos endereços, como o Centro de Referência e Defesa da Diversidade (CRD), que atende a população LGBTQIA+ em situação de extrema vulnerabilidade. Saiba como ajudar: www.instagram.com/solidariedadevegan.
Lute como quem cuida – Cozinha Ocupação 9 de Julho
Resultado da parceria entre o Movimento Sem Terra e o Movimento Sem Teto do Centro de São Paulo, essa ação promove a entrega de marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade. A cada compra de uma Quentinha de Domingo, uma refeição é doada. Saiba mais: www.instagram.com/lutecomoquemcuida.
PROGRAMA CRIADO PELO SESC SÃO PAULO AGREGA A PARTICIPAÇÃO DE CIDADÃOS EM CAMPANHA PARA ARRECADAR ALIMENTOS NÃO PERECÍVEIS
Integrada ao programa Mesa Brasil Sesc São Paulo, que há 26 anos une empresas doadoras e instituições sociais cadastradas, contribuindo para a redução da condição de insegurança alimentar de crianças, jovens, adultos e idosos e a diminuição do desperdício de alimentos, outra iniciativa inédita soma forças. Tendo em vista o atual contexto de aumento exponencial da fome, o Sesc convida a sociedade como um todo a participar da campanha Ação Urgente contra a Fome.
O objetivo é arrecadar alimentos não perecíveis e que não requerem refrigeração, essenciais para uma alimentação adequada e saudável de uma família. Os mantimentos podem ser entregues nas unidades do Sesc São Paulo e serão doados às instituições sociais cadastradas no programa Mesa Brasil Sesc São Paulo, que repassam os itens às famílias assistidas. São contempladas todas as camadas da sociedade que atualmente vivem em situação de vulnerabilidade social nos municípios onde o Sesc está presente e no entorno de cada região.
“Existe muita gente ávida por ajudar, mas que reluta em saber exatamente qual seria a melhor forma de efetivar sua colaboração. Nesse sentido, a reputação que o Sesc angariou ao longo de anos de comprometimento, acrescida da experiência de 26 anos do programa Mesa Brasil, pode ser um fator que auxilie na tomada de decisão consciente, tendo por objetivo a ajuda ao próximo”, explica Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo.
COMO AJUDAR?
Podem ser doados alimentos não perecíveis como: arroz, feijão, leite em pó, óleo, fubá, sardinha em lata, macarrão, molho de tomate, farinha de milho e farinha de mandioca. As doações podem ser feitas no horário de funcionamento das unidades do Sesc: são mais de 40 pontos de coleta em todo o estado. Para isso, foi criado um protocolo específico de atendimento para que os pedestres possam deixar suas doações com segurança, respeitando as recomendações sanitárias. Algumas unidades também contam com o sistema drive-thru de coleta. Apenas para a campanha Ação Urgente contra a Fome, aqueles que queiram deixar sua doação não precisam fazer agendamento prévio.
Confira mais informações: www.sescsp.org.br/doemesabrasil / www.sescsp.org.br/mesabrasil
Fonte: Mesa Brasil Sesc São Paulo - de março de 2020 a abril de 2021