Postado em 31/05/2021
Em março de 2020, a pandemia de Covid-19 tornou-se uma amedrontadora realidade no Brasil. Desde então, tudo mudou. Ruas, praças e parques ficaram vazios, comércios, serviços e instituições, tais como as escolas, fecharam suas portas. Bicicletas, bolas e brinquedos foram guardados. Cadê as crianças que estavam ali? Muitas passaram a brincar, a aprender e a conviver quase que exclusivamente dentro de casa. Outras tantas vivenciaram diversas situações que as privaram de poder permanecer em seus lares, com cuidado e segurança.
Repentinamente, professoras e professores de crianças e jovens depararam-se com dilemas éticos e dificuldades pedagógicas, técnicas e emocionais. Problema ainda maior quando se trata de docentes que atuam com a primeira e primeiríssima infância. Se, antes da necessidade de distanciamento social, a escola era o espaço privilegiado dos encontros (do conviver, do brincar, do desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das crianças), como ficaram agora as práticas e a vida pessoal dos profissionais da educação infantil com o impedimento dos encontros presenciais?
Educação remota, à distância, híbrida... Aulas síncronas ou assíncronas? Como fazer? Com quais ferramentas e materiais trabalhar? Para quem: crianças ou adultos? Como colaborar com as famílias envolvidas? Educadoras e educadores que atuam com bebês e crianças, tão habituados a cuidar, passaram eles próprios também a receber mais cuidado.
Interessado nas experiências e nos relatos desses profissionais, o Programa Espaço de Brincar do Sesc Jundiaí desenvolveu a ação “Cartas para 2020”, que integrou o projeto institucional do Sesc SP Cuidar de Quem Cuida. Professoras e professores de creches e pré-escolas, educadoras e educadores que atuam junto à primeira infância em instituições culturais, esportivas, educativas e em abrigos da cidade de Jundiaí e arredores foram convidados a ponderar sobre como suas vidas e seus trabalhos transformaram-se durante o ano de 2020 e o quanto esse novo cotidiano afetou seu estado psíquico, emocional e sua relação com a carreira docente.
O convite a essa reflexão se deu a partir da ideia de escrever uma carta direcionada ao ano de 2020, refazendo os caminhos, os sentimentos, as emoções e as escolhas feitas nesse período. Uma proposta de elaboração e partilha a partir do que cada um vivenciou como educadora ou educador, formal ou não-formal. E, também, um exercício de imaginação, já que o autor ou autora da carta se colocou em diálogo com o ano de 2020, personificando-o. Desse modo, o Programa Espaço de Brincar do Sesc Jundiaí almejou abrir um espaço de escuta, de acolhimento e diálogo entre esses profissionais, e registrar em uma publicação virtual os relatos daquelas e daqueles que atravessaram o ano fisicamente afastados dos bebês e crianças com quem trabalham.
Com a finalidade de alcançar um grande número de profissionais da educação que atuam com a primeira infância, inicialmente foi criada uma lista de e-mails de todas as escolas e creches públicas e privadas da cidade de Jundiaí e das instituições atendidas pelo programa Mesa Brasil que trabalham com esta faixa etária. O convite foi feito por meio de um vídeo artístico, no qual uma atriz encena momentos de reflexão e a escrita de uma carta para 2020, inspirado em trechos selecionados de mensagens redigidas anteriormente por educadoras do Sesc Jundiaí. O vídeo foi anexado aos e-mails dessas instituições e postado nas redes sociais da unidade.
Confira a seguir:
Aos poucos, cartas digitadas e registradas à mão começaram a chegar na caixa de correio, ops,... do correio eletrônico, carregadas de muitos sentimentos. Se fossem escritas em papel, talvez algumas tivessem vestígios de lágrimas, ainda que fosse possível entrever tantos sorrisos presentes nas frases de gratidão, de reconhecimento, de novas oportunidades e de momentos felizes em família.
Entre os meses de outubro e dezembro de 2020, foram entregues 24 textos, apresentados em forma de carta, de reflexões, de registros cotidianos, de bilhetes e de poesia. Ao ler as cartas, é possível notar ora um certo otimismo sobre a diminuição dos casos e da disseminação do vírus, com a esperança em dias melhores (até mesmo utilizando o humor como recurso), ora um cuidado parcimonioso em relação ao momento tenso e amedrontador. Além de alguns olhares pessimistas, aparecem também relatos saudosos da vida pré-pandemia.
A pandemia de Covid-19 foi retratada ou classificada nas cartas das seguintes formas: “desespero”, “caos”, “assustadora”, “dura, cruel e brutal”, tempo de “ausências” e “solidão”, rodeada de “incertezas”, “incompreensão”, “desinformação”, "confusão", “pânico” e “medo”. A propagação da doença foi justificada em algumas cartas como um “ciclo”, natural ou construído pelo progresso técnico da Humanidade, e também como fatalismos de cunho religioso. A fé e a ciência, esta em menor proporção, foram apontados como caminhos possíveis para que a crise gerada pela pandemia cesse, na opinião dos autores das cartas.
“Reinventar-se”, “criar”, “descobrir”, “aprender” foram termos recorrentes nas cartas, apontados como ações necessárias relacionadas ao trabalho realizado em 2020. O uso frequente das reticências em alguns textos parece apontar para a necessidade de uma pausa, que pode significar a angústia de não poder controlar o presente e de desconhecer o futuro.
O uso de “novas ferramentas”, “mecanismos”, “regras”, “espaços”, “condições de trabalho” de de "teletrabalho"passou a ser o cotidiano para muitos desses profissionais, o que nem sempre foi aceito com tranquilidade e otimismo. Embora uma pedagoga tenha relatado que, durante a ausência das aulas presenciais, esteve mais próxima das crianças em situação de abrigo com quem ela trabalha.
Muitas cartas narraram os desafios, as dificuldades e as alegrias do maior convívio familiar possibilitado pelo trabalho remoto. Em alguns textos, é possível identificar certa alegria em brincar, jogar, estudar com os filhos, poder vê-los passar por fases e momentos importantes, o que pode levar ao questionamento se estes profissionais vivenciam excessivas horas de dedicação ao trabalho.
Na leitura desse conjunto de cartas, sobressai a descrição da relação entre o “eu-mundo” voltada para dentro de si, de suas famílias e de suas casas. Perguntamo-nos se esse é um efeito da circunstância de uma pandemia viral, se representa uma escolha narrativa dos autores ou se faltam espaços e tempos destinados à reflexão coletiva sobre as estruturas da sociedade, quando da formação inicial e/ou continuada desses profissionais.
O compilado de cartas para 2020 está disponível nesta edição digital:
Uma dessas cartas foi dramatizada em vídeo. O texto referencial é da pedagoga Denise Tealdi, que atua na Associação e Comunidade Casa de Nazaré.
Outros Cuidados
A programação do Cuidar de Quem Cuida, do Sesc Jundiaí, também promoveu rodas de conversa virtual, estabelecendo o diálogo entre os profissionais da educação e a psicóloga Carolina Freire.
Nesses encontros, foram discutidas as circunstâncias emocionais e alguns caminhos possíveis para amparar as dores do momento. Nas redes sociais do Sesc, foi ao ar uma série de seis vídeos sobre autocuidado e técnicas que visam ao relaxamento, concentração e cuidados gerais voltados à saúde e ao bem-estar. Você pode acessá-los com em #CuidarDeQuemCuida!
Já em 2021, muitas incertezas ainda rondam as discussões sobre o retorno dos encontros presenciais nas escolas públicas e particulares de educação infantil, bem como a retomada do atendimento em outros espaços e instituições. Dúvidas ainda pairam sobre protocolos de segurança, estratégias metodológicas, escolha de materiais e brinquedos. Que os aprendizados ganhos nesse período possam ser cada vez mais compartilhados e que caminhos melhores, possíveis e brincantes para todos surjam desse contexto! Para tal, o Programa Espaço de Brincar do Sesc Jundiaí acredita que é preciso continuar cuidando de quem cuida!
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