Postado em 18/12/2020
Texto: Cláudia Dias Perez
Imagine se falássemos de cada fase da vida destacando todas as dificuldades que são enfrentadas? Se ao falar de um bebê, salientássemos o tempo todo como é difícil aprender a respirar, mamar, caminhar, falar, compreender o mundo a sua volta? Se ao mencionar a primeira infância, virássemos nosso olhar para os nãos das interações sociais e suas dificuldades? Ao pensar na adolescência, só falássemos de bullying e do perigo da sensação de inadequação? E na fase adulta, se o destaque ficasse só a cargo do que não foi feito na nossa vida, do que mudaríamos em nossa trajetória, dos arrependimentos?
Não parece ser coerente mas, mesmo assim, essa é a abordagem comum sobre o envelhecimento. Quando se fala em geral, os destaques são das limitações, das perdas em todos os sentidos, principalmente do ponto de vista médico. E quando se destaca um personagem, é sempre aquele fora da curva. “Como ficar sarado aos 80 anos”, traz uma manchete. Na foto, um homem bonito, que aparenta ter 50. “Como chegar aos 100 anos com qualidade de vida.” Cliquei na hora. Imagina poder ver netos tendo filhos e ainda – quem sabe! – participar ativamente das brincadeiras com as crianças?
O fato é que o futuro sempre assusta e o jeito com o qual se olha para ele depende de cada um, mas principalmente de uma cultura voltada a valorizar. Se deixarmos tantos mitos cristalizados – resumir o envelhecimento a processos biológicos, em que o idoso é descartável ou ainda um fardo para a família – naturalmente a questão amedronta. Se o foco for o medo, a resposta não pode ser boa.
Então foi caminhando na rua que me deparei com aquela capa de revista, bem diferente das manchetes que mencionei acima: “Como envelhecer”. Como um manual, de um jeito prático. Do mesmo jeito que cliquei nas matérias que mencionei, comprei a revista. E o olhar era carinhoso, respeitoso, real. Tomei a liberdade de falar com a equipe do núcleo Idosos da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros), que também atua na Administração Central do Sesc São Paulo, e sugerir: será que deveríamos fazer um curso de Ensino a Distância (EaD) sobre o assunto?
Para quem? Para quem ainda vai envelhecer. Para quem quer envelhecer. Para quem quer curtir envelhecer. E aqui cabe uma pessoa de 30, 40, 50, 60, 70, 80 anos e quem sabe até mais. Mas um espaço para que a teoria e a vida prática se encontrem, e dessa vez trazendo para perto os conceitos tão explorados no trabalho social com o idoso. Assim nasceu “Como Estamos Envelhecendo?”, curso livre com seis aulas modulares e independentes, gratuito e disponível online pela plataforma de EaD do Sesc Digital.
As indicações ideais foram as mesmas desde o início, e na produção veio a concretização. Tivemos a fisioterapeuta e especialista em gerontologia Cláudia Fló e o médico Alexandre Kalache falando sobre a percepção de que a velhice se constrói durante a vida toda, através do que aprendemos, mantendo laços sociais além da família, cuidando da saúde, fazendo uma reserva financeira. E a importância de que o entorno acompanhe, de que a cidade seja “amiga do idoso”, que na prática se resume a uma cidade que é boa para todos – para uma pessoa com carrinho de bebê, para alguém que machucou o pé, alguém que anda mais devagar, ou quem tem pressa também. Um conceito desenvolvido por Louise Plouffe e pelo próprio Alexandre Kalache enquanto ele era diretor do departamento de envelhecimento e saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) – evidenciando a importância de políticas públicas.
Com Diego Miguel Felix, professor na área de gerontologia, tentamos responder às perguntas que ele mesmo levanta sobre sexualidade LGBTQI na velhice: como preparamos os ambientes para que as pessoas se sintam seguras para exercer sua identidade de forma livre? Para que possam criar vínculos afetivos na velhice? E como incluir toda a população nas políticas públicas vigentes e que estão para ser desenvolvidas?
Era 28 de agosto de 2019 e estávamos no Teatro Paulo Autran, sem público, muitos equipamentos, luz, um set de gravação todo preparado esperando Zezé Motta e Eva Wilma. Rodamos e Zezé diz: “Se envelhecer pode ser a soma dos nossos amadurecimentos, erros, acertos, por que ainda assim temos tanto medo de ficarmos velhos?”. Naturalmente, eu pensava nos idosos com quem convivo e convivi e no olhar que tenho sobre eles. Até que Zezé, aos 75 anos na época, começa a lembrar de sua mãe e como ela viveu seu próprio envelhecimento. Na plateia, sua filha (e produtora) via o envelhecimento através da sua mãe e da sua avó. E todos comentavam paralelamente os olhares externos e distantes dessa realidade.
Então retomo, mentalmente, à importância da escolha do nome do curso. Como estamos envelhecendo. Uma sensação de que chegou a hora de olhar para dentro e nos prepararmos, com as ferramentas das quais dispomos, para viver o dia de hoje. E que sejam vários dias. Afinal, sempre está em tempo de envelhecer com qualidade.
Agora um novo exercício, diferente do que foi feito no início deste texto: imagine se falarmos da velhice destacando o lado bom? A beleza de conhecer bem a si próprio, de ter uma vida social ativa? De poder colaborar com a sociedade através do que aprendeu no caminho? Ter orgulho do que se construiu? E de manter vivo o prazer em aprender?
“Faz três anos que consegui colocar em prática o prazer de cantar.” Claramente, para Eva Wilma, não está na hora de parar aos 86 anos. Ela deixa claro que tratar da velhice deve ser como de qualquer outra fase da vida. Para mostrar que segue ensinando e aprendendo, escolhe a dedo a música que vai cantar.
“Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco sei
Ou nada sei”
Aproveito a deixa e concluo com a letra da música que Eva Wilma cantou, Tocando em Frente, de Almir Sater:
“Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou”
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