Postado em 15/12/2020
POESIA PARA LER O MUNDO
“A poesia é um fato inelutável.” Assim o linguista Roman Jakobson apresenta o que é a poesia num colóquio sobre o tema, em 1973. Mas do que é feita a matéria da poesia? Ritmo, métrica, sonoridade, composição.
Também é feita de imagens, de invenção de palavras, de quebra das formas que desenham na página outras concretudes. Ferreira Gullar diz que a poesia é feita de ar, de barulho, do sopro que anima as palavras.
Portanto, só existe o poema quando ele alcança olhos humanos, que podem vivificá-lo em sua voz/corpo/som. Falamos em poesia quando observamos uma função de alcance decisivo numa obra literária: a poeticidade.
Ela desloca o sentido das palavras de seus lugares, atuando como comportamento transformador e determinante do conjunto de elementos. Ao fazê-lo, produz pensamento.
Neste sentido, o presente dossiê sobre poesia contemporânea visa oferecer aos leitores e leitoras um sucinto panorama acerca do fazer poético e suas potências, a partir de referenciais diversos, concernentes ao conjunto de práticas envolvidas na produção, edição, publicação e circulação da poesia feita em nosso tempo.
Os artigos aqui presentes constituem-se como diálogos iniciais que apontam partes deste todo: desde as relações do poema com as artes performáticas e sonoras; a produção feminina e negra, com seus modos de romper o muro do cânone literário androcêntrico e predominantemente branco; até os movimentos de autopublicação e do fomento editorial independente como via para novos autores e autoras.
Beatriz Azevedo, pesquisadora de pós-doutorado UNICAMP/FAPESP, doutora em Artes e mestre em Literatura Comparada pela USP, além de compositora, poeta e performer, traça as correlações entre poesia e performance a partir de experiências realizadas em diálogo com tradições teóricas e práticas da linguagem poética.
Poeta, linguista e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas, Carlos Vogt discute duas formas poéticas, a do poema curto e do poema longo, a partir das influências do movimento modernista, suas oposições e vanguardas formais.
Sylvia Helena Cyntrão, doutora em Literatura pela UnB, com pós-doutorado na PUC-RJ, apresenta uma reflexão acerca da música popular e as inscrições simbólicas presentes em suas letras, que ecoam o ethos dos grupos que espelham a assimetria de uma consciência brasileira.
O poeta e pesquisador Daniel Viana traça o circuito dos poetas de rua em São Paulo e os intercâmbios do fazer poético sobre e na cidade.
Alexandre Facuri Chareti, tradutor e doutorando no Programa de Pós- Graduação em Línguas Estrangeiras e Tradução, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, visita o passado da poesia árabe e apresenta um dos personagens mais interessantes da poesia antiga de língua árabe: Abū-Nuwās. Sua irreverência e temáticas libertinas e do vinho levaram-no a figurar como personagem das Mil e uma Noites.
Também na Antiguidade, Giuliana Ragusa, professora doutora de Língua e Literatura Grega da Universidade de São Paulo, se debruça sobre a poesia praticada por mulheres na Grécia Antiga e reflete sobre a variedade de gêneros, temáticas e linguagens exploradas pelas poetas conhecidas como “as nove musas mortais”.
Patricia Anunciada de Oliveira, escritora, professora e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de São Paulo, discorre em seu artigo sobre a publicação Cadernos Negros, enfocando sua longevidade e impacto na produção poética de autoria negra no Brasil.
Em seu ensaio, Antônio de Pádua Dias da Silva, professor e pesquisador de Estudos de Gênero na Universidade Estadual da Paraíba, centra-se na produção das poetas Cida Pedrosa e Luiza Romão para tratar da relação do corpo, da sexualidade e do empoderamento feminino.
Ana Elisa Ribeiro, doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais, apresenta um breve panorama das mulheres editoras de poesia e suas editoras independentes como um caminho para a autonomia e livre curadoria editorial.
Natália Nolli Sasso, poeta, performer e programadora cultural no Sesc São Paulo, provoca os sentidos ao evocar a poesia erótica e sua relação entre os grupos identitários que produzem e leem este subgênero.
A seção seguinte da revista conta com cinco artigos de variadas temáticas.
O primeiro texto, elaborado por Katia Rubio, professora da Universidade de São Paulo, analisa as origens do esporte e do Olimpismo como fenômenos singulares e interrelacionados que marcam a história do século XX.
Professor de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, João Cezar de Castro Rocha discorre sobre o pensamento social brasileiro por meio da análise das modificações nas edições de Raízes do Brasil, a fim de compreender o sentido e a pluralidade das reflexões acerca da formação do país.
As diferentes perspectivas da Educação Especial e da Educação In- clusiva, as ressignificações de palavras-chave e as possibilidades para um novo uso e apropriação das palavras “autonomia” e “interdependência” são abordadas no artigo de Marcos Cezar de Freitas, antropólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos.
Emmanoel Ferreira, professor da Universidade Federal Fluminense, examina os primórdios dos videogames no Brasil e as práticas de clonagem e pirataria no país, relacionando-as a uma busca por soluções alternativas e criativas que se fazem presentes ainda hoje no cenário nacional de desenvolvimento de games.
A pesquisadora Gabriela Andrietta descreve o caminho percorrido pelo cinema sul-coreano, que se posiciona atualmente como um dos mais rentáveis do mundo em termos de arrecadação de bilheteria, analisando a política de cota de tela, as alianças estratégicas com o capital transnacional e os investimentos em produção e exibição.
Do curso Sesc de Gestão Cultural, foram selecionados para esta edição três artigos elaborados por ex-alunas e ex-alunos: Isabel Roth e Juliana Barreto apresentam um estudo comparativo sobre as estratégias políticas dos institutos culturais de promoção cultural externa do Brasil e da Alemanha; Carlos De Nicola, Genésio Manoel e Max Santos abordam a formação leitora e sua relação com o hábito de leitura de livros no Brasil; e Darly Prado Gon- çalves, Jair Aparecido Gusman Pedrosa e Mário Sérgio Barroso analisam a gestão pública da cultura em três cidades do interior de São Paulo.
Em diálogo com o tema do dossiê, o entrevistado é o escritor, educador e agitador cultural Rodrigo Ciríaco, que apresenta a Pedagogia dos Saraus, estruturada a partir da prática construída com crianças e jovens, a princípio dentro de escolas públicas da periferia da Zona Leste paulistana, que extrapola os muros da escola, culminando em ações socioculturais no território.
Publicados pelas Edições Sesc, os três livros que compõem a Coleção Bibliofilia, de autoria de João Adolfo Hansen, Yann Sordet e Michel Melot, e Retratos latino-americanos: a recordação letrada de intelectuais e artistas do século XX, organizado por Sergio Miceli e Jorge Myers, foram resenhados pelos professores Giulia Crippa e Afonso Rocha Lacerda, respectivamente.
O escritor e editor da Selin Trovoar, Ni Brisant, traz um texto inédito que pondera os desejos de quem parte e quer voltar.
A ilustração que acompanha o texto é de autoria da artista visual Ísis Daou.
Eder Martins, historiador, fotógrafo e pesquisador no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, fecha a edição com um ensaio fotográfico que busca decifrar a cidade pelas imagens e conversar com a poesia que nela habita.
Boa leitura!
Danilo Santos de Miranda
Diretor do Sesc São Paulo