Postado em 09/12/2020
Era manhã do dia 26 de julho de 2020, meu filho Francisco e eu fomos dar uma volta na quadra de casa para tomar um pouco de sol. Na época o meu filho tinha 2 anos e 10 meses de idade. Coloquei a minha máscara e peguei outra para ele. Quando fui ajudá-lo a colocar sua máscara ele me perguntou:
- Papai, por que temos que usar máscara?
Sendo pai e educador, me senti na obrigação de dar uma resposta que justificasse o ato e, ao mesmo tempo, pudesse ser compreensível para ele. Então, sem hesitar, respondi explicando a situação:
- Existe um vírus, chamando coronavírus (COVID-19), um bichinho muito pequeno, não dá para vê-lo, mas, se entrar em nosso nariz, pode nos deixar muito doentes. E se isso acontecer não poderemos ver a mamãe e nem a sua irmã Sofia.
Convictamente, ele me respondeu:
- Então vou usar máscara para o coronavírus não entrar em meu nariz!
E, desde então, por onde vamos, ele é o primeiro a lembrar das máscaras. Por onde passa é admirado por fazer algo que, na verdade, é obrigação de todos.
Para o meu filho eu não precisei desenhar. Uma pequena dose de empatia, após compreender a gravidade da situação, foi suficiente para adotar uma atitude responsável de cuidado contínuo consigo e com o próximo. Além da máscara, sempre que sai ou toca em objetos fora de casa, ele usa álcool em gel, água e sabão para higienizar as mãos. Quando chega à nossa residência, tira o calçado na porta para entrar. Educamos com as palavras, inspiramos com o exemplo e transformamos com a atitude. Assim, plantamos sementes de esperança para o futuro.
Certo dia, estava andando pela rua de casa com as minhas duas cachorras (Luna e Cacau), distraído e olhando para o alto observando alguns pássaros cantarem. Quando, de repente, ouvi de uma casa da vizinhança, um grito rouco esbravejante: "Eu vou morrer! Vocês vão me matar! Não aguento mais. Eu quero sumir". E cessou. O silêncio tomou conta da casa. O grito foi tão alto e estranho que, assustados, os pássaros que eu observava saíram voando imediatamente. As minhas cachorras levantaram as orelhas e ficaram em alerta.
A impressão que eu tinha daquela casa era de ser um lar calmo e pacífico. Mas o que que aconteceu? Será que a pessoa morreu mesmo? Acho que não, pois haveria gritos e choros do restante da família. Acho que simplesmente ficaram atônitos. Ou pararam para refletir sobre a situação e as suas motivações. Senti que naquele grito pudesse ter algo mais, um acúmulo de 7 meses de isolamento social, trancados em casa. O que levou a pessoa chegar nesse ponto? Foram as relações próximas ou as relações distantes que a pandemia proporcionou? Foi a convivência intensa ou a ausência? Foi o medo ou a exigência de coragem? Foi a angústia ou a ansiedade? Foi a parceira ou a solidão? Foi o excesso ou a falta? Foi a incompreensão ou pressão?
Não sei se me identifiquei ou simplesmente estou curioso para entender o que aconteceu. Talvez a cabeça estivesse cheia, os nervos tensos, o psicológico abalado e o coração aflito diante dessa situação atípica para todos nós. Acredito que a pessoa estava precisando daquela exortação, um grito de liberdade para os pensamentos e as angústias que a perturbavam.
Essa situação me fez refletir sobre os sentimentos que me ocuparam nessa pandemia. Isso me fez pensar que cada represa tem a sua capacidade, ao perceber que o reservatório está enchendo precisamos liberar aos poucos, pois se acumular, uma hora vai estourar e as consequências podem ser devastadoras. Como você está gerenciando o seu reservatório de sentimentos? Não deixe a sua barragem estourar, pode ser irreversível.
Eu quero brincar
Eu quero divertir
Eu quero chorar
Eu quero sorrir
Eu quero pular
Eu quero cair
Eu quero abaixar
Eu quero subir
Eu quero fechar
Eu quero abrir
Eu quero ficar
Eu quero partir
Eu quero gritar
Eu quero sorrir
Eu quero chorar
Eu quero explodir
Eu quero pegar
Eu quero abrir
Eu quero entrar
Eu quero sair
Eu quero olhar
Eu quero ir
Eu quero tocar
Eu quero sentir
Eu quero tentar
Eu quero conseguir
Eu quero voar
Eu quero subir
Eu quero que olhe para mim
Estou aqui na sua frente
O meu querer é sem fim
Eu quero brincar pra sempre
Ass. CRIANÇA
Ricardo Hidalgo Santim é professor, escritor e palestrante. Formado em Licenciatura em Física, mestre e doutor em Ciência dos Materiais pela UNESP. Professor por vocação, já lecionou Física na UNESP, UFMG e IFSP, onde desenvolveu pesquisas na formação inicial e continuada de professores. Escritor por necessidade de expulsar as ideias que incomodam os seus pensamentos, arrisca escrever poesias, contos e algumas histórias na literatura infantil. É fundador da Educação TecnoAtiva, uma empresa que acredita no potencial inovador das Metodologias Ativas e das Tecnologias Educacionais para transformar a educação e proporcionar melhores resultados para alunos, professores e gestores. Ricardo é um sonhador militante, gosta de aprender para minimizar o desconhecido e de compartilhar o que tem aprendido.
Que sensações - palavras têm habitado em ti nestes tempos de isolamento social?
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