Postado em 29/09/2020
Da infância, uma das minhas recordações mais vivas é a de meu pai me levando a um cinema de rua na Av. Paulista. Eu me lembro que sentávamos em um canto afastado, assistíamos juntos e ele lia baixinho as legendas dos filmes que eu ainda não tinha idade para acompanhar.
A memória afetiva desses momentos representa o que o cinema, por meio de narrativas que nos emocionam, aponta como possibilidade. O cineasta Andrei Tarkovsky dizia que “o espírito de comunhão é um dos mais importantes aspectos da criação artística”. O cinema, então, é essa arte que proporciona o estar juntos, nos leva a rir e suspirar em uníssono.
O Sesc São Paulo sempre compreendeu a potência do cinema como agregador de pessoas e ideias e vem realizando um amplo trabalho no segmento audiovisual em suas unidades. De modo abrangente, as exibições se dão em salas escuras, mas também nas piscinas, nos mirantes, nos bosques e nas praças. Os filmes podem ser vistos em variados dispositivos e a linguagem tem sido experimentada em diferentes perspectivas.
Mas eis que fomos pegos de surpresa por uma pandemia, na qual o principal perigo se converte justamente nesse ato de ficar juntos. E agora?
Como pensar em ações audiovisuais sem espaços físicos para a exibição?
O cinema na internet não é uma novidade. Diferentes canais de streaming e plataformas de aluguel de filmes já substituíram as antigas locadoras e vêm amedrontando alguns cinéfilos que os encaram como um prenúncio da morte do cinema presencial. Contudo, nesse tempo de distanciamento, o audiovisual segue firme na rede, por meio de uma produção profícua e inovadora, mobilizando todo o mercado cinematográfico.
Programações especiais, filmes rodados em isolamento, mostras com curadorias articuladas e encontro com realizadores têm elevado o potencial da internet como local de possibilidades múltiplas.
A experiência da plataforma de Cinema #EmCasaComSesc, com um olhar abrangente para a seleção de filmes, possibilitou retomar o trabalho que estava sendo realizado presencialmente nas unidades. Conjuntamente, a oferta dos filmes na rede ampliou o público, visto que o online alarga os limites de território, tendo a plataforma em três meses atingido mais de 500 mil visualizações.
Os festivais e mostras de cinema também tiveram de se reinventar e se adaptar ao espaço virtual, o que se mostrou menos uma restrição e mais uma abertura para novos públicos e pensamentos. Houve a facilitação do acesso aos festivais que, sem o limite espacial e de deslocamento, receberam um caráter mais nacional e menos regional. Ao mesmo tempo, promoveu uma renovação nas programações, abrindo espaço para a participação de novas filmografias.
Outra novidade foi o retorno dos cines drive-ins, que ressurgiram como uma oportunidade de vivenciar uma sessão em conjunto, porém sem um real contato.
Para além das exibições, vimos no CineSesc Drive-In a possibilidade de mobilizar profissionais da área cultural que se encontravam parados por conta da suspensão dos espaços culturais.
Diante deste inesperado cenário, é importante observar que todas essas experiências não determinam o encerramento do cinema como ação coletiva. Ao contrário, o amplifica e confirma o imenso potencial que a sétima arte carrega. Em suas múltiplas telas, os filmes continuam a nos sensibilizar conjuntamente, já que, como observou o diretor Wim Wenders, o cinema é a arte que apreende a essência das coisas, capta o clima do seu tempo, exprime suas esperanças, angústias e desejos, numa linguagem que compreendemos de forma universal.
Cecília De Nichile, formada em Audiovisual pela ECA-USP, com mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é assistente de cinema da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo. revistae | instagram