Postado em 03/09/2020
*por Maura Pereira
O curta-metragem Um Dia Comum apresenta cenas corriqueiras na vida de uma jovem mulher, evidenciando o assédio sofrido rotineiramente por milhões de nós todos os dias. Tanto a escolha do tema, como a execução do projeto foram realizadas por alunos do Curso Olhares de Bertioga, dentro do projeto Laboratório de Cinema do Sesc Bertioga - uma iniciativa que propõe o Cinema como arte para todos e todas.
Os critérios de escolha do tema representado na história foram definidos coletiva e democraticamente pelos alunos. A possibilidade de execução do curta mostra como a cultura audiovisual pode trazer elementos de identificação social e educacional, possibilitando uma reflexão a respeito da elitização da indústria do Cinema e como ações como esta podem tornar essa linguagem verdadeiramente acessível para diferentes públicos e camadas sociais.
O tema definido para o filme é, em si, um reflexo da sociedade atual na qual esses jovens estão inseridos, retratando por meio de um olhar contemporâneo e de forma aberta, como o dia-a-dia de tantas mulheres pode ser impactado por uma cultura patriarcal e machista - embutidas na sociedade.
Tão corriqueiro como o “dia comum” da personagem, é tratar sobre temas como machismo, assédio, feminismo, homofobia, racismo, entre outros - vistos como tabus ao longo de décadas. Estes são temas próprios dessa geração – penso que se eventualmente esse exercício fosse feito há alguns anos atrás, esses assuntos provavelmente não estariam em pauta na produção de um filme feito por jovens em uma pequena cidade litorânea. Nesse sentido, o próprio nome do curta, Um Dia Comum, reflete também sobre o momento atual da sociedade, no qual essas discussões têm se tornado cada vez mais importantes e corriqueiras.
Ainda hoje, vemos este tipo de violência se reproduzir em todo o mundo, como reflexo de um modelo de sociedade ultrapassada, com estrutura hierárquica misógina e violadora, mostrando a pertinência de estas formas de violência contra a mulher serem colocadas em pauta, a fim de modificar essa cultura de assédio que temos suportado por gerações.
Contextualizar essa realidade, em oposição ao mero entretenimento que consumimos ao assistir produtos comerciais, é também revelador da urgência em se pensar uma nova forma de se fazer Cinema, pois a sétima arte pode ter um papel altamente educativo, e ser uma grande aliada para uma formação humanista.
Ao assistir e discutir obras do Cinema, é possível desenvolver a construção de uma consciência de coletividade, que nos ajuda a compreender quem somos e como somos representados, contribuindo para a construção de identidades particulares e sociais.
Quando assistimos a um filme, somos levados para dentro de uma história pelo olhar e sentimentos de outras pessoas, possibilitando o despertar da empatia em nós. É esta empatia que nos faz torcer pelos mocinhos ou ter raiva dos vilões. Porém, a partir das interferências da denominada Indústria Cultural, ocorre certa apropriação do Cinema pelo mercado, esvaziando-o de uma amplitude de possibilidades de abordagens, que contribui para a continuidade de um processo de exclusão social e cultural.
É preciso colocar em evidência iniciativas que estão do lado oposto de uma lógica exclusivamente comercial, para que novos atores e fomentadores possam surgir e entender que é possível utilizar essa linguagem como ferramenta de resistência cultural, educacional, social e política. Esta concepção sobre a linguagem cinematográfica pode inserir diferentes esferas e classes sociais neste campo, e de forma independente utilizar o Cinema como fator gerador de mudanças e reflexões sobre as estruturas da nossa sociedade.
* Maura Pereira é produtora e exibidora de cinema de guerrilha. Integrou coletivos independentes em comunidades no Estado de São Paulo e participa de projetos de exibição pública na cidade de Bertioga. Também é ex-aluna de diferentes turmas do Lab_Cine Sesc Bertioga. Seu principal projeto no momento é o Cine Campinho, uma iniciativa inovadora realizada na comunidade da Vila da Mata, ocupação humana em área de preservação permanente, no bairro de Guaratuba - Bertioga. Chamada de "a maior sala de cinema do mundo", os moradores da vila organizam sessões de filmes infantis no campo de futebol da comunidade, transformando-o em sala, e suas traves em tela, onde “as estrelas são o teto e o céu é o limite.”