Postado em 02/09/2020
Por Anderson Tadeu de Campos*
Atualmente chegamos ao extremo das condições de relacionamento, ao ponto de não entendermos as reais sensações do trato social, ou seja, a imprevisibilidade nos cerca e passa a ser o principal destino, a incerteza do futuro.
O futuro destaca um grupo especial de pessoas, os jovens: cheios de vida e com o brilho incandescente dos olhos, reveladores de inseguranças; e presos nos espaços físicos e imaginários das pressões exercidas pela sociedade.
Assim, entendemos a diversidade do conceito de Juventudes, e sua amplitude de desejos e enorme capacidade de transgressão, ligada a alteração dessa ordem que molda e limita ações, tentativas e sonhos. ”Eu vejo na tv o que eles falam sobre o jovem não é sério, o jovem no Brasil nunca é levado a sério”, esse trecho da música do grupo Charlie Brown Jr. apresenta um panorama real do que é ser jovem na contemporaneidade, ou seja, o período que deveria ser de enormes descobertas e fruição de desejos é caracterizado e forjado pela pressão de exercer uma vida adulta. Alienação ou revolta, modelo ou sonho, função ou liberdade, são caminhos antagônicos e possíveis para os jovens, sendo símbolos chave desta fase, onde o acerto e erro andam juntos, amparados pelo princípio da errância.
“O valor do homem depende do lugar onde está”, e refletindo sobre palavras do intelectual Milton Santos, trazendo essa perspectiva de ser e existir nesses espaços, nesses lugares onde as individualidades e coletividades são dimensões contraditórias nas vivências e experiências nas Juventudes contemporâneas, que absorvem e sofrem diferentes opressões, para alguns, essas opressões são resquícios de um passado não tão distante e presente, a escravidão.
De enorme violência histórica praticada com o aval do estado, deixou chagas e estigmas para a atual população brasileira, em sua maioria preta e parda. Neste período, havia as senzalas, esses grandes alojamentos que eram as moradias das pessoas escravizadas nas fazendas de café. Mesmo vivendo em condições subumanas, as senzalas “são” espaços de resistência. São porque ainda existem, e através dos tempos enraizaram marcas que encarceraram histórias, imaginários, e a liberdade da nossa mente. Mas está comprovado, mentes resistem, transgridem acima daquilo que os cerceiam.
Dizem que o processo criativo se dá conjuntamente com a liberdade, inexistente escravidão; e, mesmo assim, o período não privou a capoeira, a oportunidade de fuga para os Quilombos, a propagação das crenças e culturas crivadas. “Liberdade pra dentro da cabeça” (Natiroots), este trecho da música nos mostra a necessidade de destacarmos os territórios de resistência. Assim realizamos o levante, aqui a senzala é entendida como território de resistência, em conjunto com mentes transgressoras, ávidas por essa essência libertária.
A juventude é um eixo da sociedade que não está sucumbido à falta de criatividade, pois sua sobrevivência depende desse território provido pelas senzalas. É fácil destacar a escola como um espaço opressor e limitador, com um currículo tecnicista, com o objetivo de suprir as demandas do mercado, onde jovens são tratados como números e salas são celas, provocando a ruptura com os saberes locais, aspecto limitador de mentes. E mesmo assim, sobrevivem aos impactos desse sistema, produzindo arte, transformando a cultura em seus territórios.
Como as mentes libertárias, as periferias são locais de encontro, onde as escolas são fechadas para o saber e mesmo assim fora dos seus muros a arte é o principal elemento de desenvolvimento local e transformador de perspectivas de vida. Com certeza jovens que fazem arte nos espaços que habitam, desenvolvem-se e apoiam suas comunidades, promovendo encontros de real teor socioeducativo, capazes de transformar e libertar pensamentos.
Saraus, slams, grafitt, funk, são elementos produzidos principalmente na desigualdade dos territórios periféricos. São essenciais para sobrevivência das culturas juvenis. Movimentos como esses trazem sentido ao propósito de ser jovem, na luta contra as propostas impostas pela enorme violência estrutural e cultural, praticada, e fundamentada no discurso da sobrevivência, onde jovens são preparados apenas para o trabalho, e esse é o principal formato de encarceramento das nossas mentes. Não podemos deixar que falsos sonhos limitem a nossa capacidade de resistir, de mexer com o caos em prol da superação das desigualdades impostas.
O grupo Racionais MC’s, no ano de 1992, lançou o seu segundo álbum, com o objetivo de dar um toque às mentes encarceradas, o titulou com o dilema “Escolha o seu Caminho.” Naquela época a representatividade para os jovens, em especial os periféricos, trouxe um alento, uma voz de fé e esperança, de confronto ao sistema. “A juventude negra agora tem voz ativa” é a principal música do álbum; a frase na época era um alerta, hoje, infelizmente é um enorme desafio, mediante as diversidades apontadas.
É difícil ouvir ou permitir a expressão a quem está sempre à margem dos seus direitos, por isso, trazemos à tona, novamente o contexto de pensamento das senzalas, libertário e transgressor, criador de oportunidades de emancipação.
Não podemos deixar que falsos sonhos limitem a nossa capacidade de resistir, de mexer com o caos em prol da superação das desigualdades impostas.
* Anderson Tadeu de Campos é supervisor do Núcleo Socioeducativo do Sesc Itaquera e mestrando do Curso de Pós Graduação de Educação e Currículo da PUC SP.
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Durante os meses de agosto, setembro e outubro, vídeos de artistas e coletivos jovens ocuparão as redes digitais do Sesc São Paulo. E você, jovem, está convidada(o) a publicar suas criações com a hashtag #ArteTerritorio_Sesc, a partir da palavra, do movimento, da imagem, do som ou de tudo isso junto!
Aquilo que você produz é cultura, é arte e diz sobre sua comunidade, suas experiências, sua vida! Compartilhe conosco, assim como fez a galera do Hip Hop no Vagão, no terceiro episódio do #ArteTerritorio_Sesc:
Esse vídeo é um trabalho de edição e produção feito por jovens. Ficha Técnica:
Edição Geral - Wesley Gabriel
Animação vinheta - Rodrigo Eba
Animação trilha - Paulo Junior
Libras – Amanda Alves Rodrigues
Filmagem e edição da performance “Malandrage” – Gustavo Bianchi
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