Postado em 05/08/2020
Por Maria Fernanda Zanatta Zupelari*
Apesar da grande relevância do “brincar fora” para o desenvolvimento das crianças e para o bem-estar, a circunstância atual, balizada pela necessidade de distanciamento social no contexto da pandemia de Covid-19, nos convida a pensar cuidadosamente o “brincar dentro”. O convite é estar atento aos tesouros escondidos dentro de casa e nas suas proximidades, a dispor-se a conhecer o que fascina as crianças pequenas, como o armário da cozinha entreaberto, por exemplo.
A inspiração foi a brincadeira conhecida como “Cesto dos Tesouros”, proposta pela educadora britânica Elinor Goldschmied destinada aos bebês que já dominam a habilidade de sentarem sozinhos, sem apoio. Veja:
E, qual é o valor do brincar com os materiais cotidianos e sucatas? Um brinquedo pronto, produzido e pensado como mercadoria tem uma função, por exemplo, uma boneca sugere o brincar como imitação da vida adulta, esta pode ser uma brincadeira potente e divertida. No entanto, um brinquedo não-estruturado como uma esponja, a partir do toque brincado e da imaginação da criança pode transformar-se em diversas outras coisas e seres, ampliando as histórias, os cenários, os tempos, enfim, os brincares e repertórios das infâncias.
A brincadeira “cesta dos tesouros” é uma das propostas de uma abordagem conhecida como “Brincar Heurístico”, a qual combina a curiosidade que as crianças pequenas têm em descobrir as propriedades dos objetos, dos espaços e das relações interpessoais com as observações realizadas pelos adultos de referência.
O bebê, ao escolher os objetos, expressa criativamente o que deseja manipular, conhecer, comparar, compreender como se comportam, movimentam, cheiram, ruidam.
O adulto interessado, deve estar próximo, olhando carinhosamente para o bebê, promovendo segurança para que o pequeno investigador possa fazer suas tentativas e descobertas, enquanto, sem intervir, registra e interpreta suas observações.
Foi a partir desse pensamento, que as educadoras do Sesc Jundiaí, Bianca Parizi e Ana Lígia Costa da Silva desenvolveram a animação Coleção de Objetos Desinventados. Conheça:
Esta brincadeira permite diversão e desenvolvimento para crianças e adultos envolvidos. Esperam-se como ganhos para os bebês: o desenvolvimento das percepções sensoriais; a melhoria da coordenação motora (principalmente na relação olho-mão-boca); aumento da capacidade de concentração e imaginação, o aprimoramento da neuroplasticidade, ganho de força e noção espacial. Promove, ainda, a autonomia da criança, a noção de segurança e o prazer da surpresa. Já o adulto estimula sua criatividade e poder de concentração ao aumentar seu repertório brincante.
Onde brincar? Escolha um mesmo ambiente onde essa brincadeira possa ser repetida, com o chão coberto por um tapete ou manta que, para além de aquecer a criança, possa diminuir ruídos durante a manipulação dos objetos.
Por quanto tempo? O tempo da brincadeira não deve ser regido pelo relógio, pois cada bebê encontrará a finitude da sua exploração em seu ritmo próprio, que não deve ser interrompido ou adiado. O tempo do brincar é o tempo “de dentro” da criança.
Qual cesto? Indica-se cestos sem abas de pequena altura, que permitam aos bebês sentados olharem o que os chama a atenção. Com aproximadamente 10 cm de altura e 35 cm de diâmetro, deve ser feito preferencialmente de materiais naturais.
Quais objetos? Pense sobre a quantidade, a variedade, a qualidade, e a polimaterialidade dos objetos para estimular as sensações do bebê. Deve-se atentar a textura, temperatura, forma e peso (estímulo do tato); ao brilho, cores, dimensões e movimentos (visão); aos sons, badaladas, fricção, estridência, chacoalhar, percussão, ou até o silêncio (audição); aos cheiros agradáveis e desagradáveis (olfato) e aos sabores (paladar). Inclua objetos naturais, e também os feitos de madeira, metal, couro, tecidos, lã, borracha, feltro, papel e papelão.
Lembre-se: Alguns objetos podem ser trocados quando se percebe que a criança perde o interesse. Também pode-se criar “cestos de tesouros” temáticos, a saber: estações do ano; objetos sonoros; utensílios de cozinha; e até por semelhanças como mesmas cores, formas, texturas, materiais, etc...
Evite ou minimize: o uso de plástico, recuse objetos de pequenas dimensões para que não possam ser engolidos, assim como os de formas pontiagudas que possam cortar ou machucar os bebês, priorize materiais que possam ser lavados, secados e desinfetados para manter a higiene.
Estas dicas são inspirações para a confecção do seu próprio cesto de tesouros, mas se neste momento não for possível acessar alguns materiais e objetos específicos, pesquise os tesouros só seus e dos seus bebês, aqueles que estão disponíveis em sua casa, pois sempre o mais importante é brincar com disponibilidade e qualidade na presença.
*Maria Fernanda Zanatta Zupelari é Geógrafa e Mestre em Educação pela Unesp. Atua como educadora de atividades infanto-juvenis no Sesc Jundiaí.
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Para saber mais
FOCHI, Paulo; REDIN, Marita. Explorar e interagir com o mundo: os materiais na educação infantil. In: Infâncias e Educação Infantil II: linguagens. São Leopoldo: Ed Unisinos, 2014. (E-book)
MEIRELLES, Darciana da Silva; HORN, Maria da Graça Souza. O brincar heurístico: uma potente abordagem para descoberta do mundo. In: ALBUQUERQUE, Simone Santos de; FELIPE, Jane; CORSO, Luciana Vellinho. (Orgs). Para pensar a educação infantil em tempos de retrocessos: lutamos pela educação infantil. Porto Alegre: Evangraf, 2017. Págs. 69-73.
GOLDSCHMIED, Elinor; JACKSON, Sônia. Educação de 0 a 3 anos: O atendimento em creche. Porto Alegre: Artmed, 2006.
MAJEM, Tere, ÒDENA, Pepa. Descobrir brincando. Campinas: Autores Associados, 2017. Edição Kindle.