Postado em 30/06/2020
Por Fernanda de Figueiredo Beda*
A existência e a essência humanas são constituídas a partir de um campo concreto de possibilidades determinado por um conjunto de relações sociais, onde ao nascer, o sujeito depara-se com uma realidade que está posta, mas que não é imutável. Nesta perspectiva, a ação humana assume uma dimensão material e histórica, ao mesmo tempo em que consciente e singular.
O abismo social gerado pela ausência do poder público em territórios afastados dos grandes centros urbanos é um fato já indicado pelas estatísticas, inclusive no que se refere à discrepância entre a expectativa de vida de seus habitantes se comparada aos moradores de regiões mais ricas (e mais amparadas pelo poder público). De acordo com o Mapa da Desigualdade 2019, a média de idade com que as pessoas morreram em 2018 no bairro de classe média-alta Moema é de 80,57, emquanto em Cidades Tiradentes, periferia da capital, é de 57,31, contabilizando mais de 20 anos de diferença entre os dois distritos.
Diferente de considerar os habitantes dessas áreas somente como números ou alvos em movimento, pretendemos falar do constante movimento de (re)existência e articulação social da população na criação de estratégias e ferramentas com vistas à potencializar e fomentar o território.
Num mundo cada vez mais disruptivo em termos de ideias, modelos e padrões de negócios, o lucro tornou-se um detalhe dentre tantos outros. Ideias de atingir o mercado com ações sociais são bem vistas e tem crescido exponencialmente nos últimos anos, principalmente em setores da sociedade onde a presença do Estado é nula ou deficitária.
O empreendedorismo social surge em cenários problemáticos, de crise e desafios econômicos, sociais e também ambientais. O empreendedorismo social ajuda a resolver situações que tenham a ver com moradia, saúde, educação, emprego, meio ambiente e direitos humanos. O empreendedor social destrava caminhos em busca da solução e, com o lucro da sua empresa, mantém a iniciativa ativa, autossustentável, sem depender de subsídio e doações, tanto do governo quanto particulares.
Feira de Economia Solidária no Sesc Guarulhos. Foto: Thamires Motta
Possui raízes teóricas ligadas à corrente do empreendedorismo como estratégia de desenvolvimento local integrado e sustentável, tendo uma finalidade multidimensional: não só econômica e social, mas também cultural, ecológica e política, visando à qualidade de vida, o desenvolvimento humano, indicando caminhos para as necessidades de transformação social e desenvolvimento sustentáveis.
Opondo-se às diretrizes de um capitalismo que promove a desigualdade social e só visa o lucro e o enriquecimento, a Economia Solidária é uma forma de organização de trabalho que surgiu como uma alternativa para a geração de renda e inclusão social. É um modo diferente de produzir, trocar, comprar e vender sem que exista vantagem apenas para um lado ou outro no processo de negociação.
Enquanto a economia capitalista está centrada no capital e na propriedade privada, na competição voltada para o interesse individual, na heterogestão e na hierarquia de funções, a Economia Solidária está centrada nos fatores humanos, na cooperação voltada para o interesse coletivo, na autogestão e na administração democrática. Possui um caráter mais colaborativo, estimulando a criação de redes e o desenvolvimento local, sendo uma nova forma de se trabalhar, que visa uma economia de trocas de serviços junto a um pensamento coletivo de como mudar o entorno de onde as pessoas estão vivendo. Dessa forma, as pessoas envolvidas pensam não apenas no seu empreendimento, mas também no bairro em que estão e como podem interagir com a cidade para contribuir com a melhoria da qualidade de vida de todos.
Feira de Economia Solidária no Sesc Guarulhos. Foto: Thamires Motta
Outro fator dentro da Economia Solidária é a valorização dos territórios, que incluem as diversas regiões sejam metropolitanas ou bairros mais afastados, para que cada local possa atuar de acordo com seus potenciais e características. Por essa razão é de grande importância a identificação e potencialização das vocações específicas de cada região, ou seja, as características regionais.
Na Economia Solidária os empreendimentos econômicos solidários são caracterizados como aqueles pautados na autogestão, sendo participativos e democráticos, baseados na autossustentação e no desenvolvimento humano. Entre os programas e empreendimentos que trabalham com Economia Solidária na cidade de Guarulhos estão os projetos: Projeto Tear, Organização Eco Social Água Azul, Programa de Economia Solidária.
Feira de Economia Solidária no Sesc Guarulhos. Foto: Thamires Motta
Mas nem tudo são flores. Com a pandemia do Covid-19, um dos setores econômicos mais afetados foi o dos empreendimentos sociais. E cumprir as determinações dos governos sobre “ficar em casa” é um difícil desafio a ser encarado por aqueles que dependem das vendas diárias de seus produtos para sua sobrevivência e de seus familiares. Enquanto alguns podem afirmar que os preceitos do empreendedorismo social e Economia Solidária são utopia, outros procuram fazer desta utopia uma luta para promover melhorias na qualidade de vida daqueles que se encontram distantes ou afastados do mercado de trabalho.
Diante das incertezas trazidas pela pandemia do Covid-19, economistas dizem que não existirá mais o mundo como conhecíamos. Assim, as perspectivas de um novo normal mais igualitário, inclusivo e sustentável pode estar surgindo.
Podemos aproveitar o contexto em que estamos vivendo para rever nossos valores e aprender com o empreendedorismo social e a Economia Solidária a estabelecer preceitos e relações mais justas para esse novo mundo pós pandemia que está surgindo.
Elaborado pela Agência Solano Trindade, o documento abaixo tem o intuito de auxiliar autônomos, coletivos e instituições a repensar a veiculação e divulgação de suas ações, serviços e produtos nesses tempos de isolamento social com vistas ao trabalho em rede e fomento da economia solidária e criativa, além do fortalalecimento do empreendedorismo social nos territórios.
*Fernanda de Figueiredo Beda é Animadora Cultural do Sesc Guarulhos