Postado em 14/02/2020
Por Mariana Scutti*
Este ano, as atividades desenvolvidas pelo Sesc Verão foram elaboradas com base em esportes que integrarão os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em Tóquio, no Japão. Essa valorização do esporte paralímpico trouxe a seleção brasileira de Futebol de 5 para Araraquara, na ocasião acompanhada do técnico da também seleção brasileira de goalball, Altemir Trapp.
Não é novidade que o esporte, no que diz respeito à saúde, bem-estar, qualidade de vida e interação social, têm um poder transformador na vida de seus praticantes. No entanto, quando falamos de esportes adaptados para pessoas com deficiência, fica mais fácil perceber todos esses benefícios que a prática esportiva pode promover.
O futebol é uma paixão nacional e o esporte mais popular do mundo, modalidade que faz parte da nossa cultura. Mas o Futebol de 5 eu nunca tinha ouvido falar até a semana passada. Num primeiro momento, achei que a diferença estava no número de jogadores em relação ao futebol de campo. Mais tarde percebi que é uma partida adaptada para pessoas com deficiência visual, disputada por equipes de cinco atletas e o lance é que a bola do jogo é feita com guizos para orientar os jogadores durante as partidas. Dentro da quadra, o único atleta que enxerga é o goleiro.
Foi sem pensar sobre o assunto que me vi cara a cara com esta seleção brasileira - e com o técnico Altemir. Distraída, esperava pela partida que aconteceria dentro de alguns minutos, quando de repente os jogadores saíram do vestiário uniformizados, animados e em fila, levemente apoiados uns aos outros e deixando alguém pra trás. Tomei ele pela mão e fomos seguindo o grupo até a quadra. Conversa vai, conversa vem, logo descobri – pelas tantas medalhas que ele carregava no peito - que eu estava com o Gledson, o Guegueu. Um super craque, um cara brincalhão, bem humorado e tranquilo. Ele me contou que sempre quis ser jogador de futebol e perdeu a visão aos seis anos, devido a um linfoma – desde então, os desafios servem para que ele cresça e se fortaleça. Aos 12 anos começou neste esporte e aos 16 teve sua primeira convocação para a seleção brasileira. Mas foi só aos 21 anos que jogou e competiu pela primeira vez com a seleção, no parapan-americano, em Guadalajara (2011). Uma bela estreia que rendeu para o Brasil a medalha de ouro. Depois disso, seguiu colecionando vitórias: nos Jogos Paralímpicos em Londres (2012), no Mundial (Japão 2014 e Madri 2018), no Parapan-Americanos em Lima e na Copa América (2019).
Bem, a partida rolou muito leve e divertida, mas com a habilidade e competitividade dos campeonatos. Não teve quem passasse e não parasse pra ver o que estava acontecendo ali na quadra - o grupo tem uma sintonia invejável. O Danilo e o Augustinho, funcionários do Sesc, puderam sentir de perto como é estar em campo com esses craques. Aceitaram o desafio e assumiram a posição de goleiros.
Sem dúvida perceberam que as habilidades necessárias vão muito além da visão. Em alguns momentos, confesso, não dava pra dizer que os jogadores são cegos, tamanha precisão dos chutes e passes. Mas também, estamos falando de seleção brasileira, os melhores da categoria. E claro, sabemos que essa “facilidade” só é conquistada com muita dedicação, treino e disciplina.
Inclusão, superação e respeito à diversidade. Esta pequena vivência de pouco mais de uma hora tornou possível ver todos esses valores muito presentes. Aprendi que o silêncio se faz necessário para o pleno desenvolvimento do jogo, e que concentração e audição são partes fundamentais para se sair bem neste esporte.
Depois do jogo, todos que estavam ali puderam vendar os olhos e se arriscar nos pênaltis. Vivenciar a dinâmica deste esporte também mostrou novas perspectivas: como são percebidos pelos jogadores as distâncias e os espaços. São muito guiados através dos sons, bem diferente de como estamos acostumados.
E no final da partida, sempre temos o início da resenha. E desta vez não foi diferente.
Falamos sobre os times preferidos - Guegueu torce pro Vitória - e contei pra ele um pouco sobre a Ferrinha, a Ferroviária, clube aqui de Araraquara, que já tem 70 anos de tradição e recentemente ganhou uma nova “casa”, a Arena da Fonte.
Uma ligação daqui, um contato dali e o meio de campo estava feito: no dia seguinte o time do futebol de 5 fez uma visita ao estádio. Conheceram o Museu, o Estádio, a loja e rolou até um treino com os jogadores da Ferroviária, que vendados tentaram experimentar essa realidade da seleção de 5. Fiquei sabendo que não se intimidaram por estar vendados e tiveram uma boa desenvoltura!
No site da Ferroviária dá pra conferir tudo o que rolou: clique aqui
Afinal, de que vale a vida se não fossem os encontros e os aprendizados que tiramos? Em todas as situações deveríamos fazer o exercício de olhar a vida por outro ângulo.
*Mariana Scutti é assessora de imprensa do Sesc Araraquara.