Postado em 05/01/2020
Bastava uma pausa no dia, e um espaço no chão da sala, para uma criança fazer o pedido: “Vamos jogar?”. As palavras mágicas davam a largada ao momento especial do jogo de damas ou de algum outro, em que os dados determinariam a quantidade de casas a avançar ou recuar. Xadrez, gamão, Jogo da Vida, War, Banco Imobiliário, entre vários exemplos, atravessam gerações, culturas e continentes promovendo diversão, aprendizado e interação. A origem de tradicionais jogos de tabuleiro, como xadrez e gamão, é um enigma investigado por arqueólogos, historiadores e outros pesquisadores.
Há pouco mais de um ano foram encontrados indícios de um jogo de tabuleiro de quatro milênios na região de Baku, no Azerbaijão. No livro Quer Jogar? (Edições Sesc São Paulo, 2010), a pesquisadora e psicóloga Adriana Klisys e o poeta-pintor Carlos Dala Stella contam que o jogo de damas, por exemplo, existe da forma como o conhecemos desde o século 16. De lá para cá, ele se difundiu em diversas culturas, ganhando identidade própria e outras versões em países como Inglaterra, Turquia, Rússia e Canadá.
“A maioria dos jogos é de autoria, tempo histórico e localidade nebulosos. Até hoje a humanidade continua retomando os jogos inventados há séculos, embora conceba uma infinidade de outros novos”, descreve Adriana na obra. Tanto que, até hoje, adultos, jovens e crianças se reúnem para uma partida de damas ou de Os Colonizadores de Catan, considerado precursor de novas possibilidades para os atuais e futuros modelos.
Criado pelo designer alemão Klaus Teuber em 1995, esse jogo de tabuleiro moderno acrescentou outra mecânica para além da competição. “Nele, não se trata apenas de mover os peões de ‘x’ a ‘y’, mas também promover uma conversa entre os participantes para trocas de peças durante o jogo”, explica André Dembitzky, empresário que trabalha neste segmento há 22 anos.
Atualmente, existem mais de 30 mil jogos de tabuleiro no mundo. Muitos podem ter uma logística semelhante, caso do Banco Imobiliário e do Monopoly. Mas há também, destaca André, jogos com diversas abordagens. “Hoje, principalmente na Alemanha, utilizam-se jogos baseando-se em mecânicas pedagógicas.”
O jogo também é um momento lúdico para aprender a lidar com a frustração, entre outras situações. “Na maioria das vezes, as crianças começam a entender o que é perder ou ganhar a partir dos seis anos. Nesse momento é importante mostrar que esses dois lados fazem parte do mecanismo da diversão e que ela está ganhando ou perdendo para o jogo. Tanto que hoje há jogos cooperativos em que a criança trabalha em grupo e ganhar ou perder é experimentado coletivamente”, afirma André.
É também no tabuleiro que se tem contato com diferentes escolhas – Avanço ou recuo? Movimento o peão ou o bispo? – além de regras. Afinal, como seria um mundo sem regras? “Não as autoritárias, impostas, mas aquelas que dão sentido à convivência social”, pondera Adriana no livro. A partir das regras do jogo, “a criança desenvolve comportamentos de apreço à coletividade e espera que as regras combinadas sejam consentidas e cumpridas, justamente porque são carregadas de sentido”, complementa a autora de Quer Jogar?.
Sejam tradicionais ou modernos, os jogos de tabuleiro são ferramentas essenciais para a experiência de ser humano e de convivência em grupo. No futuro, André acredita que eles fortalecerão ainda mais os laços sociais. “Além de se reunirem para jogar futebol ou mesmo ir ao cinema, as pessoas podem se encontrar para um jogo de tabuleiro. Não vamos nos limitar a jogar somente quando estiver chovendo ou não der para ir à praia. Jogo de tabuleiro não é perda de tempo, mas uma experiência”, conclui.
DO RACIOCÍNIO, CRIATIVIDADE E ESTRATÉGIA
Nestas férias, que tal ensinar às crianças, ou aprender com elas, um jogo de tabuleiro? Em janeiro, unidades do Sesc São Paulo realizam atividades para todas as gerações. Entre os destaques está a exposição Jogo, Logo Existo!, no Sesc Bertioga, que conta episódios da história desses jogos e apresenta modelos contemporâneos em que raciocínio, estratégia e criatividade são peças-chaves.
“Os novos jogos de tabuleiro conseguiram trazer de volta a importância do jogo e do encontro ao vivo, pois eles criam as mais inventivas dinâmicas entre amigos, que exigem inteligência, pensamento estratégico e criatividade. Ao trocar a sorte pelo raciocínio, o surgimento de novos jogos só cresce. Além de novos títulos, há também uma nova leva de designers de jogos, incluindo brasileiros”, destaca Guilherme Leite Cunha, um dos curadores da mostra e técnico de programação em artes visuais do Sesc Bertioga.
Confira outros destaques deste mês:
24 DE MAIO
Faça seu jogo de tabuleiro baseado em filmes
Neste curso, as educadoras de tecnologias e artes do Sesc Anita Cavaleiro e Tatiane Colevati vão mostrar aos participantes (a partir de 16 anos) as mecânicas básicas para se criar um jogo de tabuleiro. A partir de regras que podem ser colaborativas, competitivas, time contra time e contra-o-tempo, os jogos criados nesse curso poderão ser o centro da diversão de indivíduos, duplas ou grupos. Como inspiração, serão disponibilizadas referências de filmes das décadas de 1980 e 1990, cuja discussão e análise (a partir de cenas icônicas) serão o ponto de partida. (De 15/1 a 19/2, às quartas-feiras, das 14h às 17h)
ITAQUERA
Brincando na Praça
Nesta vivência realizada pela Equipe Supimpa, Eventos e Esportes, serão realizadas atividades de jogos e brincadeiras voltadas ao público infantojuvenil, como jogos do mundo, jogos cooperativos, jogos e brincadeiras cantadas, jogos indígenas, jogos circenses e jogos de tabuleiro. (Dias 2 e 3/1, quinta e sexta-feira, das 13h às 17h. Como ação preventiva, ao visitar o Sesc Itaquera, recomendamos que esteja vacinado contra a Febre Amarela há mais de 10 dias)
SANTO AMARO
Nesta oficina com o Coletivo Semear, os participantes irão conhecer a história dos jogos de tabuleiro, confeccionar e jogar jogos que possuem um papel importante em muitas sociedades africanas e asiáticas, comparável ao xadrez no Ocidente. Entre eles: Resta1, Luta na Selva, Trilha, Mancala, Três em linha e Futebol de vidrinho – jogos de estratégia e desenvolvimento de raciocínio lógico. (De 11/1 a 8/2, sábados, das 15h às 18h)
BERTIOGA
Jogo, Logo Existo!
Sob curadoria de Célio Gardini e Guilherme Cunha, a exposição na área de convivência da unidade apresenta, de modo lúdico e imersivo, uma breve história dos jogos de tabuleiro. A mostra também reúne jogos do período da Revolução Industrial até os dias de hoje, com o ressurgimento dos jogos de tabuleiro, em que a sorte é substituída pela estratégia. (Até 29/2, segundas a domingos, das 9h às 23h. Atividade voltada apenas para hóspedes).