Postado em 17/12/2019
Nos últimos dois finais de semana de dezembro, a Praça de Eventos do Sesc Vila Mariana recebe quatro rodas de sambas idealizadas e formadas por mulheres, no projeto Samba com Elas. Apesar de os homens serem maioria entre instrumentistas, compositores, arranjadores ou intérpretes, a importância da mulher no universo do samba é histórica. Foram elas que abriram suas casas, quintais e terreiros para que o samba se manifestasse e se estabelecesse enquanto uma tradição, por exemplo. “As mulheres negras são as guardiãs dessa tradição e dessa cultura tão antiga. O machismo que estrutura a sociedade e o racismo tentaram nos tirar desse espaço, nos deixar como as que servem de adereço para a samba, mas não é mais possível”, afirma Maitê Freitas, integrante do grupo Massembas de Ialodês, que abre a programação, no sábado (21/12), com uma roda de samba e de conversação.
De acordo com Maitê, “Massemba” é uma palavra do quimbundo, cuja semântica deriva do Samba (Semba) e significa encontro, e “Ialodês” é uma palavra iorubá que simboliza a hierarquia, uma ordem feminina regida por Orixás como Oxum e Nanã, as grandes mães (Iábas), senhoras das vidas e dos mistérios do feminino. “Gosto de pensar que Samba é uma deusa, uma mulher, Massembas de Ialodês é um encontro com essa Samba que nos habita e nos dá força para seguir.”
A atividade, que Maitê define como “samba-conversação”, é uma forma de enfrentar o machismo que existe no universo do samba, ao criar espaços de diálogo, escuta e experimentação para as mulheres negras, tanto no campo da palavra quanto no da música. “É importante refletir e se perguntar: por que a voz do samba não é de uma mulher negra? Por que as mulheres negras não ocupam o seu verdadeiro e legítimo destaque no samba?”, questiona.
No domingo (22/12), será a vez do Bloco Afro Ilú Oba De Min, coordenado pela arte-educadora e musicista Beth Beli, que desenvolve pesquisa sobre matrizes africanas e afro-brasileiras há mais de 20 anos. Pela primeira vez, o bloco irá se apresentar em um formato de roda de samba, com a participação de cerca de 15 integrantes e um repertório em homenagem à sambista Leci Brandão.
Para fechar o ano, a programação traz no último sábado (28/12) o grupo Sambadas, que tem como madrinha Maria Helena Embaixatriz, fundadora da escola de samba Unidos de Vila Brasilândia. De acordo com Ana Carolina, uma das integrantes do Sambadas, lutar contra o machismo no samba passa por escutar o que mestras como Maria Helena têm a ensinar. “A tradição do samba se confunde com as tradições dos povos pretos do Brasil, onde o papel da mulher sempre teve grande importância. Conhecer a história de mulheres do samba de São Paulo nos colocou em contato com figuras que sustentaram – e sustentam – famílias, fundaram escolas, eram respeitadas pelo mais alto escalão da malandragem, enfrentaram a polícia e tudo mais em nome do samba.”
O repertório do grupo traz a força das mulheres no samba por meio de músicas de compositoras que se destacaram no “Mulher Escrita”, projeto idealizado em 2015 por Camila Midori e Carol Nascimento, com o objetivo mapear e divulgar os sambas autorais das mulheres em São Paulo. Samba de roda, samba rural, jongo e outros ritmos afro-brasileiros serão apresentadas em meio às poesias da escritora e clarinetista Paloma Franca Amorim.
O encerramento do Samba com Elas acontece no domingo (29/12), como Samba de Dandara, grupo que surgiu da união entre mulheres que desejavam participar do universo do samba como instrumentistas, por admirar e se identificar com essa cultura. A concepção da banda busca inspiração em Dandara, mulher negra, guerreira e referência histórica na luta contra a escravidão. De acordo com Laís Oliveira, que canta e toca cavaquinho, “carregar esta marca significa rememorar, homenagear e promover a resistência feminina e negra sob a forma de uma representação musical que passeia por ritmos afro-brasileiros, sobretudo o samba em suas diversas vertentes, como os ijexás, os pontos de candomblé e de umbanda”.
A proposta do grupo é debater o lugar da mulher no samba, a partir da atuação consistente de mulheres inspiradoras que já abriram caminho, como Tia Ciata, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Elza Soares, Beth Carvalho, Jovelina Pérola Negra, e de mulheres cantoras, compositoras, arranjadoras e instrumentistas contemporâneas, como Teresa Cristina, Fabiana Cozza, Nilze Carvalho, Ione Papas, Adriana Moreira, Martnália, Paula Sanches, Bernadete do Peruche, Roberta Oliveira, entre outras. A apresentação contará com a participação da cantora Raquel Tobias.