Postado em 29/11/2019
Nascida em São Paulo, no ano de 1967, Rosana Paulino é doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), especialista em Gravura pelo London Print Studio, de Londres, e bacharel em Gravura também pela USP. Sua vasta produção artística está relacionada a questões sociais, étnicas e de gênero. Trabalhos que têm como foco a posição da mulher negra na sociedade brasileira e os variados tipos de violência sofrida por essa população decorrente do racismo e das marcas deixadas pela escravidão. Suas obras estão expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM); no Museu Afro-Brasil, também na capital paulista, na University of New Mexico Art Museum, nos Estados Unidos, e, desde novembro, no Mima – Museu Internacional da Mulher Associação, inaugurado em 2016 em Lisboa. “Existe um trabalho a ser feito noae termos outros produtores e outros olhares sobre a historiografia e sobre a história da arte no país para alcançarmos outras maneiras de pensar e produzir nas artes visuais”, defende.
Passado presente
O espaço simbólico é o mais importante. Procuro estudar o espaço simbólico-social onde a população negra foi inserida – principalmente a mulher negra. O local físico se mostra quando penso na produção dos artistas e em como a cultura local e a paisagem influenciam na produção. Tenho interesse pelo local simbólico no qual os grupos de poder inserem determinados grupos da população, incluindo todos os estereótipos associados à população negra. E isso poderia valer para a população indígena, a população LGBTQI+. Meu trabalho tem feito certa revisão desse capítulo da história do país, especialmente do período colonial e do século 19.
Por mais espaço
Para democratizarmos o acesso aos museus é preciso, antes, uma democratização da imagem e isso inclui ter segmentos variados da população produzindo e exibindo nesses espaços. Isso aconteceu durante a minha exposição A Costura da Memória (Pinacoteca, 2018), aconteceu em Histórias Afro-Atlânticas (Masp, 2018). Ou seja, os grupos se reconheciam. As pessoas diziam: “Olha. Tem uma artista negra lá. Eu quero ver”. Se você só tem um museu disponibilizando um determinado tipo de produção cultural que não me diz respeito, que representa apenas um determinado grupo, uma determinada elite, uma produção cultural muito branca, calcada no norte geopolítico, masculina, qual será o meu interesse ali? Não estou advogando que esta produção não esteja nos museus. Mas ela não pode estar presente ali 99% do tempo. Também quero ver o que os indígenas estão produzindo, o que as mulheres estão produzindo, o que a periferia está produzindo, o que os negros, o que as negras estão produzindo. Os museus e os centros culturais têm que atender a diferentes públicos, não somente recebendo essa população, mas também expondo a produção e o conhecimento dessas pessoas. Isso é absolutamente necessário. Existe um trabalho bem feito pelas ações educativas dos museus, uma tentativa de aproximação do público desse universo, mas, além disso, é preciso apresentar uma diversidade cultural, porque, ao ampliar esses conceitos e dar acesso ao conhecimento, a população responde. As pessoas querem se ver, é muito simples.
De onde estou
Não me considero um ícone. Há um trabalho a ser feito, tenho as ferramentas para desempenhá-lo e assim estou fazendo. Sou artista, mas sou educadora, sou professora. O que percebo é que existe um trabalho a ser feito no Brasil em relação à visualidade, à importância das artes visuais na educação, de termos outros produtores e outros olhares sobre a historiografia e sobre a história da arte no país para alcançarmos outras maneiras de pensar e produzir nas artes visuais. Se eu voltar a minha atenção para ser um ícone ou uma referência, acabaria paralisada. Não seria uma estratégia muito esperta da minha parte porque a cobrança sobre mim mesma já é muito grande. Lógico que sei que tenho mais experiência e acesso a canais que aquele que está começando agora. Por isso, tento alavancar questões relacionadas às artes e à educação que considero importantes. Estou num local privilegiado e tento fazer bons usos dessas estratégias justamente para trazer à mesa discussões que ainda não foram postas e sobre as quais, inclusive, estamos muito atrasados por não as abordar.
Novas perspectivas
Não tinha contato com artistas da minha geração para conversar. Ayrson Heráclito [artista visual e curador baiano] ainda não tinha furado a bolha do Sudeste, a Sonia Gomes [artista que realizou sua primeira exposição em 1994 e participa de mostras solo e coletivas] não havia aparecido e eu fiquei praticamente 10 anos tratando dessa questão de arte contemporânea negra sozinha. Eu não esperava ver a força que estamos vendo agora. Há uma produção nova, reflexiva e consistente de artistas jovens com excelente formação, porque uma das questões colocadas sobre a população negra era a falta de erudição, de conhecimento como uma desculpa para não abordar esses artistas. Estamos longe do ideal, a população negra ainda não está numericamente representada em outras áreas: teatro, literatura, dança. No campo da produção cultural, estamos vivendo um momento ímpar no país. Com novos atores surgindo e discutindo cultura. Temos uma geração que está trazendo valores e discussões que não eram postas à mesa. É um momento paradoxal: politicamente muito complicado e culturalmente extremamente rico. Vamos precisar da distância do tempo para avaliar esses anos, que irão mudar, com certeza, a história do Brasil do ponto de vista cultural.