Postado em 29/11/2019
No campo das artes visuais, seja em museus, galerias e outros espaços culturais, a acessibilidade se tornou essencial para a inclusão de público. Trata-se de iniciativas como recursos táteis, visuais, de mediação e até mesmo aplicativos que se tornaram presentes em exposições artísticas em São Paulo e em outros estados, garantindo o acesso e a fruição das artes a um público potencial numericamente significativo. Afinal, no Brasil, há cerca de 12 milhões de pessoas com alguma deficiência, o equivalente a 6,7% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018).
Artista plástica e arte educadora, Ana Amália Barbosa fala em primeira pessoa deste cenário. Doutora pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutora pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), ela passou a se dedicar a pesquisas sobre acessibilidade após ter sofrido um acidente vascular cerebral em 2002 e ter adquirido a Síndrome de Locked In [muda e disfágica, mas consciente e com plena cognição].
“Nos últimos anos, a acessibilidade física nos museus melhorou muito. Não me deparo mais com rampas tão íngremes que parecia que a gente ia fazer escalada. O maior problema ainda é a acessibilidade atitudinal [referente à atitude das pessoas]: ou somos invisíveis ou somos tratados como bebês”, ressalta. “Então, quando o espaço tem acessibilidade física e atitudinal, tudo fica mais fácil, pois somos bem-vindos.”
Por direito
“Afinal, qual o sentido de existência de um museu que não trabalha para aproximar e cativar as pessoas que ainda não o conhecem?”, questionou a pesquisadora Viviane Sarraf no artigo Os Museus Precisam Mais das Pessoas do Que as Pessoas dos Museus – Acessibilidade para Quem?, publicado em maio deste ano na revista Museu. Diretora técnica e fundadora da empresa social Museus Acessíveis, criadora e coordenadora da Rede de Informação de Acessibilidade em Museus (Rinam), Sarraf investiga esse cenário há mais de 30 anos. E, com a equipe do Sesc São Paulo, a especialista e a museóloga Carla Grião participaram do desenvolvimento de recursos de acessibilidade da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades Imaginadas.
Apesar de obstáculos como aqueles apontados pela especialista Ana Amália Barbosa, avanços na legislação, em políticas públicas e na tecnologia promoveram o direito à fruição cultural a pessoas com diferentes tipos de deficiência [auditiva, visual, física e intelectual], principalmente nas últimas duas décadas. Segundo Sarraf, um importante momento foi a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2008. Depois, a instituição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência em 2015, que também garante o acesso à cultura.
Também há cada vez mais trabalhos acadêmicos e científicos que refletem sobre a acessibilidade nos museus, bem como o desenvolvimento de novas tecnologias que aproximam o público com e sem deficiência da fruição de exposições de arte. “Aplicativos são bem-vindos desde que validados pelos usuários com diferentes tipos de deficiência para que não criem ainda mais barreiras”, pondera Sarraf. Há o exemplo da exposição Gold – Mina de Ouro Serra Pelada, com fotos de Sebastião Salgado, no Sesc Guarulhos, em que, além do mapa e do piso tátil, os visitantes contam com fotos acessíveis por meio de audiodescrição e Libras utilizando o aplicativo gratuito Musea no celular. “Podemos dizer que hoje temos a faca e o queijo na mão. As informações estão disponíveis e temos uma legislação, ou seja, há um cenário positivo neste sentido.”
Mediação e comunicação contribuem para aumentar a visitação de mostras
O Sesc São Paulo trabalha a ampliação e o fortalecimento da compreensão sobre acessibilidade, principalmente com ações socioculturais e atitudes de cidadania. Uma forma de mobilização é apresentar ao público o que é acessibilidade e promover o convívio com o diferente e a diversidade entre pessoas com e sem deficiência. Para isso, as unidades desenvolvem atividades com recursos de mediação e comunicação acessível. No campo das exposições, os curadores, as equipes de arquitetura e os educadores, em diálogo com a Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc, participam conjuntamente do trabalho de oferecer acessibilidade às mostras. É o que explica Lígia Zamaro, especialista em Acessibilidade Cultural e assistente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo. “Uma exposição acessível deve contemplar o acesso físico, a acessibilidade comunicacional, a oferta de recursos multissensoriais e a formação de educadores e de outras pessoas que trabalhem no atendimento ao público. Tudo isso compõe uma experiência de fruição estética de qualidade”, destaca. Confira algumas exposições em cartaz e os recursos de acessibilidade disponíveis:
24 DE MAIO
21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades Imaginadas (Até dia 2 de fevereiro)
A mostra toma de empréstimo o título do clássico estudo de Benedict Anderson para pensar nos tipos de organização social e comunitária que existem para além, às margens ou nas brechas do Estado-nação: comunidades religiosas ou místicas, grupos refugiados de seus territórios originais, comunidades clandestinas, fictícias, utópicas ou aquelas constituídas nos universos subterrâneos de vivências corporais.
Recursos: Mapa e piso táteis, audiodescrição, videoguia em Libras com legendas, recursos táteis, pranchas de comunicação alternativa e impressão dos textos em dupla leitura (português ampliado e braille). Também há textos traduzidos para os idiomas: espanhol, francês e inglês. Informe aos educadores caso tenha interesse em utilizar algum desses recursos.
VILA MARIANA
EntreMeadas (Até dia 9 de fevereiro)
A exposição propõe uma imersão no universo da artesania brasileira e reúne um conjunto variado de técnicas tradicionais e iniciativas contemporâneas. Com curadoria da jornalista e historiadora do design Adélia Borges, a mostra valoriza a pluralidade da cultura material e imaterial do país e repensa o lugar do artesanato nos dias atuais, ao percebê-lo como um possível agente de transformação econômica e emancipação social. Em vez de reforçar a tradição da cultura popular de localidades já emblemáticas na produção de manufaturas – como a região mineira ou a nordestina – EntreMeadas volta-se a locais do próprio estado de São Paulo.
Recursos: Mapa e piso táteis, visitas mediadas em Libras e recursos táteis. Informe aos educadores caso tenha interesse em utilizar algum desses recursos.
GUARULHOS
Gold – Mina de Ouro Serra Pelada (Até dia 16 de fevereiro)
Em 1979, a descoberta acidental de ouro em uma remota encosta de morro no Pará atraiu uma massa de garimpeiros autônomos de todas as partes do país. Logo, Serra Pelada, como a mina foia batizada, havia se tornado um imenso buraco de cerca de 200 metros de diâmetro e com a mesma profundidade, onde por volta de 50 mil homens estavam apostando suas vidas pela chance de ficarem ricos. As fotografias de Sebastião Salgado foram feitas em 1986 e algumas delas integraram o livro Trabalhadores, lançado em 1993. Em 2019, Salgado retorna ao seu trabalho para uma nova edição, com imagens até hoje inéditas. A mostra Gold tem curadoria de Lélia Wanick Salgado.
Recursos: Piso e mapa táteis, audiodescrição e videoguia em Libras utilizando o aplicativo gratuito Musea no celular.
Confira a programação da Semana Modos de Acessar, realizada de 2 a 8 de dezembro em diversas unidades do Sesc São Paulo, e conheça mais sobre o tema.