Postado em 29/11/2019
Fernando Pessoa num ponto de ônibus da Avenida Paulista? Do espanto à curiosidade, puxo o livro para perto e embarco nos versos do poeta lusitano enquanto espero o transporte público. Despretensiosamente, descortinam-se novas paisagens, cores, personagens. E, assim, um livro tão meu quanto de todos que passavam pela Paulista pôde cultivar um novo leitor.
Em pontos de ônibus, praças, parques e outros espaços de São Paulo, estas e outras iniciativas dão asas aos livros e fomentam o hábito da leitura. Essas ações buscam a formação de novos leitores e o prazer de ler numa cidade onde 42% da população afirma não ter lido um livro nos últimos três meses – percentual que representa cerca de 4,1 milhões de paulistanos e paulistanas. Os dados são da pesquisa Viver em São Paulo: Cultura na Cidade, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, divulgados em abril deste ano. Mas por que o livro não é parte constante do nosso cotidiano?
Entre as razões para não ler, segundo a pesquisa, está o fato de não gostar de ler/não ter o hábito de ler, mencionado por 34% dos entrevistados. A falta de tempo foi outro motivo destacado por 32%. Além disso, 9% confessaram não ter paciência para essa atividade. Somam-se ainda 3% de entrevistados que disseram não ler nos últimos três meses porque livro é algo caro, enquanto 1% afirmou não ter dinheiro para comprá-lo. A falta de uma biblioteca por perto também foi apontada como razão para 2% dos entrevistados não lerem.
Para derrubar tantos obstáculos, projetos como o BiblioSesc (leia o boxe Literatura sobre rodas) e o Poesia Contra Violência (leia boxe Já leu?) entram em cena. Finalistas do Prêmio Jabuti 2019 na categoria Fomento à Leitura, eles se somam a outras iniciativas em São Paulo que aproximam a população desse objeto de capa dura, lombada e folhas de papel que é muito mais que um objeto de capa dura, lombada e folhas de papel.
Além do horizonte
Seja um romance, uma poesia ou uma história em quadrinhos, cada livro é único porque nele habitam enredos e personagens que guiaram, e irão guiar, jovens e velhos leitores. E, quem sabe, até futuros escritores. Caso de O Segredo do Castelo de Terror, de Alfred Hitchcock (1899-1980), lido pelo escritor angolano Valter Hugo Mãe – entrevistado pela Revista E na edição de outubro – na infância. Prêmio Literário José Saramago 2007, o autor de O Remorso de Baltazar Serapião (2006) nunca mais se afastou dos livros depois daquele primeiro contato. “Entendi que aquela forma de explicar o mundo era-me uma natureza”, disse.
Para o escritor e educador Rodrigo Ciríaco, esse impacto veio com um livro de poemas do alemão Bertolt Brecht (1898-1956), aos 16 anos, numa escola estadual na Zona Leste. “Ele abriu portas para que eu entrasse no universo da literatura e da poesia, e elas nunca mais foram fechadas”, recorda. “Algo que me preparou para a busca e o encontro com a literatura das periferias.”
Idealizador do projeto Literatura (é) Possível, desde 2006 Ciríaco desenvolve ações de incentivo à leitura, produção escrita e difusão literária. Atividades como Sarauzim, primeiro sarau infantil voltado exclusivamente para as crianças, acontecem em escolas públicas estaduais e municipais de São Paulo. “Criado como um projeto para compartilhar a paixão pela literatura e pela poesia, o Literatura (é) Possível ganhou asas e contornos para muito além da própria escola onde nasceu”, conta. “Fomos o primeiro projeto pedagógico a utilizar a literatura marginal e os saraus periféricos como ferramenta educativa dentro de uma escola.”
Além disso, neste último ano, Ciríaco participou da realização de mais de 70 ações poéticas e literárias, a maior parte delas dentro das escolas públicas. Iniciativas que, para o educador e escritor, são fundamentais para tornar a leitura e o leitor presentes e permanentes no cotidiano. “O livro não pode continuar sendo um objeto exótico, estranho como ainda é para a maior parte da população” , acrescenta. “A leitura, o leitor, o poeta, o escritor precisam estar presentes em nosso dia a dia, precisam estar inseridos em nossa vida.”
Acesso às obras
“Uma das primeiras ações para se tornar um leitor é ter contato com os livros”, aponta a educadora social Bel Santos, que, desde 1988, atua em organizações não governamentais e facilita processos de criação de bibliotecas comunitárias gerenciadas por jovens. “Tenho falado em povoar os territórios com palavras que fazem sentido para as pessoas. Precisamos ter o texto literário em cada canto onde andamos, principalmente quando falamos de pessoas que não tiveram acesso à literatura.”
Coordenadora do Programa de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac) e membro do grupo gestor da Rede LiteraSampa/RNBC, Bel Santos está à frente de diversos projetos que encurtam a distância entre os livros e moradores de regiões periféricas da cidade. Um desses projetos, iniciativa do Ibeac em Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, é espalhar algibeiras com bolsos onde cabem, e ficam visíveis, até 20 livros, em locais movimentados.
“Os livros têm que estar nas ruas, nas unidades de saúde e até nas sorveterias, local mais frequentado pelas crianças. Deixamos a literatura onde as pessoas estão e não somente em escolas e bibliotecas. Levar os livros para as ruas é uma forma de captar quem não é leitor”, explica.
Bel Santos conta que, no próximo ano, a Rede LiteraSampa deve implantar o projeto Livro Livre nas periferias de São Paulo. Doações começaram a ser organizadas, assim como a elaboração de selos e carimbos para esta ação. “Vamos estimular os livros a chegar aonde ainda não chegaram. Até que, em algum momento, você encontre uma história para chamar de sua”, complementa.
Conheça outros projetos que ampliam o contato com um mundo de histórias sem fronteiras
BookCrossing Brasil – Livro Livre
Transformar o mundo em uma biblioteca é o objetivo do movimento BookCrossing, que incentiva a prática de deixar um livro num local público para que ele seja encontrado e lido por outro leitor, que, por sua vez, deverá fazer o mesmo. Criado em 2001 pelo programador Ron Hornbaker, nos Estados Unidos, o movimento ganhou alcance mundial e hoje está presente em 132 países. No Brasil, o BookCrossing chegou poucos meses depois que foi criado, e está presente em diversos estados brasileiros. Na capital paulista, entre vários lugares, ele acontece no Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura – Casa das Rosas, na Avenida Paulista. Saiba mais: www.bookcrossing.com.br.
Poesia Contra Violência
Organizado pelo poeta Sérgio Vaz – um dos fundadores da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) e um dos criadores do sarau de mesmo nome –, esse projeto consiste em fomentar a leitura em escolas de áreas periféricas de São Paulo. Um dos objetivos é levar o livro às mãos de alunos e alunas que não têm a oportunidade de comprar ou fazer empréstimos. Saiba mais: www.facebook.com/poetasergio.vaz2.
Espaço de Leitura
Ação cultural e socioeducativa sediada no Parque da Água Branca, Zona Oeste da capital paulista, o Espaço de Leitura teve início em 2010. À sombra das árvores ou em “casas” temáticas, esse espaço oferece aos visitantes, em especial às crianças, o acesso a livros e à leitura. Na programação gratuita e mensal são realizadas oficinas, contação de histórias, feira de troca de livros, apresentações culturais e outras atividades. Saiba mais: www.espacodeleitura.com.
O projeto BiblioSesc do Sesc São Paulo aproxima públicos de todas as idades do livro e da leitura há dez anos. Sobre rodas, seis unidades transportam um acervo que chega às mãos da população da Grande São Paulo e capital em mais de 46 pontos de atendimento. Uma ação que ressoa para além dos 195 mil empréstimos realizados somente no ano passado. Porque ao chegar à casa ou à rua, nas mãos de um novo leitor, o livro ainda alcançará amigos, familiares e outras pessoas à volta.
A cada 15 dias, seis bibliotecas volantes visitam diversos bairros das regiões das unidades de Campo Limpo, Itaquera, Interlagos, Osasco, Santana e São Caetano. Cada uma transporta mais de quatro mil títulos. Desembarcam romances, ficções, poesia, clássicos e outros gêneros acompanhados por um bibliotecário, um assistente e o motorista.
No acervo, obras de literatura brasileira e estrangeira: das narrativas clássicas às contemporâneas; literatura infantil e juvenil; HQ; artes; humanidades; saúde; e meio ambiente.
Também são levados revistas e jornais que podem ser lidos no local. Para participar é preciso fazer um cadastro no ponto de atendimento onde o BiblioSesc está estacionado. Lá, basta apresentar seu documento de identidade e comprovante de residência. Cada leitor pode retirar até dois livros simultaneamente, pelo período de 15 dias, quando a biblioteca volante volta à região para realizar devoluções e novos empréstimos.
“Ao longo de dez anos, o BiblioSesc vem cumprindo uma função fundamental ao levar o livro ao encontro do leitor e propiciar para todos, de modo geral, o primeiro contato ou a permanência dessa relação com a obra”, explica André Dias, assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, que coordena o projeto BiblioSesc. “Dessa forma, vem agregando outros olhares, perspectivas e valores no sentido de promover o bem-estar e a democratização da leitura.”
6 CAMINHÕES EM SÃO PAULO (57 NO BRASIL)
MAIS DE 190 MIL EMPRÉSTIMOS E CONSULTAS
CERCA DE 25 MIL LIVROS NO ACERVO, ALÉM DE REVISTAS E JORNAIS
Os pontos de atendimento são alterados periodicamente. Para saber por onde anda o BiblioSesc, bem como as datas e horários de atendimento, acesse no portal sescsp.org.br as páginas das unidades Campo Limpo, Itaquera, Interlagos, Osasco, Santana e São Caetano.