Postado em 13/11/2019
Texto: Graziela Nunes e Clóvis Aguiar de Farias
Madonna completou 60 anos no dia 16 de agosto de 2018 e, durante todo o mês, o Sesc Rio Preto debruçou-se sobre sua figura emblemática para compreender uma nova configuração da velhice a partir dessa idade, que ainda é um marco referencial.
O projeto Madonna, Sexagenária teve ideias inspiradas em momentos marcantes da carreira da artista e reuniu vozes diversas para fomentar reflexões sobre o envelhecimento, a liberdade de expressão e os limites preestabelecidos entre gêneros, etnias e faixas etárias.
Poucas coisas passaram incólumes à Madonna nas últimas décadas. Who's that is girl? Madonna é figura eminente e relevante, um farol que sempre captou o zeitgeist de sua época. E permanece. Por essa razão, não apenas nos atentamos em retomar suas ideias ou reproduzir a sua obra mimeticamente, mas, sim, decifrar as discussões desse tempo, a partir de questões que ela apresenta.
A expectativa era a de atrair, principalmente, o público mais velho e, eventualmente, como em atividades propostas prioritariamente para jovens, recomendar a interação entre as partes. Tais expectativas, de saída, ajudam a justificar o projeto, mirar no público alvo para captá-lo para as ações, mas não devem ser limitadoras.
Propusemos rodas de conversa sobre comportamento, exibições de filmes, seguidas de bate-papo, oficinas artísticas - videoclipe e dança, shows, desfile de moda, criações de textos testemunhais e até um espetáculo literário construído para a ocasião, o Trovadores do Miocárdio Abrem o Coração para a Madonna, com as participações do músico Fausto Fawcett, que tem mais de 60 anos, e do escritor Ian Uviedo, que tem menos de 20.
Uma das atividades consistiu num curso de moda, que resultaria num desfile. Nela, os participantes construiriam, em conjunto, sete figurinos significativos da carreira da Madonna e elegeriam um representante para desfilar com o modelito.
Ficamos muito focados em atrair a participação maciça dos idosos, para entendermos como os figurinos, que traduziam, por exemplo, fantasias sexuais, se desdobrariam no tempo presente e afrontariam (ou se afrontariam) o rótulo do velho e suas imposições.
Feito o chamamento, a atividade, por sorte, escapou pelas mãos e naturalmente acenou para outra tendência, a de ruir com as cordas que delimitam as fronteiras. No processo de produção, que durou quatro dias, um jovem estudante de moda alinhavava o sutiã cônico de Jean-Paul Gaultier diante do olhar atento e supervisor de uma mulher de 80 anos: Giseuda - a eleita para desfilar com o figurino de Erotica. Na passarela, ainda contamos com uma mãe e sua filha de 7 anos, jovens estudantes de moda e drag queens, festejando a variedade de corpos, idades e gênero.
Para nós, essa amálgama contribui para rasgar a convenção de que o idoso já não cabe mais nesse papel, não serve nessa roupa e que certas atitudes descombinam com a idade ao servir-se da mesma narrativa de jovens e até de uma criança.
Outro ponto alto do projeto foi a participação da pesquisadora de gerontologia, Erika Hilton. Erika é uma mulher jovem, negra e trans e, nessa condição, trouxe outra perspectiva do tempo, a reduzida, cuja finitude pode ser prevista, já que no Brasil a expectativa de vida de transexuais e travestis é de 35 anos, enquanto a média do brasileiro é de 75 anos.
No auge do seu surgimento, na década de 80, Madonna era a síntese do favorecimento da juventude: contava com o vigor físico e coragem para dar passos largos em direção às rédeas do seu próprio destino. Seu grande desafio, como ela mesmo disse, foi permanecer, enquanto outros se foram. Se a Madonna envelheceu, todos nós envelheceremos ou já estamos velhos. Aos 61 anos, com um disco novo, prestes a sair em turnê, renovando a experiência da maternidade e desviando-se das flechas arremessadas por aqueles que a querem enquadrada nas fronteiras da idade, ela acena de longe e simplesmente vai.