Postado em 12/11/2019
"A vida é um acúmulo de experiências fantásticas e tento aprender e aproveitar o máximo possível dessas vivências."
Geriatra, pesquisador clínico e biomédico. Iniciou os estudos na Universidade Javeriana (Colômbia) e Medicina Geriátrica, que ele completou na Universidade McGill em Montreal (Canadá). Posteriormente fez Doutorado na mesma Universidade. Os principais interesses de pesquisa do Prof. Duque incluem novos tratamentos para perda óssea relacionada à idade, osteoporose, sarcopenia e fragilidade em idosos. Atualmente, é diretor de medicina do Instituto Australiano de Ciências Musculosqueléticas (AIMSS) da Universidade de Melbourne e Western Health. Ele também é diretor do Programa de Tratamento e Prevenção de Fraturas na Western Health (Melbourne). Como parte deste programa, o Prof. Duque implementou uma clínica de quedas e fraturas, onde os pacientes são avaliados quanto aos riscos de maneira abrangente. Ele esteve nas unidades do Sesc São Paulo, durante a campanha de prevenção de quedas, no último mês de junho, para compartilhar experiências e conversar com os profissionais da área da saúde.
Mais 60 Dr. Gustavo Duque, por favor, conte-nos como o senhor se tornou Geriatra? O que o motivou a seguir essa residência e especialização?
Dr. Gustavo Foi uma combinação entre um profissional, que foi um exemplo pra mim, além da experiência pessoal. Eu tive um excelente professor na minha escola de medicina, que passou a ser um geriatra (um dos primeiros na Colômbia). Ele me mostrou o que era a Geriatria e me deu a oportunidade de trabalhar com ele, durante a minha carreira, como supervisor de pesquisa e mentor clínico. Quanto à minha experiência pessoal, eu venho de uma área na Colômbia onde os avós desempenham um papel importante na educação de seus netos. Eu estava muito perto dos meus avós durante toda a minha infância.
O foco da “Revista mais 60” é discutir e publicar estudos sobre o campo do envelhecimento. Em 2050, teremos mais pessoas idosas no mundo do que crianças. Nesse cenário, quando falamos de educação, especificamente no Brasil, a cultura do envelhecimento não é incentivada nas escolas. Como você vê essa falta de discurso, quando se trata de educação para o processo de envelhecimento?
Eu acho que o melhor método é fazer as crianças a interagirem com adultos mais velhos em um ambiente positivo e feliz. Nessa perspectiva, o Sesc poderia desempenhar um papel importante, para organizar atividades nas quais os idosos possam interagir com as crianças.
No Sesc, temos um programa para os idosos, que este ano completa 56 anos: “O Trabalho Social com Idosos”. Este programa vem mudando ao longo dos anos, de acordo com as demandas e necessidades desse público. Uma das diretrizes do programa é desconstruir preconceitos e estereótipos e valorizar os idosos por meio das ações realizadas nas unidades do Sesc. Na Austrália, você sente esse problema? Quais são as medidas sociais tomadas?
Sim, temos uma situação semelhante na Austrália. Isso também se deve às características das famílias australianas, nas quais as crianças deixam suas casas com pouca idade e raramente interagem com seus pais e avós. Eu acho que a situação no Brasil é um pouco diferente, porque há uma forte ligação familiar e comunicação regular com os membros mais velhos da família. No entanto, o estereótipo que nossa população jovem sustenta é que envelhecer significa que estamos ficando mais doentes e mais dependentes o que sabemos que não é o caso, necessariamente. Talvez, mostrar mais exemplos de envelhecimento bem sucedido (que é a maioria) ajudaria.
Falando sobre quedas, você disse em sua apresentação: “As quedas em pessoas idosas são um problema comum e trazem consequências significativas para os indivíduos e a sociedade. As quedas podem resultar em ferimentos graves, hospitalização, ansiedade e depressão, redução da qualidade de vida ou até levar à morte. O risco de complicações relacionadas a quedas está associado à idade. Como a população está envelhecendo, espera-se que a incidência de quedas aumente”. Por favor, fale mais sobre este assunto.
Sim, infelizmente as quedas são altamente prevalentes em pessoas idosas. Existem várias razões intrínsecas e ambientais. A questão importante é identificar os fatores de risco que predispõem nossos idosos a cair e agir diretamente neles. A maioria dos fatores de risco para quedas é ou evitável ou tratável, portanto, a importância de identificar o risco.
Você acredita que o medo de cair limita as pessoas mais velhas a sair de casa e interagir socialmente, especialmente em áreas urbanas? Qual seria sua sugestão?
Sim, o medo de cair é um determinante importante do isolamento. Infelizmente, nossas grandes cidades não são muito amigáveis aos idosos e apresentam-lhes múltiplos fatores de risco de queda. Se uma pessoa mais velha tiver
experimentado uma queda, a probabilidade de sentir medo de cair é muito alta. A questão do medo de cair deve ser um componente importante de qualquer programa de prevenção de quedas.
Durante a última semana de junho, em parceria com a Secretaria do Estado da Saúde, realizamos a campanha de prevenção de quedas. A campanha visa aumentar a conscientização sobre o assunto, especialmente para os idosos. Todas as unidades do Sesc estão envolvidas nesse período para realizar ações em rede que chamem a atenção para o assunto da campanha, que a cada ano aborda um tema diferente. Como esse trabalho é feito na Austrália?
Vários Estados australianos organizam atividades, no chamado April Falls Day, em todos os hospitais e centros comunitários, para aumentar a conscientização sobre a prevenção de quedas. Há também uma rede australiana, a Australian Falls Network, que projeta e coordena algumas dessas atividades. Em geral, o April Falls Day gera grande interesse da mídia e de toda a comunidade.
Você acredita que uma equipe multidisciplinar que inclui médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, instrutores de educação física, entre outros, é importante para manter a qualidade de vida durante o processo de envelhecimento?
A equipe multidisciplinar é o núcleo do cuidado ao idoso. O envelhecimento é um processo multidimensional que inclui componentes biológicos, funcionais, psicológicos e sociais. Cada membro da equipe multidisciplinar pode ajudar com um ou mais desses componentes.
Sabemos que a expectativa de vida está progredindo. O que podemos esperar com os tipos de velhice que teremos? Teremos idosos saudáveis, mas também doentes? Com demência e solitários? Como você vê essa estrutura
no futuro?
Eu vejo isso como algo contínuo, que transita do envelhecimento saudável para
a doença crônica e, depois, para a incapacidade. Atualmente, falamos de anos livres de incapacidade. As doenças relacionadas à idade vão acontecer com todos, entretanto, a questão importante é tratar essas doenças, manter um estilo de vida saudável e interagir com a família e a comunidade.
Sabemos que a sarcopenia é uma questão muito séria e importante a ser tratada em idosos, e o senhor é uma referência sobre esse assunto no cenário mundial. Por favor, conte para nós como os profissionais podem atuar contra esse problema.
A sarcopenia, definida como a perda de massa muscular e força no envelhecimento, é altamente prevalente em nossas comunidades. Ela predispõe a quedas, fraturas, incapacidades e até morte prematura. Todos os profissionais de saúde devem estar cientes desta doença e devem ser treinados para identificá-la em seus pacientes mais velhos. Além disso, a comunidade deve estar ciente da existência dessa doença e de suas manifestações. Embora ainda não tenhamos um
medicamento para tratar a sarcopenia, é bem sabido que o exercício regular, a ingestão adequada de proteínas e níveis ótimos de vitamina D são intervenções efetivas para prevenir sua progressão e eventos adversos.
Como você está se preparando para envelhecer?
Devido à minha vida agitada, devo admitir que não tenho muito tempo para pensar em como estou me preparando para envelhecer. A vida é um acúmulo de experiências fantásticas e tento aprender e aproveitar o máximo possível dessas experiências.