Postado em 31/10/2019
Somos 60% água. Feitos desse elemento vital e imprescindível que compõe três quartos do nosso planeta. Por isso, preservar a saúde das águas que atravessam a cidade, servem às plantações e abastecem moradias, indústrias e comércios é uma questão de sobrevivência. No caso da cidade de São Paulo, construída sobre seus mais de 200 rios e córregos, que formam um rico sistema hídrico, enfrentam-se graves problemas. A mancha de poluição no rio Tietê, o principal do Estado e que cruza a capital paulista, aumentou 34% em relação ao ano passado, segundo levantamento da SOS Mata Atlântica, ONG que acompanha a poluição do rio desde 2010. Mas o que você tem a ver com isso?
“A maior parte dos rios de São Paulo viraram esgoto a céu aberto e isso é naturalizado por grande parte da população. Ou seja, temos que discutir mais a questão do saneamento”, afirma Vitor Chaves, mestre em Engenharia Ambiental e Sanitária, que trabalha na coordenação executiva e técnica do Sapiência Ambiental – escritório que desenvolve projetos de design sustentável.
Para o especialista, além da formação de um pensamento crítico para demandar políticas públicas, cada cidadão precisa refletir sobre hábitos e consumos diários. “Muitos produtos de limpeza e higiene pessoal representam sérias fontes de poluição ambiental. O lixo que é jogado na sarjeta da rua também vai parar no rio”, exemplifica Vitor, que também é permacultor [a permacultura é um estudo e uma prática voltados para o manejo sustentável de recursos naturais].
Quem salienta a importância do protagonismo da sociedade nesse cenário é o músico e permacultor Vinicius Pereira, do Bando de Seu Pereira, grupo musical que realiza oficinas de criação de cisternas e sistemas de captação de água da chuva, entre outras (leia o boxe O rio em mim). Uma das soluções apontadas por Vinicius começa na produção caseira de produtos de limpeza. “Há várias receitas da vovó que são boas e não são tóxicas como a maioria dos produtos que temos no mercado”, alerta.
Essa mudança de postura caminha ao lado do consumo consciente, de acordo com Vinicius: “Quanto melhor a qualidade do que a gente consumir, até na alimentação, menos prejudicial será o que vamos mandar para nossos rios”. Mesmo porque “a saúde dos rios está extremamente relacionada à saúde das nossas casas, que está extremamente relacionada à saúde do nosso corpo. E tudo isso tem a ver com a revisão dos hábitos de consumo”.
A força do coletivo
Mudanças começam dentro de casa e reverberam na região em que habitamos. Com esse pensamento, o Sapiência Ambiental realiza cursos de capacitação e assessorias técnicas em saneamento e design ecológico para o terceiro setor, coletivos e comunidade. Neste ano, o escritório implementou o projeto Jardim da Vida, uma proposta de tratamento de esgoto ecológico na Associação Comunitária Pequeno Príncipe, no distrito de Parelheiros, Zona Sul de São Paulo.
“Nossa atuação começa com um processo de inserção na comunidade para criarmos laços. Inicialmente, buscamos lideranças regionais que conhecem bem o território e que têm potencial de mobilização de esforços”, descreve o engenheiro. “Em seguida, começamos um processo de apresentar a solução que propomos – temos utilizado fossas biodigestoras com biofiltros com plantas –, explicando as características dessa tecnologia e os cuidados necessários.”
Depois dessa aproximação, toda a comunidade é convidada a participar de um mutirão, ou, nas palavras de Vitor, “uma aula a céu aberto”. No processo, todos colocam a mão na massa e são capacitados para se tornarem agentes replicadores. “Assim, vemos impactos significativos no que diz respeito tanto à preservação da qualidade do lençol freático quanto à construção coletiva de conhecimentos”, complementa.
Lenda de lati | Bordado autoral do Grupo Matizes Dumont
OFICINAS, DEBATES E OUTRAS ATIVIDADES PROPÕEM UMA NOVA RELAÇÃO COM OS CORPOS HÍDRICOS DA CIDADE
Uma diversidade de iniciativas vem contribuindo para rever a relação que cada cidadão estabelece com rios e afluentes da cidade. Ações que estarão presentes na Mostra de Práticas Socioambientais Pétala por Pétala, realizada pelo Sesc Interlagos, de 14 a 17 de novembro. Neste ano, a programação tem como tema O Rio Passa dentro de Nós. “Em sua 12ª edição, a exposição se propõe a estimular uma reaproximação entre nossos corpos e os corpos d’água e apresentar práticas, saberes e tecnologias, formas de uso e manejo da água que possibilitem a construção de uma relação mais harmoniosa e sustentável com esse elemento vital”, explica Liliane Barbosa, agente de Educação Ambiental do Sesc Interlagos.
Confira alguns destaques da programação:
VIVÊNCIA
Rios e Ruas Entre Lagos
Nesta vivência com a iniciativa Rios e Ruas, o público será convidado a reconhecer a riqueza hídrica da Zona Sul de São Paulo a partir do contato com imagens aéreas da região. Também poderá interagir com um mapa quebra-cabeça identificando rios e córregos que formam as represas Billings e Guarapiranga e terá acesso a um roteiro de reconhecimento das águas superficiais do Sesc Interlagos. O objetivo é transformar a percepção das pessoas a respeito de suas realidades urbanas e revelar a presença de rios e riachos soterrados vivos sob as cidades. (Dia 16/11)
OFICINA
Captação de Água da Chuva
Nesta oficina, o coletivo Bando de Seu Pereira e a Kombi Zeolina vão compartilhar com o público a experiência de instalação de cisternas na região do Rio Doce (Expedição Rio Doce Vivo) para apoiar comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana, no ano de 2015. Ainda serão apresentadas técnicas seguras de captação e de armazenamento da água da chuva a partir da construção de um sistema de baixo custo que pode ser montado em domicílios. (Dia 15/11)
OFICINA
Tecnologias Sustentáveis e de Baixo Custo para Saneamento
A proposta desta oficina realizada pelo escritório Sapiência Ambiental é desconstruir o conceito de esgoto como algo “asqueroso”, que precisa ser afastado o mais rápido possível. Para isso, os participantes entram em contato com
uma perspectiva que compreende o esgoto como uma preciosa fonte de recursos que podem ser aproveitados. Durante a oficina,
o público vai construir um modelo piloto – em pequena escala – de sistemas naturais e de baixo custo de saneamento ecológico. (Dia 17/11)
DEBATE
São Paulo e Suas Águas: Conflitos e Novos Desenhos Possíveis
A última crise hídrica do Estado de São Paulo, de 2014 até hoje, ampliou a discussão sobre o uso e desperdício da água, formas de recuperação e proteção dos corpos hídricos, bem como tecnologias e manejos sustentáveis. Sobre esse cenário, Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), e Guilherme Castagna (Fluxus Design Ecológico) vão debater caminhos para a construção de novos desenhos urbanos que proponham uma relação de harmonia entre a população e os rios. (Dia 14/11)