Postado em 30/09/2019
Somos influenciados – e muitas vezes condicionados – ao selecionar o nosso prato de cada dia. Seja pela disposição de produtos nas gôndolas do supermercado, pela organização do bufê a quilo, seja pela publicidade. O fato é que a definição do que comer não parte exclusivamente de você, mas de fatores que interferem em seus hábitos alimentares e, consequentemente, atingem sua saúde. No Brasil, essas escolhas parecem não ser favoráveis. Segundo o Ministério da Saúde, o índice de obesidade no país aumentou 67,8% entre 2006 e 2018, em decorrência do consumo elevado de ultraprocessados, com alto teor de gordura e açúcar. E agora? De que forma podemos tomar boas decisões para nutrir corpo e mente e obter uma vida longa e saudável?
Sabe-se que os alimentos que compõem o prato no cotidiano mudam de região para região, assim como do interior para as capitais do Brasil. Mesmo assim, de maneira geral, a população tem optado por alimentos que extrapolam a quantidade de sódio, gordura e açúcar esperada. “Se observarmos a Pesquisa de Orçamentos Familiares [a última foi divulgada em 2009 e a próxima deve ser levada ao público ainda neste ano], no estudo de consumo alimentar você encontra elevados percentuais de ingestão desses nutrientes”, destacou o gerente da Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Martins, no site da agência de notícias do órgão.
De acordo com a nutricionista Marle Alvarenga, supervisora do grupo de nutrição do Programa de Transtornos Alimentares (Ambulim – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e idealizadora do Instituto de Nutrição Comportamental, até o momento de eleger o que comer, uma série de aspectos entra em cena. Alguns passam pela qualidade nutricional, aparência, cheiro e, especialmente, pelo sabor, que é o principal estímulo. Também há fatos relacionados ao ambiente onde se faz a refeição, tais como iluminação, cor, limpeza e a presença de outras pessoas.
“Além disso, há fatores que chamamos de socioculturais e psicológicos, que têm a ver com nossas crenças, valores, mitos, preferências e expectativas”, explica a nutricionista, que realizará uma palestra sobre comportamento alimentar no Sesc Pompeia, neste mês (leia boxe Alimentação Pensante).
Foto: Laura Rosenthal.
Dois importantes fatores que orquestram o que preferimos ingerir, ou não, são: o sabor do alimento e as sensações que ele desperta em nosso corpo. O filósofo da alimentação Nicola Perullo, que esteve no Sesc em 2017 participando da conferência O Gosto como Experiência, define o gosto como uma expressão da cultura da sociedade. Algo que cresce e se desenvolve com ela de forma entrelaçada. Compreendendo a educação como um caminho aberto de experiências contínuas, o paladar também está imerso nesse processo dinâmico. “O gosto é parte do crescimento de qualquer ser humano e, como qualquer outra coisa, pode ser educado”, disse.
Além disso, sabe-se que os seres humanos têm uma preferência natural pelos sabores doces. “Quando ingerimos alimentos ricos em açúcar, a região do cérebro responsável pela sensação de prazer é ativada, vamos assim dizer, e ocorre a liberação de dopamina", explica a médica Vivian Marques Miguel Suen, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), com pós-doutorado no Human Nutrition Research Center na Tufts University, Laboratório de Metabolismo Energético, nos Estados Unidos. A dopamina é uma das substâncias produzidas pelos neurônios (neurotransmissores) e desempenha papel fundamental na regulação da recompensa alimentar, alimentação e peso corporal. “Algumas pessoas, a desenvolvem como se fosse um vício. Dessa forma, a região do cérebro responsável pela sensação de prazer precisa de quantidades maiores de açúcar para ser estimulada, o que leva a pessoa a comer mais", complementa.
Tendo em vista as predileções inatas e as construídas socialmente, um dos grandes desafios da educação alimentar e nutricional é apresentar ferramentas que levem essas preferências em consideração para colaborar na construção de uma relação mais saudável com a comida. De acordo com Vivian, investir numa alimentação saudável mesmo antes da primeira infância pode ajudar nossa memória a associar um alimento nutritivo como alimento prazeroso.
“A alimentação saudável e equilibrada deve começar desde o nascimento”, orienta. “Evitar que a criança ingira açúcar e estimular que se acostume com produtos saudáveis desde que começa a ingerir outros alimentos que não o leite materno.”
Para entender como transformar um comportamento alimentar é preciso, primeiramente, compreendê-lo. A nutricionista Marle Alvarenga explica: “Ele abrange: como você come, se você come acompanhado ou não, com quais utensílios e, principalmente, por que você come o que come”. Apesar de serem conhecidos estudos sobre consumo alimentar, ainda não há uma pesquisa nacional que explique o comportamento do brasileiro de maneira generalizada, tendo em vista todas as diferenças regionais. “Por exemplo, em São Paulo, temos um padrão bem americanizado de comer sozinho, rápido, fora de casa ou mesmo na mesa de trabalho. Algo muito diferente do que acontece no interior do país”, completa.
Mesmo assim, é possível que cada um faça uma análise de seu comportamento. Buscar informações é um passo importante, mas não é o único. “Você quer crer que pessoas bem informadas usem a informação, mas elas a interpretarão de maneira diferente porque isso tem a ver com a educação que tiveram, com a família, com a cultura, expectativas e com a maneira como elas interpretam o mundo”, observa.
Nesse contexto, pesquisadores de outras áreas, além da saúde, investigam a alimentação. Caso do professor de Sociologia e de Antropologia na Universidade de Toulouse (França) Jean-Pierre Poulain, pesquisador reconhecido mundialmente pelo estudo da alimentação, paradigmas e desafios no campo das ciências sociais, que esteve presente na segunda edição do Experimenta! – Comida, Saúde e Cultura, em 2018. “Ao comer, nós ingerimos um alimento que participa de nossa vida corporal íntima. Ele atravessa a fronteira entre nós e o mundo. Ele nos reconstrói e nos transforma ou pode nos transformar”, enfatiza.
E essa transformação sobre a qual Poulain fala começa na escolha do alimento para, então, alavancar mudanças na sociedade. Seja na redução de alimentos ultraprocessados e, com isso, na redução de lixo e de impactos ambientais, seja no fomento à agricultura orgânica, ao cultivo de pequenos produtores e ao não desperdício. Para isso, “as pessoas precisam entender por que elas comem o que comem. E, para a maior parte das pessoas, isso não é óbvio nem consciente”, observa Marle Alvarenga.
Dessa forma, em vez de seguir modismos ou dietas que mudam a cada estação, é possível buscar o próprio caminho. “Há pessoas que procuram regras externas para comer e precisam se conectar ou se reconectar aos sinais internos de fome, de apetite e de saciedade para se sintonizar com suas necessidades nutricionais e de saúde e então, comer”, acrescenta a nutricionista.
Foto: Yi-Hsin Wei. Pixabay.
O QUE É MITO E O QUE É FATO QUANDO O ASSUNTO É COMIDA SAUDÁVEL
Confira as respostas da nutricionista Manoela Figueiredo, especialista em comportamento alimentar e mindful eating, sobre conceitos e fatos acerca da alimentação:
Alimento gostoso só se for rico em gordura ou em carboidrato
Vivemos numa sociedade dicotômica que diz que há comida certa e comida errada. A “certa” são as frutas, verduras e legumes, e a “errada” são bolos, massas etc. Esse último assume a característica de gostoso e proibido. Mas alimento gostoso é aquele que a gente gosta. Uma alimentação saudável, então, tem espaço para todos os tipos de alimento – para frutas e para bolo também. O que precisamos é de um equilíbrio de quantidade e de qualidade.
Descasque mais e desembale menos
Esse é um jeito bacana de olhar para a alimentação e sugerir que a gente coma mais alimentos in natura, que são os que compramos na feira, e coma menos alimentos industrializados, processados e ultraprocessados. Não estamos dizendo “não coma o que tem embalagem”, mas busque um equilíbrio. Como é levar uma fruta de lanche e não um pacotinho de algo? Parar para descascar uma fruta e comer é algo rico em significados, tanto do ponto de vista de saúde, pela quantidade de nutrientes, fibra, água e vitaminas que a fruta tem, como do ponto de vista da relação com essa comida desde a origem até ela chegar a sua boca. Isso é completamente diferente de algo feito em série, industrializado.
Para ser saudável é preciso comer menos
Para ser saudável é preciso comer o suficiente. É preciso que a gente coma diante dos nossos sinais internos de fome e de saciedade. Então, a gente precisa perceber a nossa fome, entender que ela é fisiológica e que vamos parar de comer quando estivermos saciados e não quando a gente estiver “estufado”. O saudável, se pensarmos em alimentação do ponto de vista biológico, psíquico e social, vai muito além da quantidade.
É importante o que eu como, mas também quanto, onde eu como e por que eu como. Alimentação saudável é ter uma relação saudável com a comida.
Pixabay.
UNIDADES DA GRANDE SÃO PAULO, LITORAL E INTERIOR DO SESC APRESENTAM DEBATES, OFICINAS, PALESTRAS E OUTRAS ATIVIDADES SOBRE HÁBITOS À MESA
Neste mês, todas as unidades do Sesc São Paulo – grande São Paulo, interior e litoral – convidam o público a refletir sobre o universo da comida e suas relações com cultura e saúde durante a terceira edição do Experimenta! Comida, Saúde e Cultura. Na programação, bate-papos, vivências, palestras, feiras e outras ações promovem uma alimentação adequada e saudável, a valorização das tradições alimentares e a conscientização sobre nossas escolhas.
“O Experimenta! Comida, Saúde e Cultura busca levar reflexões ao público sobre diversos temas ligados à alimentação, com uma abordagem que envolve questões sociais, econômicas, culturais e de saúde, desde o campo até a mesa. Nesta terceira edição, assuntos relacionados aos comportamentos alimentares estão em destaque na programação”, explica Mariana Meirelles Ruocco, assistente da Gerência de Alimentação e Segurança Alimentar do Sesc.
Confira alguns destaques da programação:
CPF
Comida, Comportamento e Cultura
Nesta palestra com o sociólogo e pesquisador francês Claude Fischler será proposta uma reflexão sobre as diferentes formas e sentidos do comer no tempo presente. (Haverá tradução simultânea inglês-português). (Dia 3/10)
PINHEIROS
Um bate-papo com o Instituto Nutrição Comportamental, que faz uma introdução ao mindful eating (comer consciente). A prática promove a conexão com os sinais internos de fome e saciedade, além de sabores e escolhas envolvidos no ato de comer. (Dia 8/10)
CARMO
Uma conversa sobre corpo, autocuidado e alimentação, com a nutricionista Marcela Kotait e a professora de yoga Vanessa Joda. A mediação é da jornalista Daiana Garbin. (Dia 9/10)
ITAQUERA
Você é o Que Você Come? Reflexões sobre Comida e Autoimagem
Discussão sobre a relação entre autoimagem e alimentação, para refletir sobre distúrbios alimentares e padrões sociais que associam o corpo magro à beleza e à saúde, com a nutricionista Fernanda Timerman. (Dia 10/10)
POMPEIA
Por Que Você Come o Que Você Come?
Um bate-papo com a nutricionista Marle Alvarenga sobre comportamento alimentar e a relação do indivíduo com o alimento. (Dia 15/10)
PARQUE DOM PEDRO II
Nesta vivência, os participantes estarão com fones de ouvido para ficarem imersos em uma narrativa sobre o mindful eating. Uma experiência capaz de ampliar a percepção da ativação sensorial, mastigação e deglutição orientada pela Plenitude Bem-Estar. (Dia 19/10)
CONSOLAÇÃO
A nutricionista Sophie Deram propõe uma reflexão sobre o ato e o prazer de comer com o objetivo de questionar o que as mídias e redes sociais veiculam sobre alimentação. (Dia 21/10)
AVENIDA PAULISTA
Formação de Hábitos Alimentares
Um bate-papo com a psicóloga Marcela Carvalho e a nutricionista Fernanda Pisciolaro sobre a forma como os hábitos alimentares dialogam com diversas dietas e podem afetar a saúde e a cultura alimentar. (Dia 24/10)