Postado em 29/08/2019
Para que um corpo existe? Para que existe um corpo de mulher? O que significa um corpo idoso? Qual o lugar destinado ao corpo de uma mulher idosa? Responder a essas perguntas proporciona uma reflexão a respeito de uma série de questões relacionadas à nossa sociedade, onde os corpos são condicionados para servir à estrutura produtiva, para se encaixar em padrões de beleza, para ocupar papeis e espaços determinados, e são desprezados por se apresentar, se movimentar e se impor de maneiras diferentes. Restringe-se a liberdade do corpo existir, ser apenas o que é, estar no mundo e transitar, manifestar a vida que abriga.
A redescoberta do corpo e de suas potencialidades, portanto, é um processo que faz sentido para todos e pode ser ainda mais especial para aqueles corpos vistos como “sem serventia”, como os dos aposentados e dos idosos. Ao contrário da ideia de incapacidade, o envelhecimento traz possibilidades, antes ofuscadas por obrigações, preconceitos ou falta de oportunidades. “Nunca fiz ballet e foi uma realização para mim! Sou uma pessoa muito romântica então o curso fez com que eu libertasse uma sensibilidade com a vida”, revela Luzinete Dantas de Castro, 65 anos, que participou da atividade “Não é Tarde demais! Princípios do Ballet Clássico”, realizado entre maio e julho no Sesc Vila Mariana.
Outras participantes falam em “um resgate da infância”, “uma expressão do feminino em mim”, “uma memória corporal”, “um lugar além da imaginação”, “uma sensação de bem estar na alma e no corpo”... Depoimentos que remetem a um reencontro do físico com o emocional, e também fazem pensar sobre o significado de crescer mulher, em uma época em que a submissão à família, aos costumes, ao marido e aos filhos, por exemplo, poderiam resultar em um distanciamento da própria personalidade.
“Ver a descoberta das alunas com essa possibilidade de dança é gratificante! Às vezes dançar parece algo separado da vida, mas trabalha tantos elementos que desenvolvem o ser humano”, afirma Suzana Bayona, bailarina que conduziu as aulas do curso e que atua com o propósito de tornar a dança acessível a todos, sejam idosos, crianças, pessoas com deficiência. “Os idosos trazem uma energia ainda maior para dançar, até pelos estigmas sociais de que a dança é para jovens. Eu me vi cercada de pessoas com muita vontade!”
A reafirmação dos desejos, a retomada dos sonhos e a redescoberta de talentos surgem de forma natural, ao transformar a energia interior. Como Ervelina Sermejian, 78 anos, que havia feito aula de flamenco há 14 anos e não tinha esperanças de voltar a dançar, até se inscrever no curso “O seu momento é agora: Descobrindo-se na dança - Módulo Dança Flamenca”, no Sesc Vila Mariana. “Eu me arrisquei... Por incrível que pareça, cheguei tímida, com dúvidas se conseguiria acompanhar o grupo, mas a professora traz a gente, tira de dentro da gente coisas que não sabemos que temos. Foi uma oportunidade deliciosa!”
A bailarina Ale Kalaf, responsável pelo curso, explica que o principal objetivo da atividade era aproximar as idosas à linguagem e à corporeidade da dança flamenca, explorando a consciência corporal, a musicalidade, a assertividade e o contato com as emoções e afetos a partir do gesto: “Trabalhamos bastante com a sensação de que ‘eu existo’, ‘o outro me vê’, e de como se colocar no mundo, através do corpo, em uma idade muito invisível”.
Por essa razão, as aulas aconteceram em roda, de modo a exercitar a exposição, no sentido de aceitar seus limites e possibilidades de expressão, e culminaram em apresentação na Praça de Eventos do Sesc Vila Mariana. “A vida é um palco, o momento de cada mulher é um palco e essas mulheres todas se reuniram aqui para viver um grande momento!”, celebra Ervelina.