Postado em 11/06/2019
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc São Paulo
A trajetória de uma instituição é condicionada por dois aspectos que, ao definirem sua identidade, orientam tomadas de decisão face aos desafios de cada contexto: sua missão e seus valores. A missão estabelece o centro de gravidade em torno do qual se equilibram todas as ações institucionais, ao passo que os valores revelam aquilo sobre o qual não se abre mão quando da efetivação dessas ações. No primeiro caso, há um caráter perene, praticamente definitivo: a missão do Sesc – colaborar para o bem-estar de trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, seus dependentes e da sociedade de seu entorno – é a mesma desde seu surgimento, em 1946.
Quanto aos valores, o componente histórico é fundamental: as mutações da sociedade ao longo do tempo ensejam novas urgências, reordenam prioridades e encaminham demandas que eram, até então, menos visíveis. Valores como diversidade e sustentabilidade, por exemplo, sequer faziam pleno sentido em meados do século XX; entretanto, consolidaram-se nas últimas décadas e, atualmente, são considerados inegociáveis para o Sesc. Vale refletir, segundo tal perspectiva, sobre o valor da memória.
Nos dias que correm, parece coerente que uma entidade empenhada num projeto socioeducativo esteja comprometida com a promoção da memória. Mas isso não foi sempre assim: essa percepção foi sendo construída paulatinamente. A conscientização de que a memória condiciona o tempo presente, influenciando comportamentos e visões de mundo, se deu, em grande medida, a partir de uma crescente movimentação dos cidadãos, exigindo que narrativas não-hegemônicas fossem ouvidas. No lugar de um tema restrito a círculos especializados, observou-se notável espalhamento.
O dia a dia do Sesc está repleto de iniciativas que colocam em relevo a valorização da memória, e a presente publicação é uma delas. Os Cadernos Sesc de Cidadania, que procuram aprofundar a discussão em torno de assuntos de interesse público, aventuram-se agora nos complexos meandros do “já-vivido”, mimetizando nas páginas a seguir uma disposição que ocorre cotidianamente nas unidades. Trata-se de preservar elementos representativos de outros tempos, cuidando para que possam transmitir parte de seu vigor às gerações futuras; mas trata-se sobretudo de estimular o juízo crítico sobre o mundo que nos rodeia, assim como abordar a realidade em sua inteireza, sem simplificações enganosas.
Promover a memória implica um compromisso: compreender o fenômeno de superexposição do assunto para atuar a partir de premissas responsáveis, que entendam o campo das memórias como expressão cultural fundamental, recusando instrumentalizações. Para tanto, permitir que ele seja contagiado por outros valores que orientam as ações institucionais – como o exercício da cidadania, a vocação educativa e a diversidade – é a estratégia mais adequada. No âmbito dos direitos humanos, tais contágios são desejáveis, pois conduzem a uma perspectiva integral acerca dos seres humanos. A memória é um desses direitos; como tal, deve ser pensada de forma sistêmica, jogando-se luz sobre sua capacidade de influenciar e ser influenciada pelas demais dinâmicas sociais.