Postado em 07/08/2019
“Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. (...) Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue”.
Esse texto dramático é um recorte do livro Um Sopro de Vida - Pulsações, de Clarice Lispector. Uma ficção repleta de metalinguagem em que o autor fictício do romance vai se dissolvendo na construção de uma personagem mais forte do que seu criador.
Mas antes de escolher Clarisse como uma epígrafe, quase entrou aqui o genial início do romance Os Espiões, de Luis Fernando Veríssimo. O livro narra a história de um escritor frustrado por nunca ter publicado nada e que trabalha deprimido numa editora pequena. Um dia lhe chega um manuscrito para avaliar, e, ao ler, ele se apaixona pela autora (que declarava que não terminaria a obra, pois iria cometer suicídio). LFV começa o livro assim:
“Formei-me em letras e na bebida busco esquecer”.
A ficção destes autores consagrados ilustra um pouco a árdua tarefa de um artista da palavra escrita. E durante cinco meses, dez pessoas participaram ativamente de um projeto da programação de literatura do Sesc Taubaté com o objetivo de experimentar o gosto de escrever e publicar, mesmo que fosse para arrancar sangue ou derramar vinho na mesa.
O nome do projeto do Sesc utilizava a velha máxima: Três coisas para se fazer antes de morrer: plantar uma árvore, criar um filho e escrever um livro.
Dentro desta sentença, a oficina Carpintaria Literária, ministrada pelo escritor Marne Lucio Guedes consumiu cinco meses de encontros semanais com produção e edição de um conto de cada participante. Além desta carpintaria, o projeto incluía também outras cinco oficinas mensais dedicadas a arte literária: a professora e pesquisadora Thaís Travassos trouxe a discussão sobre o que é a literatura em março; a escritora Veronica Stigger passeou pelos gêneros literários em abril; o escritor Nelson de Oliveira focou no encontro do texto com o leitor em maio; o diretor de teatro Fernando Rodrigues deu voz a leitura dramática em junho; e João Varella e Cecilia Arbolave, diretores da editora Lote 42, passaram julho explicando todas as etapas de uma publicação de livro.
E todo esse processo culminou em 100 exemplares impressos pela Lote 42 de uma coletânea de contos nascidos e carpintados nas oficinas do Sesc Taubaté.
No filme Escrever um Livro, um pouco do que impulsionou esse trabalho, a história de cada um dos professores com a literatura, a visão do mercado editorial, os motivos que fizeram o Sesc promover essa experiência, os desafios do autor contemporâneo e, claro, trechos arrancados (sem muito sangue) dos contos produzidos para o livro.