Postado em 31/07/2019
APRESENTAÇÃO
Modos de falar, de fazer, de pensar, de sentir, de agir, de produzir, de comer, de amar, de criar, de interagir são expressões daquilo que nos faz humanos: a cultura. Como um aspecto vital dessa nossa condição, a cultura, em toda sua diversidade, é considerada um direito tão fundamental quanto o direito à liberdade, à saúde e ao trabalho. Consta, portanto, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em 1948, sob o impacto da violência da Segunda Guerra Mundial.
Mais do que um momento de celebração, a ocasião do aniversário de 70 anos da Declaração foi propícia para refletir sobre os desafios para garantia efetiva desses direitos, alertar acerca do avanço de modelos políticos e econômicos que ameaçam seus princípios, assim como reforçar as denúncias quanto aos ataques a ativistas (o Brasil ocupa a triste posição de um dos cinco países mais letais para defensores dos direitos humanos).
Vivemos um momento em que uma parcela da sociedade nega a pertinência dos direitos humanos, ignorando que os mesmos não corroboram tal ou qual concepção política, mas visam proteger toda e qualquer pessoa em sua integralidade.
O dossiê da 8ª edição da Revista do Centro de Pesquisa e Formação oferece um olhar para os Direitos Humanos a partir da Gestão Cultural, ampliando as discussões desenvolvidas no Curso de Gestão Cultural na Perspectiva dos Direitos Humanos, realizado entre agosto e dezembro de 2018 no Centro de Pesquisa e Formação. Reunindo professores-pesquisadores, gestores e ativistas de movimentos sociais e culturais, o curso buscou expandir o arcabouço teórico e prático no âmbito dos direitos humanos para que profissionais do campo da cultura possam atuar respeitando e incorporando as múltiplas realidades sociais coexistentes no país.
Por meio de artigos como As narrativas hegemônicas como normativas excludentes: raça, gênero e sexualidade, de Ana Passos, Bruno Puccineli e Waldemir Rosa, e A História da_arte: desconstruções da narrativa oficial da arte, de Ananda Carvalho, Bruno Moreschi e Gabriel Pereira, os leitores serão conduzidos pelos caminhos que constroem discursos únicos a partir da perspectiva de culturas dominantes e relegam outras maneiras de se apresentar ao mundo a um lugar secundário, de menor prestígio, de pouco ou nenhum reconhecimento e, em alguns casos, até de criminalização. A injustiça cultural e simbólica, nos dizeres da filósofa Nancy Fraser, se apresenta de forma recorrente nas instituições culturais e de produção/veiculação de conhecimento, impactando diretamente os grupos sociais invisibilizados – inclusive na construção de políticas públicas destinadas a tais segmentos.6
Na sequência, os textos de Marilia Bonas, Museus e direitos humanos no Brasil: um breve ensaio, e de Paulo Endo, A memória como campo de luta e os direitos humanos como seu horizonte tardio e imediato, focam nas disputas pela memória e no papel das instituições museais na contestação de narrativas violentas num cenário de expansão das intolerâncias.
Fecham o dossiê os artigos Migração e educação: ampliando direitos, garantindo acessos e questionando fronteiras, de Francione Carvalho, e O fazer interseccional no trabalho de educação em sexualidade, de Elânia Lima, que relatam experiências de pesquisa e trabalho com público infanto-juvenil na valorização da diversidade cultural, demonstrando a relevância da proteção das distintas expressões da cultura de modo a assegurar a dignidade das pessoas.
A revista traz, ainda, no texto de Beatriz Polivanov, uma reflexão sobre identidades performadas em redes sociais; uma análise sobre o programa "Alimento para Todos", nas palavras de Carlos Alberto Dória e Joana Pellerano; uma discussão sobre relações de classe e de trabalho em obras cinematográficas brasileiras, proposta por Mariana Souto; e, de autoria de Diego Galeano, um texto de cunho histórico que aborda as redes transnacionais de moedeiros falsos nas primeiras décadas do século XX, a partir da análise do papel de agentes policiais e de jornalistas no tratamento desses casos.
Na seção Gestão Cultural, três textos dão visibilidade à produção de ex-alunos do Curso Sesc de Gestão Cultural.
O entrevistado desta edição é o Padre Júlio Lancellotti, importante voz dos direitos humanos na cidade de São Paulo, que há anos atua em defesa das pessoas em situação de rua. Suzane Jardim contribui com a resenha do livro Meu nome não é Pixote: o jovem transgressor no cinema brasileiro, lançado em 2018 pelas Edições Sesc.
A poesia do escritor carioca Geovani Martins e o trabalho do artista amazonense Denilson Baniwa completam a edição e nos reconectam com a arte como expressão dos direitos humanos e também aliada na luta em sua defesa.
Boa leitura!