Postado em 31/07/2019
Em mais de 30 anos dedicados à música e ao ensino, trompetista e
compositor norte-americano entende o jazz como um estilo de vida
Foto: Clay McBride
São 57 anos de vida e grande parte dela dedicada ao jazz. Um dos grandes feitos de Wynton Marsalis na música foi a criação, três décadas atrás, da Jazz at the Lincoln Center Orchestra, big band que o acompanhou em uma série de concertos e atividades educativas, de 19 a 30 de junho, em oito unidades do Sesc São Paulo, da capital e região metropolitana. “Uma coisa importante: mesmo com tanto tempo de estrada, nós ensinamos uns aos outros. Às vezes, vamos para o estúdio e não nos damos conta de como é difícil tocar aquela partitura. Passam-se uma, duas horas e só então começamos a pegar o jeito”, contou na coletiva de imprensa realizada no Sesc Avenida Paulista, em junho. Por 12 dias, os músicos fizeram 11 concertos, promoveram dois ensaios abertos, duas palestras e quatro dias de workshops para músicos, além de um encontro aberto com Wynton Marsalis. Em foco, jazz e educação musical, que o acompanham desde criança, como filho do pianista Ellis Marsalis. “Acompanhei a luta do meu pai na comunidade em que morávamos, em Nova Orleans, Estados Unidos”, relembra.
Ensinar + Aprender
Assim como meu pai, um grande músico, eu e todos os meus irmãos temos essa veia musical. E na Jazz at the Lincoln Center Orchestra somos um time. Dedicamos nosso tempo para reafirmar o papel das big bands, unindo música à educação, ao ato de ensinar. Ele foi professor por muitos anos. Entre meus 15 e 16 anos comecei a dar aulas para garotos mais jovens. Foi um movimento natural, uma inspiração do que tinha em casa. Meu pai tinha grande crença no poder da música para transformar não só as comunidades, mas os indivíduos. Aprendi com ele e me convenci da importância da educação associada à música.
Música para comunicar
Improvisação tem a ver com a palavra “eu”.
E essa dimensão é muito fácil de identificar, pois diz respeito a nós mesmos como pessoas. O swing é sobre nós, muito difícil, devemos confessar. Já o blues significa manter a positividade em todos os momentos, ainda mais nos que parecem sem solução. E equilibrar essas três noções é como a dança da capoeira. É uma onda. Tentamos apreender o que o jazz pode ensinar como filosofia de vida. Toda vez que venho ao Brasil, sinto que sou uma pessoa melhor quando volto para casa. Temos uma conexão muito forte com os músicos e o público brasileiro. A arte é simbólica. Quando o público assiste às nossas apresentações, ele vê realmente o que queremos passar. E a música é responsável por essa comunicação.
Uma lição
A experiência em sala de aula alimenta o processo criativo em nossa orquestra. Compartilho uma lição que um aluno de 16 anos me deu quando eu tinha 25 [final da década de 1980]. Durante a aula eu estava explicando música clássica e ele começou a tocar harmônica. Toda vez que emitia um som, eu imprimia um tom de crítica: “Está errado. Esse som não está bom”. Agia assim porque foi dessa maneira que aprendi. Porque sempre tem algo errado – ao menos é o que nos dizem. Nos reencontramos anos depois, quando ele já estava no ensino médio, e ouvi a pergunta: “Senhor Marsalis, será que eu respeitosamente posso pedir ao senhor que me ensine pelos aspectos positivos?”. E naquele momento realmente houve uma transformação em mim sobre a forma como eu pensava a educação e o ensino. Tenho certeza de que todos nós temos esse tipo de história na memória. Fatos que nos marcaram e nos sensibilizaram para transformações no fluxo de nossas trajetórias.
Além do símbolo
Música é simbólica. Se as pessoas simplesmente quiserem ignorar esse símbolo, assim o farão. Há alguns anos visitei Ornette Coleman [músico de free jazz norte-americano] e vi em sua estante Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Perguntei: “Cara, é um bom livro. Como conseguiu?”. Ele me respondeu: “Comprei há alguns anos e vou mantê-lo na estante até que as coisas mudem de vez”. Ou seja, Casa-Grande & Senzala é um símbolo potente, mas a mudança da situação está em nossas mãos. Ampliando o raciocínio, a música é um dos nossos símbolos culturais e os recursos disponíveis para as mudanças sociais devem ser fixados nestes símbolos que promovem a união das pessoas, da mesma forma que devem ser retirados dos símbolos que nos dão sensação de enfraquecimento. Será que a sociedade está disposta a fazer isso?
Quando o público assiste às nossas apresentações, ele vê realmente
o que queremos passar. E a música é responsável por essa comunicação