Postado em 31/07/2019
Para além da prática e da fruição,
a música PROMOVE bem-estar,
contato social e benefícios à saúde
Hoje, provavelmente, você vai escutar uma melodia ou canção que pode mudar seu dia. Composições capazes de atravessar fronteiras geográficas, promover encontros e ativar memórias. Meio de expressão criado e assimilado pelas mais diferentes culturas, a música acompanha a história da humanidade e gera inúmeros benefícios à nossa saúde física e mental.
Há numerosos indícios de que os humanos possuem, além do instinto da linguagem, um instinto musical, como assinalou o neurologista britânico Oliver Sacks (1933-2015). Ao longo da carreira como pesquisador e autor de vários livros a respeito dos impactos da música sobre o funcionamento cerebral, Sacks defendeu que somos uma espécie linguística e musical. Sob esse prisma, as melodias são formas de nos expressarmos como indivíduos e como sociedade. É o que observa o trompetista e compositor norte-americano Wynton Marsalis (leia a seção Depoimento): “Quando o público assiste às nossas apresentações, ele vê realmente o que queremos passar. E a música é responsável por essa comunicação”.
Expressão individual e coletiva, a música se faz presente, e de maneira particular, em cada bairro, comunidade, cidade ou país. Sendo assim – e por causa de suas idiossincrasias –, esta é uma linguagem essencial na formação da identidade de um grupo. Caso do Fandango Caiçara, expressão musical, coreográfica, poética e festiva do litoral sul do estado de São Paulo e do litoral norte do Paraná, registrado entre os bens imateriais que compõem o Patrimônio Cultural do Brasil. Da mesma forma, o samba de um bairro na zona norte e outro na zona sul de São Paulo apresentam características próprias e constroem narrativas de vida e memórias singulares em cada região.
Tendo em vista essa atuação sobre o indivíduo e sobre a formação de uma sociedade, a música se tornou objeto de estudo da neurociência. Nas últimas três décadas, investigações apontam quais os impactos dessa expressão artística sobre a saúde humana. “A música pode nos acalmar, animar, consolar, emocionar. Pode nos ajudar a obter organização ou sincronia quando estamos trabalhando ou nos divertindo. Mas, para pacientes com várias doenças neurológicas, ela pode ser ainda mais poderosa e ter imenso potencial terapêutico. Essas pessoas podem responder intensamente e mais especificamente à música (e, às vezes, a mais nada)”, escreveu Sacks em Alucinações Musicais (Companhia das Letras, 2007).
Pesquisas mostram os benefícios do engajamento musical em quadros clínicos de reabilitação (após um acidente ou lesão) e também em cuidados paliativos no caso de Alzheimer e Parkinson, por exemplo. “Nesses tipos de doença ocorrem atrofias e alterações nos tecidos do sistema nervoso, ocasionando diversos problemas cognitivos, comportamentais e motores”, explica o psicólogo e músico Guilherme Alves Delmolin de Oliveira, membro sênior do projeto Neurociência e Música na Universidade Federal do ABC (UFABC). No entanto, de acordo com Oliveira, há pesquisas que indicam que as “memórias musicais” podem ajudar a entender esse processo. “Alguns pesquisadores sugerem que possam recrutar diferentes regiões do encéfalo que ainda se encontram preservadas mesmo em estágios mais avançados da doença e, portanto, facilitam a recordação. Isso é fascinante”, complementa.
Musicalização infantil
Desde a infância, a música se faz presente. Na barriga da mãe ou com poucos meses de vida, o bebê tem acesso à sonoridade de chocalhos e móbiles no berço, a cantigas de ninar, ao assovio do avô ou ao apito cadenciado de um trem – melodias que tão logo serão armazenadas na memória. O resultado é um complexo cenário de respostas no corpo e na mente, como aponta o pesquisador Guilherme Oliveira. “A experiência musical produz atividade neural em áreas cerebrais importantes para os processos de percepção, memória, sensações de prazer, linguagem e até mesmo de atenção, planejamento e motricidade”, detalha.
Além disso, a música é capaz de promover o desenvolvimento da sensibilidade, estimular a criatividade, a concentração e a sociabilização das crianças, ressalta o educador musical Marcelo Serralva (leia boxe Ações que reverberam). Nas oficinas que realiza em escolas localizadas em diversos estados do Brasil, ou em apresentações acompanhado pela compositora Marissa de Britto (leia boxe Sem Fronteiras), a musicalização infantil entra em cena. “Assim como as aulas de Educação Física na escola apresentam para os jovens a chance de conhecer vários esportes, servindo para muitos como porta de entrada para a busca de uma vida mais saudável e ativa, esperamos que a musicalização funcione da mesma forma: uma porta de entrada para uma vida mais musical e sensível para as artes em geral”, afirma.
Tendo em vista um alcance básico, a música ainda é um suporte sobre o qual é possível trabalhar diversos conteúdos. Por exemplo: “Usar a música para ensinar encontros vocálicos; para aprender matemática; para organizar a rotina em sala de aula”. Sendo assim, uma aula “mais musical” seria um atrativo à parte, fomentando o interesse dos alunos para assuntos que normalmente não os atrairia tanto.
A longo prazo, ações como essas iriam provocar outros impactos. “Um adulto que foi musicalizado terá vivenciado muitos estímulos, não só musicais. Ele terá explorado sua criatividade e sensibilidade de uma forma que normalmente não faria”, acrescenta. “Se ele decidir seguir seus estudos de música, terá internalizado noções rítmicas, estimulado seu canto, vivenciado atividades de movimento. E se ele não quiser seguir com a música, ainda assim será um adulto mais sensível.”
Nunca é tarde
No campo da psicologia, muitas pesquisas também têm apontado para os efeitos comportamentais provocados pela música. Segundo o pesquisador Guilherme Alves Delmolin de Oliveira, há benefícios associados ao engajamento em atividades musicais na saúde tanto física quanto mental, assim como nas percepções subjetivas de bem-estar em idosos saudáveis.
E na oficina Canto para Idosos – Criação, Identidade e a Voz-Instrumento, realizada pela cantora e compositora Danielle Domingos no Sesc Guarulhos, neste mês, o ato de cantar reverbera mais do que bem-estar. Ao se inscreverem, os participantes contam: eles estão numa fase da vida em que reconhecem a vontade e o tempo disponível para viver outros desafios. “E olhar para a voz e para o canto é olhar para si mesmo”, pondera Danielle.
De maneira coletiva, são feitas práticas de respiração e postura entre outras técnicas do canto. Exercícios que estimulam nos idosos uma consciência corporal e atividade mental. “Por exemplo, por meio do aprendizado e do emprego consciente desses processos que envolvem o canto, como a respiração e o relaxamento de tensões musculares, é possível obter benefícios como o aumento da capacidade pulmonar”, explica a professora.
O objetivo é que cada um explore a voz e o corpo, este grande instrumento experimentado por mestres como o norte-americano Bobby McFerrin, músico reconhecido mundialmente por sua extensão vocal e pela habilidade de usar a voz para criar sonoridades de diversos instrumentos musicais. Feito o convite para uma investigação de si, Danielle constata o desenvolvimento de dois processos importantes: a quebra de uma rigidez corporal comum ao envelhecimento e o autoconhecimento.
“É preciso pensar na voz como um instrumento que tem um mecanismo que aponta como chegar a notas mais agudas, por exemplo. Também pensar na voz como algo que o coloca como indivíduo no mundo”, analisa. “As pessoas podem ter timbres parecidos, mas cada um tem a sua voz: um veículo muito importante de comunicação e de aproximação social.”
Sem fronteiras
Leia o depoimento da compositora Marissa de Britto, que trabalha com o educador musical Marcelo Serralva. Surda desde os dois anos de idade, ela trabalha a inclusão por meio da musicalização infantil para educadores.
A inclusão do surdo na música pode ser feita de várias formas, dependendo do tipo de percepção que ele vai ter
com relação à música. Muitos acham que é pela vibração, pelo sentir, mas nem sempre é dessa forma, pois isso depende muito de cada um. Cada surdo tem suas particularidades como qualquer ser humano. No meu caso, o sentir musical nunca foi pela vibração, ainda mais em um ambiente com música absurdamente alta. Minha percepção da música era mais pela contagem e principalmente pela poesia que ela transmite, pela história por trás daquela letra e da forma como ela é cantada (expressada em melodia). Percebo a música mais por olhar as pessoas dançando, pela forma como cantam... Para tocar algum instrumento, vou mais pela contagem. Posso dizer que a música é um diferencial na minha vida.
Ações que reverberam
Centros de Música do Sesc São Paulo promovem ensino, reflexão e trocas entre públicos de todas as idades
Inaugurado em maio, o Sesc Guarulhos renova a vocação do Centro de Música, programa criado pelo Sesc São Paulo há mais de 40 anos. Além de ter atividades voltadas ao aprendizado musical, o Centro de Música dessa unidade passa a ser um local de articulação em torno da programação em música no Sesc, visando a uma reflexão sobre metodologias de ensino e uma conexão com as diferentes linguagens e programas da instituição. Somado a isso, ainda há um incentivo e articulação de intercâmbios com organismos nacionais e internacionais.
Para entender essas mudanças é preciso voltar no tempo. A história dos Centros de Música do Sesc remete ao final dos anos de 1970, no Sesc Consolação. Na época, o maestro, violinista e compositor Alberto Jaffé ministrou um curso de ensino coletivo de cordas, experiência bem-sucedida que rendeu longevidade e amplitude ao programa na unidade.
Mais tarde, em 1997, a iniciativa foi repetida e ampliada com a criação do Centro de Música do Sesc Vila Mariana, que passou a oferecer também aulas coletivas de voz, instrumentos de sopro, percussão e cordas dedilhadas. Ambos (Consolação e Vila Mariana) compartilham de estruturas similares, o que permitiu um estudo aprofundado sobre conquistas e desafios que serviram de base para a criação desse espaço no Sesc Guarulhos.
“O conceito do Centro de Música mudou nesses anos de atividade. Além do acesso ao aprendizado musical em grupo, ele passou a discutir metodologias de ensino, a articular ações que se conectam com a programação de shows e concertos no Sesc e com as diferentes linguagens artísticas e programas da instituição”, explica Sonoe Juliana Ono Fonseca, assistente de Música na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.
Confira os destaques da programação:
VILA MARIANA
Série Concertos – Centenário de Cláudio Santoro, aula-espetáculo com Alessandro Santoro e Leonardo Martinelli
Em agosto a série Concertos homenageará o centenário de Cláudio Santoro. Artistas de renome da música de concerto contemporânea apresentarão programas baseados na obra e influências do compositor e maestro. Na abertura, Leonardo Martinelli (pesquisador) e Alessandro Santoro (cravista e filho do homenageado) realizam uma aula-concerto sobre a obra e os percursos estético-criativos de Santoro. (Dia 17/8)
Hermeto Pascoal – No Mundo dos Sons
Nesta turnê especial, o grupo que acompanha o multi-instrumentista Hermeto Pascoal (foto) fica em evidência. Atualmente, ele é formado por Itiberê Zwarg (baixo), Jota P. (saxes e flautas), Fabio Pascoal (percussão), André Marques (piano) e Ajurinã Zwarg (bateria). (Dias 30 e 31/8)
GUARULHOS
Voz e Criatividade
Ministrada pelo Barulho Max, a oficina acontece em formato de roda e caráter intergeracional para integrar jovens, adultos e idosos. Ela parte de exercícios simples em direção a estruturas musicais complexas. A ideia é desenvolver um ambiente dinâmico e fluido, no qual as atividades conduzem o grupo a situações de presença e entrega. Dessa forma, cada um pode adquirir autonomia para realizar escolhas a ponto de criar uma música. (Dia 10/8)
Bambolenautas – Invenções (sonoras) com bambolês
Projeto do educador musical e músico Marcelo Serralva com a arte-educadora Marissa de Britto, o Bambolenautas é uma apresentação musical lúdica e divertida com bambolês construídos ou desconstruídos pelos próprios arte-educadores. Em cena, intervenções musicais, visuais e sonoras voltadas para estimular a criatividade, a participação e o protagonismo da criança. (Dias 17 e 18/8)
Diversom – Vivência Musical
Ministrada pelos instrutores e musicistas Fabíola Ognibeni e Vinicius Suzuki, a oficina leva seus participantes a um primeiro contato com a música de forma criativa e lúdica. O objetivo é fomentar a apreciação e o estudo musical. Os participantes poderão explorar na prática diversos instrumentos musicais, como violão, teclado, contrabaixo, pandeiro, viola e bateria. (Dias 3, 4, 17 e 18/8)
CONSOLAÇÃO
Coral da Terceira Idade – Na Batida do Ganzá:
Música Brasileira e Africanidades
Nesse curso, o Coral da Terceira Idade vai vivenciar elementos da linguagem musical, do desenvolvimento vocal, da fisiologia da voz, respiração, memória e prontidão corporal. No repertório, o grupo se volta para o tema do projeto Na Batida do Ganzá: Música Brasileira e Africanidades, que explora ritmos como jongo, candombe, ijexá e samba. (De 12/8 a 27/11)
Ministrado por Solange Assumpção, o curso visa a um aprofundamento da percepção, desenvolvimento da coordenação motora, sensibilização musical e conhecimento de elementos básicos de notação e estrutura musical. (De 15/8 a 28/11)
Música para Bebês
Nessa atividade dirigida a bebês de oito meses até crianças de três anos, a linguagem musical é vivenciada por meio da exploração, expressão e produção de sons com voz, corpo, objetos e instrumentos musicais. Ministrada por Sheila de Souza Ferreira Murahovschi, esse encontro ainda reforça os laços afetivos dos pequenos com seus pais e responsáveis, que devem acompanhar a atividade. (De 13/8 a 26/11)