Postado em 24/05/2019
Recentemente, a maioria do Supremo Tribunal Federal votou para caracterizar a homofobia como crime. Com isso, o tema voltou a ganhar destaque nas discussões da sociedade, trazendo à tona uma série de reflexões pertinentes neste país que é um dos que mais acumula mortes por violência contra travestis e transexuais no mundo de acordo com a ONU.
Na noite anterior à votação do STF, reuniram-se no Sesc Consolação Erika Hilton, uma das nove integrantes da Bancada Ativista; Iran Giusti, criador da Casa 1, iniciativa que acolhe jovens LGBT expulsos de casa; Cláudia Regina, integrante da organização da Parada LGBT de São Paulo, e o ator, ativista e professor Weber Anselmo Fonseca para discutir o assunto. O debate fez parte do projeto Legítima Diferença, que realizou atividades em diversas unidades do Sesc, buscando desconstruir preconceitos e estereótipos ligados às pessoas LGBTQI+.
Ao acompanharmos as discussões no Sesc Consolação, pudemos perceber que, para muito além da questão jurídica, a LGBTfobia precisa ser combatida em diversas frentes. Trazemos a seguir algumas das possibilidades abordadas por cada participante:
Representação política
Erika Hilton se define transvestigenere. Ela conta que cunhou o termo junto com a ativista Indianara Siqueira, pois considera que as palavras "travesti" e transexual" são carregadas de estereótipos, colonizadas ou patologizantes. Integrante da Bancada Ativista, ela faz parte de um mandato coletivo na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde mostra a importância da representatividade na política.
"O desafio [na Assembleia] é fazermos compreender a chegada de dois corpos [referência à deputada Erica Malunguinho] transvestigêneres naquele espaço. É sermos validadas, respeitadas, fazer com que nossas ideias sejam levadas a sério, avançar com as pautas que nós defendemos".
Força das ruas
Hoje integrante da comissão de organização da Parada LGBT de São Paulo, Cláudia Regina é funcionária pública e ativista LGBT desde os anos 80 e acompanhou as mudanças sociais e políticas ao longo dos anos e seus efeitos nas lutas.
"Já passei por uma ditadura e sei como era difícil a militância e você se assumir nos anos 80. Jamais poderíamos pensar em ter uma deputada trans, jamais poderíamos pensar em ter lésbicas e gays assumidos no parlamento. Embora a gente tenha conquistado muitas coisas, nada está seguro. A gente tá vivendo uma situação complicada. Qual a estratégia, o que a gente pode fazer? [...] A gente tem que ir pra rua, conversar com as pessoas. Fazemos isso de certo modo, lutando para que a Parada aconteça. Sua realização esse ano já vai ser uma vitória. Vamos voltar para os anos 80, quando a gente começou na rua, com os cartazes, com as lutas".
Construção coletiva
Iran Giusti criou a Casa 1 em 2017, no bairro do Bixiga, como um espaço para acolher jovens LGBT que foram expulsos de suas casas por conta de sua orientação sexual. Além da residência que abriga 20 jovens de 18 a 25 anos, a Casa 1 é composta por uma clínica social e um centro cultural que realiza atividades abertas à população local. A partir da experiência na construção desses espaços, ele destaca a necessidade de estar junto à comunidade:
"Muita gente veio perguntar se a gente tinha sido impactado, ou sofrido alguma violência [depois das eleições], mas a gente tem a sorte - e também o resultado do trabalho que fazemos nos últimos dois anos e meio - de ter estabelecido uma relação de diálogo com o nosso entorno, com as crianças, as famílias, o pessoal da igreja participando, que eu não tive nenhum tipo de ataque naquele espaço. Mesmo sendo corpos dissidentes, tendo uma gestão negra e trans. Não aconteceu e não é porque não está acontecendo no Brasil. Não aconteceu porque a gente está nesse trabalho de trazer a sociedade civil, de articular junto".
Arte do diálogo
Ator, produtor, artista e professor, Weber acredita no poder da arte, da educação e da informação para sensibilizar as pessoas e desconstruir preconceitos:
"Eu comecei a produzir conteúdos em algumas plataformas e faço um caminho também pela arte sempre com esse foco: informar. Busco uma linguagem que fale com todos, todas, todes, mas a minha questão é chegar naquele que não sabe, não entende, que ataca - porque isso vai culminar no que a gente chama de crime de ódio.
Eu já desconstrui tantas coisas em outros setores da minha existência em sociedade, então tenho acreditado que o compartilhamento de experiências pode ser uma chave para a transformação".