Postado em 01/05/2019
1. Buscar o boi
numa busca por tudo entre capins
rios montes extravios infindos
sem força e ânimo onde encontrar
entre bordos cantares de cigarras
2. Achar o rastro
ribeira e árvore com tanto rastro
plantas de cheiro espesso adocicado
junto a montanhas vales e ninhos
nem mesmo céu esconde seu focinho
3. Olhar o boi
em ramos papa-figo entoa entoa
sol morno salgueiral e vento brota
ali sozinho boi encurralado
cabeça chifres quem os põe num quadro?
4. Pegar o boi
com todo empenho capturá-lo boi
boi intratável e forte e feroz
porém prossegue ainda monte acima
evanescência entre vale e bruma
5. Domar o boi
está na mão está o laço a corda
não se desprende agora em meio a pó
se vaquejado já retorna manso
segue o lado dispensa contenção
6. Montar o boi
suave monta o boi e ruma ao lar
e por neblina some som de flauta
solta cantiga trina de alegria
inexprimível que só se adivinha
7. Largar o boi
alcançar nesse dorso a choupana
o boi não há agora se descansa
em sol vermelho a pino sobre sonho
com corda e laço largados ao chão
8. Além do boi
corda laço homem boi tudo nada
ideia não penetra azul de abóbada
neve jamais suporta forno em brasa
ali unir-se a mestres patriarcas
9. Tornar à fonte
tornar à fonte origem sem afã
no lar e só sentado na cabana
surdo cego pro mundo exterior
rio corrente enrubescer de flor
10. Entrar na aldeia
descalço e desnudo entrar pela aldeia
sorrindo imundo em meio a lama e terra
sem poder imortal e sem feitiço
ensina árvores secas a florir
Guilherme Gontijo Flores é poeta, tradutor e professor de latim da Universidade Federal do Paraná (UFPR), autor de carvão : : capim (34, 2018) e do livro brasa enganosa (Patuá, 2013), com o qual foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de poesia. Também já traduziu Fragmentos Completos (34, 2017), de Safo, e Por Que Calar Nossos Amores? (Autêntica, 2017), uma coletânea de poesia romana, em parceria com outros três tradutores.