Postado em 06/03/2019
Por Jean-Pierre Poulain*
As práticas alimentares são encenações das preocupações, das aspirações, dos compromissos ... de uma determinada época. Claude Lévi-Strauss dizia que, por seu intermédio, as sociedades revelam até mesmo suas contradições. Elas são para o sociólogo um campo empírico privilegiado para entender as mutações sociais. A modernidade é atravessada por movimentos que retrabalham, reorganizam, reformatam o espaço social alimentar. Seis movimentos distintos podem ser identificados: medicalização, politização, judicialização, patrimonialização, ambientalização e relações homo-animais. Alguns deles impulsionam a tendência à individualização, outros mantêm ligações com diferentes categorias de atores e isso em múltiplas escalas, algumas das quais são inéditas (Poulain, 2007, 2009). É por essa tensão entre a afirmação das dimensões individual e coletiva que nos interessaremos. Começaremos com os movimentos que renovam os laços sociais e terminaremos pela medicalização e pelos efeitos do desenvolvimento do conhecimento científico no campo da genética.
A nutricionalização da alimentação, mesmo a mais respeitosa da prudência científica, impulsiona a tendência à individualização. E estamos provavelmente no começo de um movimento que segue em crescendo. Primeiro, porque a transição epidemiológica destaca os possíveis papéis dos alimentos tanto na prevenção quanto no manejo da doença. Em segundo lugar, porque estamos às vésperas de uma revolução paradigmática no campo da nutrição. Avanços na genética em três níveis, que são a nutri-genética, a nutri-genômica e a epigenética, mudarão a maneira como vemos a nutrição, abrindo novos espaços e escalas de tempo de articulação entre o social e a genética. O da escala de longo prazo da genética de populações com a antropologia e a sociologia da dieta, a dos estilos de vida durante a gravidez com o pico genético e o da interação de modelos genômicos de alimentos na escala de vida de um indivíduo. Três novos campos empíricos que, parcialmente, reorganizam o diálogo entre as ciências humanas, as sociais e a genética. O social perde a característica externa da definição durkheimiana do fato social e entra no próprio coração do biológico. As intuições de Marcel Mauss com o "fato social total", e ainda mais a de Edgar Morin – "a do fato total humano" – reencontrarão sua atualidade.
O conhecimento adquirido em modelos alimentares e o fato alimentar terão então uma utilidade dupla para a pesquisa e para a educação alimentar. Um desafio está diante de nós: articular e rearticular constantemente o "fato nutricional", que na medida em que o conhecimento progride – através da identificação de fatores de risco pessoais – promoverá inevitavelmente a individualização da relação alimentar, com o “fato alimentar”, o que nos lembra que comer é um ato de compartilhamento, um ato social, um ato significativo que se encaixa em estruturas culturais. Fato nutricional e alimentação, duas dimensões que participam do bem-estar e da saúde dos glutões humanos.
*Jean-Pierre Poulain é Sociólogo, Doutor em Sociologia, pela Universidade de Paris VII - Jussieu et HDR Paris IV - Sorbonne. Professor de sociologia e de antropologia na Universidade de Toulouse, na França. Atualmente, é titular da cadeira “Food Studies”, criada conjuntamente pela Universidade de Toulouse e a Taylor’s University (Kuala Lumpur, Malásia). Co-dirige o Laboratório Internacional Associado (LIA/CNRS) “Food, Cultures and Health”. Entre suas publicações, as acessíveis em português são: Sociologias da alimentação, pela Editora da UFSC(EdUFSC); História da cozinha e dos cozinheiros, em co-autoria com Edmond Neirinck, pela Colares Editora; Sociologia da obesidade, pela Editora Senac; e A gastronomização das cozinhas locais, Ellen Woortmann e Julie Cavignac, Ensaios sobre a antropologia da alimentação, pela Editora da UFRN (EDUFRN). Ele foi um dos palestrantes do Seminário Internacional Conexão Comida. As gravações completas das mesas e conferências está disponível aqui.